sábado, 22 de dezembro de 2012

Poema de um Natal sem paz


Naquele dia ouvi tua voz.
Me chamavas para perto de ti.
E me lançavas como instrumento teu
À ação em teu nome.

O tempo passa.
E já não ouço tua voz há tantos anos.
Bem que gostaria de ouvi-lo
Temo, no entanto, não ser capaz de oferecer agora o que pedirias.

O tempo passou
E me chamas novamente, desta vez sem voz,
Para perto de ti.
Como faço
se já não queres vãs ações exteriores?
O que preciso mudar em mim para te alcançar
e recomeçar?

Sinto-me tão vazio de ti
errante em busca de tantas coisas, perdido na multidão dos sentidos.

Me chamas novamente.
E já não sei ao certo o que queres de mim.
E me demoro em mim.
Na esperança de que estás no comando
Dessa inquietante transformação.
De que sairei desse deserto
mais aberto ao Amor.
Às exigências do teu amor, ó meu Amado.
Meu adorado, a quem eu sou capaz de sacrificar tudo.
E que me completas
Ao me deixar perplexo ante teus chamados.

Estranho paradoxo: me sinto pleno quando me anuncias um novo começo.
Essa dinâmica só encontro em relação a ti
Com tudo mais é o inverso.
No entanto me envergonho de tardar em entender os teus sinais.

Contigo é assim
Estou sempre certo e convicto da bondade de teu chamado
Estou sempre incerto das minhas respostas.
E assim caminho sem a paz prometida, sem a liberdade esperada.
Me ajuda, suplico-te.
Já não te peço que afastes de mim essas dores
Mas que me ajude a entender o sentido deste novo chamado.
Sei que um dia vai parar essa procura toda.
E já não ouvirei teus chamados
Pois serás chama em mim.

Mas até lá ainda suplico tua ajuda.
Tua voz?
Ó como seria doce e encantador ouvir-te novamente.
Até quando me farás esperar?
Nesse Natal sem paz
Choro. Choro o choro sem lágrimas. O teu choro de criança nascente.
E não sei quando chegará o momento de sorrir.
Mas me felicito com esse Natal doloroso.
Sim, estás em minha dor.
Sei que estás no desconsolo de minha alma nascente.

“No tempo da cólera tornou-se rebento” (Eclo 44,17)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Aristocracia Brasileira


Hoje fui ao Rio Sul, shopping localizado na Zona Sul carioca.
Interessante observar, logo ali na entrada, a existência da radical divisão de classes que vivemos no Rio, especialmente quando a gente entra pelos fundos. O pessoal que trabalha no shopping sai um pouquinho para poder fumar, e também ali estão, nas idas e vindas de seus postos de trabalho, demais funcionários, todos em contraste com a chegada animada e triunfal dos clientes. A diferença é visível, ao menos para quem vive a cultura por dentro. Está na qualidade das roupas, nos cortes de cabelo, na postura, no jeito de andar, de falar, de respirar e, até, de flertar. Tudo é símbolo de distinção. Vivemos numa sociedade radicalmente dividida. Até mesmo naquilo que seria um campo equalizador, por nos aproximar a todos da natureza, do lado cru da vida, o campo do flerte sexual, a diferença surge impondo muros de distinção e proibições. Raro, muito raro, um proletário acreditar que tem chance com a princezinha zona sul, daquelas "tão lindas que acho que cresceu só comendo filé". Muito difícil, quase impossível, o homem rico mexer com a pobre, sem que seja no jogo sujo do sexo imaginário violento e despudorado, mas que não seja nunca para casar, pois afinal, não vão aceitar lá em casa. Casamento só dentro da casta. Sim, lembro que li, há alguns anos, em Gilberto Freyre sobre o Brasil colonial: "negra pra trabalhar, mulata pra f... e branca pra casar". No que pese as (poucas) mudanças na cor, a regra continua valendo. É engraçado quando brasileiro se horroriza com a sociedade de castas indiana, com suas delimitações rigorosas e a vergonha dos intocáveis. Ora, ora, ser humano é ser humano, aqui e na China (e na Índia). Aqui também há castas: internalizadas no nosso imaginário. Tem gente que se a gente toca na rua, precisa correr pra lavar a mão. Sim, Brasil aristocrático. Lembro da aula da filósofa Marilena Chauí sobre a filosofia política em Baruch Spinoza (seu preferido). Segundo ele o que marca um regime democrático ou aristocrático de sociedade não é a forma de se contar os votos, é a busca por distinção social que há nas aristocracias. E não é que o judeu excomungado e expatriado tinha razão? Não é que a corrida simbólica em nossa sociedade é, mais do que dinheiro e poder, corrida por distinção? Brasil, eis a tua cara. Homem, ei-lo homem. É tudo humano. É tudo humano.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Conto de Rumi: Moisés e o Pastor


Certa vez, Moisés ouviu um pastor que rezava de forma espontânea: — Ó Deus, mostra-me onde estás, para que eu possa me tornar Teu servo, para que eu amarre Tuas sandálias e que eu penteie Teus cabelos, para que eu lave Tua roupa, mate Teus piolhos e traga Teu leite. Oh!, meu adorado! Que eu beije Tua mão amada, que eu massageie Teu pé amado e no momento de dormir, balance Tua pequena cama. Ó Tu, a quem todas as minhas cabras são ofertadas em sacrifício; ó Tu em quem eu penso, lânguido, pleno de desejo de amor. Ao ouvir a oração do pastor, Moisés, o profeta legalista, repreende-o severamente, identificando-o como alguém perverso e ímpio, por se referir ao Deus juiz de forma assim tão familiar e estúpida. Para ele, o grande Deus não necessitava de um semelhante serviço. Diante de tal atitude, o pastor, envergonhado e transtornado, com a alma queimada, rasga suas roupas e se retira para o deserto. Neste momento, veio do céu uma revelação de Deus a Moisés, que dizia: — Separaste meu servidor de Mim. Eis que viestes para reconciliar meu povo comigo, e não para afastá-lo de Mim. De todas as coisas, a mais detestável a Meus olhos é o divórcio. Dei a cada povo uma forma de expressão. Não tenho necessidade de seus louvores, estando acima de toda necessidade. Não considero as palavras que são ditas, mas o Coração que as oferece, pois o Coração é a essência e a palavra o acidente. Ó Moisés, aqueles que amam os belos ritos são de uma classe, aqueles cujos corações e almas ardem de amor são de outra. Não é preciso se virar para a Caaba quando se está nela, e mergulhadores não precisam de sapatos. A religião do amor é diferente de todas as outras religiões, pois, para os amantes, Deus é a fé e a religião. Em seguida, Deus infundiu no íntimo do Coração de Moisés os mistérios que palavra humana alguma alcança. As palavras invadiram seu Coração, transformando radicalmente sua visão. Após compreender a reprovação de Deus, Moisés correu ao deserto em busca do pastor. Ao se encontrar com ele, assim se expressou, movido de compaixão: — Não busques regra alguma, nem método de adoração; diz tudo o que teu Coração aflito deseja. Tua blasfêmia é a verdadeira religião, e tua religião é a Luz do Espírito. Estás salvo, e graças a ti um mundo inteiro se salvou igualmente.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Perdoe-me ainda


Perdoe-me Raíssa
perdoe-me os desencontros
perdoe-nos.
Perdoe-me por um tempo
ainda
há tempo

Perdão
Raíssa linda
projeto infinito
de mulher, de família,
de acalantos e carinhos
Raíssa menina
minha
ainda
hei de abrigar-te
e servir-te, na taça mais rica
o melhor vinho do amor
que envelhece.
Serei teu
pai
irmão
amigo
amado
ainda.

Deixa então que passem
as ilusões amargas
a dor
a solidão
Que venham
as lágrimas
romper a secura

Confio-te à vida
porque seco
e se te sinto perto
quase refloresço

Perdoe-me os desencontros
perdoe-nos
ainda
mais uma vez
Ainda será tempo.

sábado, 10 de novembro de 2012

Esses momentos de Liberdade - com Virginia Woolf


O que é liberdade?

Infinitas discussões filosóficas e apreensões espirituais são possíveis.

Hoje, trago um breve trecho de nossa incrível romancista Virginia Woolf, de seu livro Mrs. Dalloway, para breves comentários.

Um dos personagens Peter Walsh, em suas andanças por Londres, quando se dá conta que quase ninguém sabe que ele está na cidade entra num estado de espírito de profunda liberdade:

"(...) uma irreprimível, uma esquisita alegria; como se, dentro do seu cérebro, uma estranha mão corresse cortinas, escancarasse janelas e portas, e ele, sem nada ter com isso, se visse à entrada de intermináveis avenidas, por onde poderia vagabundear, se lhe aprouvesse. Fazia anos que não se sentia tão jovem." V.Woolf, Mrs Dalloway, p.53-4

Liberdade aqui é essa abertura de andar sem caminhos fixos. Andar sem meta. Estar na vida sem uma meta predefinida. Esse estado raro de abertura à vida é liberdade. 

Mas vemos que isso é algo raro e muito difícil de se alcançar. No texto, Virginia fala quase que de uma intervenção no cérebro, uma mão que abrisse cortinas. Linda imagem!

E depois prossegue:

"Tinha escapado! estava completamente livre - como acontece em todos os despojamentos, quando o espírito, como uma chama desabrigada, inclina-se, curva-se e parece que já vai espraiar-se fora do seu âmbito. Há anos que não me sinto tão jovem! pensava Peter, deixando (apenas por algumas horas, naturalmente) de ser exatamente o que era, sentindo-se como um menino que corre porta afora e vê, enquanto vai fugindo, a sua velha ama a chamá-lo." V.Woolf, Mrs Dalloway, p.54

Há muito o que comentar aqui. 

Primeiro a relação de liberdade com despojamento do espírito.
Ou seja, o estado de liberdade precisa de um despojar-se, ou seja, um sair de si, um desistir de todos os objetivos e metas traçados pelo espírito. É uma atitude de entrega. Esse é, na verdade, o objetivo da vida dos yoguins (hindus) ou mesmo do homem do Tao (taoísmo), é um deixar que se faça a Outra vontade, que não a minha. Esse (des)controle é expresso na imagem da chama, que tende a se espalhar. Belíssima imagem.

Em segundo lugar, a relação com a juventude, que aparece nos dois trechos. O estado de liberdade é esse estado de jovialidade em que tudo é possivel, ou seja, estou aberto a todas as possibilidades que a vida traz. E eu deixo de ser quem eu sou, para ser um outro-eu, livre de mim mesmo.

Em terceiro lugar, os limites desse estado. Há o limite do tempo. Virgínia reconhece que isso se dá somente por algumas horas. Em alguns casos isso se dará por menos tempo ainda. Nos mais neuróticos isso se dá somente em alguns segundos, e ainda assim, com uma imensa sensação de culpa. 

Outro limite é visto na dimensão da liberdade em contraposição ao aprisionamento. É a 'liberdade de', diferente da 'liberdade para'. Psicologicamente, o estado de liberdade é tão intenso e assustador, que ele tende a se manifestar no confronto àqueles que nos aprisionam (no caso, a ama, em seus registros infantis).

Bom, ainda comentando nossa Virginia. Há de se ler e viajar com ela. Porque em sua obra percebemos que a verdadeira liberdade apreciada é a liberdade de pensamento. Liberdade de imaginar situações. Possibilidades de vidas paralelas. Tudo na vivência do pensamento, como nesse trecho entre Clarissa e Peter (seu amor de juventude com quem ela não casou):

"Leva-me contigo! pensou Clarissa num impulso, como se ele fosse partir imediatamente para uma longa viagem; e, no instante seguinte, foi como se tivessem passado os cinco atos de uma peça excitante e movimentada, nos quais ela tivesse vivido toda uma vida e fugido, vivido com Peter, e tudo agora estivesse terminado." Mrs Dalloway, p. 49.

O pensamento é como um macaquinho pulando de galho em galho, frase de Buda, que me foi lembrada pela professora Alice (quem me indicou o livro). Pois é, se assim for, ler Virginia é acompanhar uma macacada pela floresta. E muita ilusão, atrás de ilusão Ah, Virgínia, que dor! Se você meditasse, não teria produzido o que produziu (e talvez não teria cumprido sua tragédia).

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Goenka, como agir diante da morte de um ente querido?



Como é que um meditador pode enfrentar a dor quando perde alguém querido?

O meditador deve ser muito sábio e compreender a lei da natureza. Apesar de todos os vossos choros e rezas, não há possibilidade de trazer essa pessoa de volta. Tem que aceitar o fato de que essa pessoa se foi.
Compreendam que sempre que gerarem uma sensação de lamento e de infelicidade enquanto se lembram de alguém que faleceu, essa vibração vai alcançar essa pessoa onde quer que ela possa estar, e vai fazê-la infeliz. Ninguém quer tornar infeliz um ente próximo e querido que tenha falecido. Certamente iríamos gostar que essa pessoa estivesse feliz, em paz e liberta, apesar disso, enviamos-lhe vibrações que a vão fazer mais infeliz. Ao fazer isso, estão a prejudicar a pessoa que querem que seja feliz.
Um outro aspecto prejudicial é que, enquanto choram pelo ente próximo e querido que faleceu, estão a semear sementes de sankharas de sofrimento. Estão a sofrer, e a semente de sofrimento não irá trazer mais nada para o futuro além do sofrimento. A natureza não vai distinguir se estão a semear a semente devido a este ou aquele motivo lógico. Não, a semente é a do sofrimento, e não pode deixar de trazer consigo o sofrimento.
Afinal, o que é a semente? A semente gera e cria um padrão habitual da mente. E quando estão a sofrer mais, seja por que motivo for, estão a alimentar um padrão habitual da mente. Esse padrão habitual irá trazer mais sofrimento no futuro; por isso começaram a prejudicar-se e ao ente querido que se foi.
E o terceiro aspecto prejudicial é que essa sensação de sofrimento que estão a gerar através desse sankhara começa a impregnar a atmosfera à vossa volta. Todas as outras pessoas da família que vos rodeiam vão ficar deprimidas, porque vocês estão a gerar esse tipo de sensações. Começaram a prejudicar-se a si mesmos, aos que vivem à vossa volta, e também ao ente querido que faleceu. Essa vossa ação é prejudicial de três maneiras.
Se alguém trabalhar sabiamente e compreender a lei da natureza, quando se lembrar daquele que partiu, se surgir na sua mente mesmo que um leve lamento, irá acalmar-se imediatamente e começar a gerar vibrações de metta, de amor. “Possas ser feliz, onde quer que estejas. Possas ser feliz, possas estar cheio de paz, possas encontrar a libertação.” As vossas vibrações irão alcançar este ser, e ele ou ela sentir-se-á feliz. Essas vibrações são cheias de alegria, paz e harmonia. Nesta altura estão a gerar um sankhara de harmonia e paz. Essa semente irá trazer-vos frutos de paz, de harmonia e de alegria. E essas vibrações espalhar-se-ão na atmosfera e irão torná-la harmoniosa e cheia de paz. Começaram a ajudar todos os três – o ente querido que faleceu, a vós próprios e à vossa família – da maneira propícia, da maneira do Dhamma.
As vibrações funcionam. Mesmo para aqueles que faleceram, onde quer que possam estar, a vibração que geramos quando nos lembramos deles irá com certeza alcançá-los, forte ou suavemente, de acordo com a força da vossa mente.

S.N. Goenka no livro: Para o Benefício de Muitos, Ed. Vipassana Portugal, 2009, p. 47-8.

Sentidos do Amor



Sentidos do Amor (Perfect Sense). Um filme lindo, emocionante, reflexivo, de dar embrulho no estômago em muitas passagens. É a história de uma relação amorosa nascendo entre uma mulher epidemiologista e um homem chef de cozinha. Muito boa a escolha das profissões. Porque está ocorrendo uma pandemia no mundo onde as pessoas estão perdendo gradativa e quase que simultaneamente cada um dos sentidos do corpo. Olfato, depois o paladar. Mais a frente a audição e por fim a visão. A mulher diante de uma doença mundial sem explicação. O homem sofrendo com as mudanças em seu restaurante e a impossibilidade das pessoas desfrutarem sua arte. 
Interessante que cada perda do sentido é precedida por uma vivência muito intensa de um tipo de sentimento. A primeira delas é a experiência de um luto. As pessoas começam a chorar, por alguma perda significativa. Tempos depois não conseguem sentir mais nenhum cheiro. O mesmo vai ocorrendo com os demais. Uma fome alucinante vem antes da perda do paladar, a explosão de raiva antecede a surdez e, interessante aqui, uma sensação maravilhosa de felicidade e compaixão é o sentimento que acomete a todos aqueles que irão perder a visão. 
A histeria coletiva, os anúncios de fim do mundo, a busca por culpados, terroristas, etc. são o pano de fundo social para as tramas de um relacionamento amoroso que começa no abraço consolador da experiência do luto e se encerra no abraço também compassivo ao ficarem cegos. As idas e vindas do casal, a forma como lidam com seus sentimentos, tudo isso vão nos trazendo à reflexão sobre a vida.
Filosoficamente, o filme toca na raiz da nossa experiência com o que é real. Percebemos o mundo pelos sentidos. É interessante notar, por exemplo, o nexo entre memória e sentidos. O olfato nos remete a memórias antigas. A perda do olfato vai apagando também nosso passado. Afinal, quem somos? quem somos sobre essa terra? somos mesmo quem pensamos ser? quando ferimos ou carregamos mágoas, quem nos magoou? uma pessoa ou uma onda de sentimento que ultrapassa os sujeitos individuais? somos realmente os mesmos? nossos relacionamentos são reais? Enfim, um filme que nos faz pensar muitas coisas.
Pessoalmente gostei da relação entre sentimentos e sensações, experiências da mente e experiências do corpo. Sinto que o filme toca no enigma do que os cientistas começam a buscar compreender, e que tem a ver com as descobertas que os místicos vem fazendo à milênios sobre o a relação mente-matéria e a existência do que somos. Certamente Buda tem algo a dizer sobre a impermanência, a partir das suas experiências, dentro da moldura de seu próprio corpo, no seu caminho de iluminação. Sensações, sentimentos, ideias, tudo possui a natureza de surgir e desaparecer. E o filme, apesar de trágico em suas conclusões, deixa a sensação final de que ao fim de todos os sentidos (corporais) resta um sentido (significado) na vida: o amor.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Revelação do Ramayana a Valmiki



Estou lendo o Ramayana e ali, logo no início, conta-se como o livro foi revelado ao sábio Valmiki.

O que me chama atenção é que temos a tendência a perceber as religiões orientais como religiões místicas, do silêncio além das palavras, em contraposição às religiões do tronco judaico-cristão marcadas pelas revelações, pelas palavras, pelo livro, pelo profetismo.
Esse texto no entanto, um dos mais famosos livros da Índia que conta a história de Rama, foi escrito de uma forma que podemos dizer, revelada.
Lembramos que a devoção a Rama é comum na Índia, e que foi a última palavra de Gandhi antes de morrer.
Vamos à história:

Valmiki estava sentado, em meditação, há milhares de anos, à beira do rio. Tanto tempo que foi feito um cupinzeiro sobre ele. 
Mas com a tragédia de Rama e sua esposa Sita, o sábio dos céus, Narada, veio despertá-lo e pedir que socorresse a mulher.
Convencido por Narada, Valmiki observou Sita, "uma bela e formosa mulher."
Depois observou duas aves aquáticas sobre uma árvore e se encantou com a maneira como o macho cantava para sua companheira.
Mas um caçador flechou a ave que caiu morta no chão.
Valmiki, com o coração descompassado, amaldiçoou o caçador: "Não encontrarás descanso nos longos anos da Eternidade, porque mataste um pássaro apaixonado e insuspeitoso."
O caçador morreu em pouco tempo.
E depois Valmiki ficou pensando nas palavras e em como elas formavam um verso e, mais ainda, em como esse verso era musical. (notemos o poder da palavra e da música!)

Foi o primeiro poema, a primeira música da Terra!

Sendo assim, o Senhor Brama, Criador dos Mundos, apareceu a Valmiki e pediu que esse escrevesse a história de Rama, o Ramayana
E disse assim:

“Com que, então, ao pé de um rio, o primeiro verso do mundo nasceu da piedade, e o amor e a compaixão por uma minúscula avezinha fizeram de ti um poeta. Usa o teu descobrimento para contar a história de Rama, e teus versos derrotarão o Tempo. Enquanto estiveres compondo o teu poema, a vida de Rama te será revelada, e nenhuma palavra tua será inverídica.
O Senhor Brama voltou ao seu céu, muito acima dos céus mutaveis de Indra e dos deuses no carro tirado por cisnes brancos e gansos cor de neve. Valmiki sentava-se, todos os dias, voltado para o leste, numa esteira de capim. Segurava um pouco de água nas mãos unidas em concha e, olhando para dentro dela, via claramente Rama e Sita. Via-os moverem-se, ouvia-os falarem e rirem. Viu toda a vida de Rama acontecer dentro da água segurava o mundo passado no oco da mão; e, de parte em parte, fez Ramayana deleitoso ao ouvido, agradável à mente e uma verdadeira felicidade para o coração.” (Ramayana, versão de William Buck, p. 33, 34.)

tenhamos paz!

domingo, 14 de outubro de 2012

Homenagem ao Mestre



Foi o professor que mais me inspirou. Razão e Coração ao mesmo tempo. Um intelectual apaixonado. Apaixonante. Lemos "O Capital" de Marx, e decidimos que precisávamos mudar o mundo: o capitalismo não dá conta da inclusão social. A conta não fecha, é injusto. Aulas comoventes. Método pedagógico incrível: livro na mão, citações diretas do autor, exemplos da vida real, uma pergunta inicial difícil, e a resposta só vinha no final, fechando a aula. Disse que aprendeu isso com sua mestre na Inglaterra. Um orientador amigo, cheio de ternura e bons conselhos. Um pai. Ao fim do curso disse chorando para sua turma: "quero que você possam ir mais longe do que eu fui capaz de ir." Uma frase dele para reflexão: "o verdadeiro cientista é o que consegue explicar sua ciência ao leigo". José Ricardo Tauile. Parabéns e obrigado. Você está em mim, em cada aula que eu dou com paixão. Compaixão: estamos juntos, na mesma sintonia.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Prece - Bhakti Yoga - Hermógenes

Deus, ensina-me a renunciar a tudo que não pára de fluir, isto é, a tudo.
Ensina-me a não me apegar ao que penso que sou, ao que suponho ter, ao que imagino fazer.
Ensina-me a ver, em serena aceitação, a impermanência de tudo que a insensatez considera eterno.
Dá-me a bravura de rejeitar a atração de todos os engodos, a traição dos caminhos mais largos, a falácia das gratificações ao meu alcance, a fragilidade dos falsos poderes que posso conquistar, o apelo depravante da vida irresponsável.
Arma-me a resistência, para que eu possa guardar minha sede até chegar a "fonte viva" que és Tu.
Ajuda-me a suportar o cansaço, até que atinja o lugar de repouso: Tua casa.
Permite que eu vença as sombras enquanto, distante ainda, a caminho da Luz, a Luz que és.
Fala bem alto dizendo que és meu Pai, pois ainda a orfandade é fantasma que me assusta.
Pai, ensina-me a vencer a distância, a carência, a mutilação, a alienação, o esquecimento, todas as imperfeições, o embuste do ego, todos os limites, até que consiga Ser o que Eu Sou: Tu.

Prece do Professor Hermógenes, no livro "Yoga: caminho para Deus", p. 126.













"Ele me atrai como uma estrela e eu afundo na lama." 


do livro "Madalena: do amor sensual para o espiritual", de J. Herculano Pires.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O Poder da Assertividade

Cena 1 - Supermercado.
Uma cliente chega no caixa com um saco plástico contendo dois frangos.
A funcionária estranha que o saco está aberto, quando é o procedimento do funcionário que pesa dar um nó em todos os sacos que ele pesa.
Ela fala: "Um quilo e meio? Parece mais pesado."
A cliente responde, já ofendida: "Quer que pese de novo?"
A caixa responde: "Não. É que o saco está aberto. E eles mandam pesar de novo."
A cliente ainda ofendida: "Se quiser pode pesar". E completa: "está desconfiando de mim..."
"Não, não. Não estou desconfiando."
A cliente, tentando desfazer o mal estar, busca empatia: "Eu sei como é, já fui caixa, tem dias que só Jesus. Sobra tudo pra gente."
A caixa recebeu o dinheiro, deu o troco. A cliente saiu. A caixa ficou resmungando, algo da conduta deselegante da moça, seu jeito de falar, etc. Ou seja, estava desconfiando, mas mentiu.
O mal estar se propagou. O próximo cliente tentou dar lições, explicando como ela devia ter feito para evitar esse estresse. A outra cliente que vinha mais atrás também completou dizendo: "eu não me estresso". O homem ainda falou: "mentira, todo mundo nesse mundo se estressa". Ao que a outra já disse ofendida: "se você acha que eu estou mentindo..."
E assim, a segunda feira começou difícil para quatro pessoas que vão repassando esse estado de mau humor  e desequilíbrio para mais gente.
É a sociedade do estresse.
Fico me perguntando: como isso poderia ser evitado?
Jesus ensinou: "seja o seu falar sim, sim, não não."
Ele está falando da assertividade.
Quando algo precisa se dito, ou feito, e deixamos de lado, com medo de enfrentar o outro, acaba que geramos mais mal estar do que se tivéssemos feito o que deve ser feito.
Para muita gente, dizer "não" é mais difícil do que dizer "sim".
Mas ser bonzinho nunca é a solução.
Uma coisa é ter bondade. Outra é fica tentando evitar conflitos por meio de pequenas mentiras.

Como poderia ter feito de forma diferente?

Cena 2 - Agindo com assertividade

A caixa pega a compra, o saco aberto, com dois frangos. Antes de falar de sua desconfiança, antes de insinuar qualquer coisa; antes de se colocar num labirinto sem saída de emoções aflitivas, ela fala, olhando nos olhos, com educação e simpatia:
- Senhora, me desculpe. O saco está aberto. É a regra, aqui do supermercado onde trabalho, que a gente pese de novo e dê o nó no saco.
A moça pode até ficar com raiva.
Pega-se o saco e leva para pesar.
E ainda pode comentar se quiser:
- Isso é bom para o que o funcionário que pesa não se esqueça das próximas vezes. E, de novo, pode sorrir.

Resultado: o problema é estancado na raiz.
Não tem disse-me-disse. Não tem palavras ditas às escondidas. Ninguém mentiu. Não tem comentários pelas costas.
Assertividade trabalha junto com sinceridade e comunicação límpida, sem ofender a ninguém.

Mesmo no pior dos casos. Digamos que uma pessoa tem o hábito de roubar. Não é fazendo insinuações que vamos evitar que ela roube, nem corrigi-la desse defeito. Mas podemos, com assertividade, evocando uma regra maior (um procedimento do local de trabalho), evitar que ela roube, evitar que o supermercado ou um dos seus funcionários tenha prejuízo, evitar o mal estar. E todos saem felizes. Ou, ao menos, voltam a serenidade de forma mais rápida do que no caso em que vimos.
E todos seguem o ensinamento simples de Jesus.

Que todos tenham paz.
Que todos possam ser felizes e viver em harmonia.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Do poder e das regras

Ontem no Centro Espírita me debati com uma questão que há anos me traz reflexões.
É uma pergunta sobre poder, hierarquia e autoridade, especialmente no mundo espiritual.
Sempre pensei que no mundo superior, as pessoas sendo mais evoluídas, não se precisasse do uso de força, nem de regras disciplinares. Cada um perceberia com clareza o que é o bem, e o colocaria em prática, sem necessidade de coerção.
Bom, o fato é que da Terra até esse mundo superior dos meus sonhos deve existir uma escala imensa, e as combinações possíveis de liberdade e coerção devem seguir alguma lei geral. Essa lei é a da superioridade moral de cada um.
Na Terra há incongruência: Espíritos novatos ocupam posições de destaque e poder, Espíritos superiores ocupam posições subalternas. Tudo aqui é exercício, oportunidade de viver experiências diferentes de forma a aprender com elas. Por isso aqui é o lugar da contradição. E dialeticamente vamos evoluindo.
Foi então que ontem a noite retomamos essa discussão.

Eis a questão 274 de O Livro dos Espíritos:
Da existência de diferentes ordens de Espíritos, resulta para estes alguma hierarquia de poderes? Há entre eles subordinação e autoridade?
Muito grande. Os Espíritos têm uns sobre os outros a autoridade correspondente ao grau de superioridade que hajam alcançado, autoridade que eles exercem por um ascendente moral irresistível.

Fico feliz em saber que do lado de lá, as máscaras caem e cada um se revela como é de verdade.
E que há ordem nesse mundo, portanto, há justiça.
E que o amor-compassivo é uma força irresistível.

A pergunta que me coloco é: o que fazer na Terra para viver de forma mais próxima possível do Reino de Deus, do mundo ideal.

O anarquismo político contribui para a reflexão: quanto menos regras, mais as pessoas precisarão se educar, se transformar. E sonha com um mundo de pessoas moralmente superiores, sem imposição de regras. É o Reino de Deus, como defendeu Tolstoi.

O anarquismo liberal de mercado acredita que o mercado pode regular as ações, mas a pobreza que o capitalismo tem gerado nos leva a duvidar dessa aposta no auto-interesse.

O autoritarismo político, na sua obsessão pela ordem, leva ao desequilíbrio que conduz ao abuso de poder.

As democracias têm procurado um meio termo, ou seja, respeito as regras, contratos claros, mobilidade social, representação política, mas em sua combinação com o sistema de mercado ainda não conseguiu tratar as desigualdades de oportunidades.

Pensemos nas micro-organizações de nosso dia a dia. Como nos organizamos? Qual o lugar da nossa autoridade? Como criamos as regras em nossas pequenas organizações? Podemos fazer experimentos e permitir que o grupo vá criando suas próprias regras? Qual o peso da espontaneidade e da regra em nossa forma de organizar os grupos?

Hoje de manhã já fui obrigado a repensar a lição.
No café da manhã com moradores de rua, tínhamos cerca de 12 pessoas famintas que iriam dividir uma garrafa de café, uma de chá e outra de chocolate quente (a preferência nacional) além de alguns pães.
Após a prece inicial, comecei a distriuir os copos e pedi que as pessoas me ajudassem a servir as bebidas.
Só que alguns começaram a se servir, ao invés de servir os outros.
E alguns encheram o copo e não sobrou chocolate para todos.
Não conseguiram (ou não foram devidamente estimulados a) ter um comportamento altruísta.
No meio da história alguns começaram a resmungar: "povo enche o copo e não sobra para os outros"
Verdade.
Mas isso não muda nada. E quem tem moral para criticar o outro?

Pois é. Eu, no meu anarquismo romântico, acreditei que poderia haver uma organização justa ao chamar as pessoas a ajudar.
Quem reclamou não ajudou, quem pegou antes de todos ficou quieto, todos ficaram insatisfeitos e o café ficou amargo.
Tentei fazer uma reflexão pedagógica com eles:
"não posso reclamar se eu não tomei iniciativa de ajudar. Os políticos enriquecem e não podemos reclamar se não fazemos nada. Se nos julgamos justos, precisamos ocupar os espaços". Aqui eu me lembo da utopia de Sócrates (um justo não se deixa governar por um injusto)
Mas com os ânimos exaltados ninguém reflete. Vamos retomar a reflexão na próxima semana.
E buscar uma forma de organizar melhor. Usando as autoridades presentes.

ps.: saio de lá e vejo o Corpo de Bombeiros em forma, cantando o hino, cheio de rituais corporais e hasteando a bandeira. Será que tenho algo a aprender com eles? E será que precisa inventar tudo isso, hinos, nações, bandeiras para alçarmos a liberdade?

sábado, 25 de agosto de 2012

Infinito é Ser Humano




Hoje pela manhã, em nossa aula da Escola de Valores vivi um momento lindo que nos reforça a acreditar na singularidade humana, sempre rica de potenciais.
Praia do Flamengo, Rio de Janeiro. Ali, sob as arvores de um céu azul (foto), fazemos todos os sábados nosso encontro com crianças de 2 a 12 anos.
Minha turma é a dos mais velhos: de 10 a 12. Uma das meninas falta mais do que vai, é muito agressiva e tem dificuldade em se socializar. Talvez receba algum rótulo, nessa nossa atual moda "normalizadora" que confunde ciência com capacidade de dar nomes. Mas hoje ela nos surpreendeu.
Nossa aula era sobre a criação da vida humana. E escolhemos o belo e singelo livro "De onde vem os bebês", para iniciar nossa conversa. As crianças, cheias de conceitos errados, ainda não sabiam exatamente como se faz um bebê. E ali fomos percebendo a grandeza da fecundação, a importância da união, o amor.
Perguntei as crianças o nome de suas mães, e lembramos que um dos nossos meninos tinha perdido sua mãe há pouco tempo. Ainda machucado com a perda, tímido, lembramos que ela está viva do outro lado e que ele pode, se quiser, comunicar-se com ela.
Ao final da aula, depois de responder a todas as muitas perguntas, brincamos de pique-bandeira. Meninos contra meninas. A importância de vivenciar corporalmente, brincando, as diferenças dos sexos.
Após 7 partidas, nos reunimos para fazer a prece final.
Cada um foi falando algo com Jesus, à maneira infantil mesmo, bem espontânea.
E a minha "aluna-problema", disse ao menino recentemente órfão: "você poderia escrever para a sua mãe. Como num diário, você poderia escrever para ela, tenho certeza de que ela iria ler, já que ela está desencarnada."
Lindo, não?
Pois é.
Ao chegar em casa comecei a ver a vida de Joana d'Arc em filme (o clássico com Ingrid Bergman), e vi as pessoas zombando da jovem "louca" que ouvia vozes pedindo para ela salvar a França e expulsar os ingleses (guerra dos 100 anos).
E me emocionei em sentir como é bom que haja essas pessoas ditas diferentes (com rótulos acadêmicos ou não).
É dessas pessoas diferentes que surgem as ideias mais ricas de sensibilidade.
Eu amo ser professor.
Eu adoro as crianças e os jovens.
Eu amo poder ver um ser humano em sua singularidade e deixar que suas ideias floresçam.
Eu amo poder acreditar na riqueza do potencial de cada um.

sejam felizes!

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Sheilla, Craque do Vôlei, uma lição aos Políticos



Sou um apaixonado por Vôlei e por Eleições. Como professor, minha missão é fazer as pessoas pensarem. Como professor de filosofia então, tenho a quase impossível tarefa de fazer pensar o que ainda não foi pensado. Então vou retirar do meu coração apaixonado, tocado por aquilo que me leva às lágrimas, sementes para uma pequena reflexão, na esperança de que os meus leitores possam questionar algumas certezas estabelecidas no cotidiano dito “normal” da vida.
Nessas Olimpíadas, fui impactado pelo time brasileiro de vôlei de quadra feminino, especialmente pela presença em quadra de Sheilla Castro. Desde o primeiro jogo, percebo nesta atacante um equilíbrio impressionante de competência técnica e serenidade emocional, uma lição de auto-confiança, garra, calma, espírito competitivo, inspiração... tudo isso misturado a um sorriso sereno, uma alegria simples de jogar e lutar pela vitória.
A memorável vitória de virada sobre a Rússia nas quartas-de-final, nos impactou a todos profundamente. O time perdendo no tie break, faltando um ponto para as russas vencerem, Sheilla se vira para a levantadora e pede a bola. Depois, durante o pedido de tempo do técnico, ela insiste para a levantadora jogar a bola para ela. E assim, ponto a ponto, Sheilla foi virando as bolas. Ataque do fundo (atrás da linha de 3 metros), ataque da rede, indo para o saque e se tornando o nome do jogo. Foram 6 match points defendidos pelo Brasil. E então conseguimos empatar e depois virar. Resultado final: Brasil 21 a 19 no quinto set, 3 a 2 sobre a Rússia que voltou para casa sem chance de medalhas.
Sheilla Castro se torna herói e referência: implacável, vira todas as bolas, cortadas indefensáveis. Prova de uma competência técnica extraordinária, mas mais do que isso, chamou o jogo para si, pediu as bolas, demonstrando entusiasmo e coragem, com raro equilíbrio emocional. Se a gente se colocasse no lugar dela iria rezar para a levantadora não levantar para a gente, para não ter o peso de estar com o jogo na mão. Sheilla faz o contrário: bota pra mim! Isso é liderança. Deve ser muito bom, para nós, mais fracos e medrosos, estar ao lado dela em quadra: ela dá conta. Isso é a verdadeira liderança. É bom estar ao lado de um líder verdadeiro. Deve ser horrível para o adversário enfrentá-la. Sheilla é um craque (craque é substantivo masculino, mas eu nunca vi outro atleta, homem ou mulher, assim). Estou profundamente impactado pelo que vejo nessa esportista.
Após o jogo, voltando pra casa, olho para as ruas de nossa cidade e vejo as placas dos políticos. É ano eleitoral. Disputa para prefeito e vereadores. Disputa para os cargos daqueles que se propõem a ser nossos líderes na vida pública. A cada 10 metros placas amontoadas, algumas estão acompanhadas de pessoas que passam o dia ali, debaixo de sol, as vezes à sombra da própria placa. Um amontoado de pessoas pobres, ganhando uns trocados por um trabalho pouco útil socialmente, sem nenhum sentido de vida, sem nenhum idealismo, sem nenhum motivo que desperte a garra interior que não seja mitigar a pobreza, sua e da propria família. Junto a essas, outras placas e cavaletes, pior ainda, sem ninguém por perto, o que configura crime eleitoral, infração ao código eleitoral. Uma quebra da regra do jogo. Seus materiais ilegais deveriam ser recolhidos e os candidatos, multados.
E assim, políticos vão fazendo seu jogo, sem respeito às regras, sem vitalidade real, sem sonhos reais, do jeito que aprenderam com seus antecessores. Tudo isso acontece e a Guarda Municipal não faz nada, a Polícia Militar não aparece, a Polícia Civil silencia, a Polícia Federal se aquieta e a Força Nacional continua cercando as favelas dos pobres. Se o pobre tem suas mercadorias e seus corpos apreendidos, porque os políticos fazem o que querem e ninguém faz nada?
O vôlei é inspirador por natureza. É uma partida que não dá para trapacear. Não dá para botar o pé na frente do outro e fingir que não foi nada. No vôlei não dá para forçar uma falta, ou cavar um pênalti. Se em outros esportes há espaço para uma certa malícia, uma boa malandragem,  no vôlei você não pode deixar a bola cair e tem que tentar fazer ela cair na quadra adversária. É você contra você mesmo, no limite de suas habilidades, capacidade física, harmonia de trabalho em equipe. A política tem muito a aprender com o Vôlei e o Tribunal Eleitoral poderia funcionar como juiz. É para isso que ele foi pensado. Pessoas honestas não seriam perseguidas, nem ameaçadas. Cada um disputaria o convencimento e a sedução dos eleitores de forma limpa. Dentro das regras, inclusive com fair play e elegância como quando Sheilla admitiu para o árbitro ter tocado na rede. Um dia isso pode funcionar. E as estrelas, como Sheilla, que brilham na quadra e nos esportes, poderão brilhar no campo político também. Porque brilhar é do humano, quando ele dá o melhor de si, no lugar certo.
Se o humano pode brilhar nas Olimpíadas também pode brilhar na política. Então cabem algumas perguntas: o que querem esses políticos? Por que resolveram entrar para a competição eleitoral? Em que, de fato, acreditam? O que, para eles, é ser campeão? Será simplesmente chegar a um dos postos de trabalho onde o salário é mais alto, podendo trazer consigo outras pessoas para ganhar salários altos através das assessorias? É disputa pelo poder para fazer o quê?
Crime eleitoral. É onde tudo começa a desandar. No Brasil a história política, a história da competição eleitoral é acompanhada por fraudes, armações, assassinatos. Os coronéis e seus jagunços. O vale tudo. As armações. O mandonismo: aqui mando eu, mando na polícia, mando na igreja, mando no comércio, mando no juiz. Estudando nosso passado político, Victor Nunes Leal deu a isso o nome de Coronelismo. O sistema coronelista se alimentava da pobreza e tinha, numa ponta, o pobre que dependia dos pequenos presentes e favores do coronel (que se tornava para ele um homem muito bondoso: temível, mas bondoso), e na outra ponta, os amigos do coronel, doutores advogados e médicos, a entrar para as casas legislativas com o voto de cabresto dessa população miserável e analfabeta. Em resumo: a opulência dos poderosos se alimenta da carência dos pobres e, por isso, tudo tende a continuar como está.
O que um craque do vôlei pode ensinar? que valores ela inspira? que atitude de verdadeiros líderes podemos copiar da aura que irradia de Sheilla em suas cortadas geniais?
A primeira e mais universal de nossas conclusões é: as pessoas devem buscar se envolver em atividades que despertem a sua garra de vencer, de se superar, de ir além de si mesmos. Quando Sheilla sobe aos 3 metros de altura para fazer um ataque e colocar a bola no chão do adversário, ali ela é mais do que ela mesma. Ela ultrapassa a si mesma nessa arte em que ela se esmera. Então esse é o primeiro ponto. Como humanos, devemos nos exercitar em algo onde possamos desenvolver nosso talento e nos superar. Conheço políticos excelentes, que buscam ser éticos, que buscam representar as bases populares, que tem humildade e espírito de serviço. E caminham buscando se aperfeiçoar nessa arte de servir. As metas da vida, como da profissão, tem que vir do coração. Brigar por mais poder, por salários, pelo fatiamento das áreas de governo, é a política como fim em si mesmo. Os políticos sem vocação para servir deveriam trocar de atividade, em nome de sua própria felicidade e realização humana; como aqueles que abandonam um esporte quando percebem que não levam jeito. Sinceramente aconselho que procurem outra coisa a fazer, uma atividade em que possam se dedicar, para que brilhe a sua luz, e não se alimentem de sombras: as sombras da pobreza, da corrupção.
O segundo elemento que Sheilla nos inspira é que a briga deve acontecer dentro das regras do jogo. Quem fere as regras é porque já não acredita em si mesmo. Quem não consegue ganhar dentro das regras é porque não tem valor, já começa derrotado. O esporte é uma guerra. Não é moleza. As pessoas dão o máximo de si, dentro das regras. E é só porque tem regras que as pessoas dão o seu máximo. O contrário é o clássico Dick Vigarista da corrida maluca, personagem do desenho animado que Sheilla provavelmente assistia na infância torcendo por Penélope Charmosa. Quanta energia Dick Vigarista gastava para trapacear? Podia usar para vencer. Na política corrompida, as pessoas não dão o seu máximo porque creem poder burlar as regras, como no uso do dopping. E se fazem medíocres, e sustentam uma sociedade medíocre, dopada.
O terceiro elemento é o da liderança. Sheilla chamou para si a responsabilidade. E que lição de coragem! Em tempos em que os políticos se habituam a impunidade, responsabilidade é uma palavra rara em suas práticas. São os laranjas, os bodes expiatórios, as mentiras que contam nas CPIs, os acordos por debaixo dos panos. O verdadeiro líder não se esconde, nem se crê infalível. É humilde, pois sabe que pode errar (e falar “foi mal”, “erro meu”, para as companheiras), assume a responsabilidade, acredita verdadeiramente nas metas da equipe e se deixa tomar da inspiração-intuição-fé nos momentos onde só a força sobre-humana pode atuar através de si.
Vejam como o esporte pode ser inspirador de valores humanos, mostrando os potenciais e as metas que os humanos podem almejar em si mesmos... Acredito num mundo melhor. Um mundo feito de pessoas que dão o seu máximo e vão além. Um mundo feito de pessoas melhores. E cada vez que eu vejo um gênio, em qualquer área da vida, ou seja, uma pessoa dando o seu melhor no lugar onde tem talento, fico sonhando com uma organização melhor dos nossos talentos na sociedade.
Desejo uma boa partida para todos nós.
Sheilla, parabéns e obrigado! Que vocês tragam o ouro merecido!
E que os maus políticos abandonem o ouro não merecido.
Sejam todos felizes! 

domingo, 5 de agosto de 2012

Eleição no Rio, novo coronelismo?

 
Guarda Municipal acoberta e compactua com crime eleitoral

Na manhã desse sábado, na rua do Catete, guardas municipais colocam no lugar um cavalete de campanha de uma candidata a vereadora. O problema? O cavalete estava desacompanhado. O que configura crime eleitoral. O TRE já foi acionado através do disk-denúncia eleitoral (3359-2570) porque essas placas desacompanhadas, dessa e de outros candidatos estão por toda a rua do Catete e pela praia do Flamengo. Vamos ver se a lei é cumprida. E esperamos que a guarda municipal ajude no combate ao crime, ou ao menos, não participe dele.
 
A imagem é simbólica demais. A 100 metros do Palácio da antiga capital da Rebública. Os coroneis e seus capangas estão aqui. Precisamos de um Choque de Ordem Eleitoral!

domingo, 22 de julho de 2012

Libertar-se do sofrimento

Eis aqui uma citação da tradição budista que nos faz lembrar que é preciso mudar o fundo de nós mesmos para sairmos do sofrimento.
As mudanças superficiais podem até acalmar a mente por um tempo, trazer uma atmosfera de paz temporária, mas enquanto o condicionamento mental permanecer nos apegos e aversões, o sofrimento estará lá, alimentando nossas ações "inconscientemente" ou prestes a explodir.

Diz o Buda:
"Se as raízes permanecerem intocadas e firmes no solo,
uma árvore tombada ainda lança novos brotos.
Se o hábito subjacente da avidez e da aversão não for erradicado,
o sofrimento volta a surgir vezes sem conta."

Dhammapada XXIV.5
citado no livro Meditação Vipassana: a arte de viver segundo S.N. Goenka

E uma outra que nos incentiva a tirarmos um dia de mediação, buscando vivenciar a equanimidade por alguns momentos que sejam:
"Se um homem vive cem anos, sem perceber a mais alta lei, uma vida de um dia é melhor, se o homem percebe a mais alta lei."

foto de um curso de meditação Vipassana.

sábado, 16 de junho de 2012

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O mosquito, eu e a Natureza

Hoje vivi uma experiência de muita emoção.
Almoço. Segurando o pote com a mão esquerda e a colher com a direita.
Sentado ali atrás do prédio, buscava a sombra e o refúgio da natureza.
Árvores, plantas, e eu ali, sentado, buscando comer em silêncio, observando minha respiração.
Um aprendizado de paz.
Um mosquito se aproximou.
Num primeiro momento espantei-o com a mão afastando-o para longe.
Me arrependi. "Pobre mosquito, o que ele fez de mal, ele está no ambiente dele. Mesmo não matando, o movimento brusco contra ele é uma forma de agressão".
Depois pensei: "mas e se se ele me picar?"
Imediatamente respondi: "qual o problema? um pouco de sangue não me fará falta".
Continuei comendo, em busca de paz.
De repente uma picada. A pontada dolorosa na mão.
Olhei e ali estava. O mosquito com a agulha fincada em minha pele.
Não era da dengue. Tranquilo.
A dor passou. Fiquei admirando.
Pensei no amor. Dediquei amor a ele. "Que ele almoce meu sangue e receba amor junto com esse alimento".
Olhei pro meu almoço e agradeci a todos os vegetais que ali estavam me alimentando: arroz, lentilhas, vagem, cenoura.
E vi o mosquito e me senti um simples elo da Natureza.
Admirei mais profundamente o mosquito que continuava a sugar.
E a barriguinha dele foi ficando vermelha.
Ó meu Deus, a barriguinha dele...
Foi a primeira vez que notei isso.
A barriguinha cheia do meu sangue. Cada vez mais vermelhinha.
Chorei.
Chorei tocado pelo amor.
E ali chorei por ser parte deste todo.

Ele voou.
Estava satisfeito.
"Deve ir agora descansar", pensei. "Vai tirar uma soneca de barriga cheia"
Fiquei feliz de poder alimentá-lo.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Espiritualidade com Marcelo Freixo

Você pode participar deste movimento?

Ele é o símbolo de que há esperanças para nossa cidade.

Há esperanças para a política.

Há esperanças para o Brasil e o Mundo.

Pra nós, de todas as religiões, Marcelo Freixo encarna as virtudes que acreditamos essenciais na política: honestidade, ética, transparência e, sobretudo, coragem para enfrentar o que não está certo.

Martin Luther King Jr. dizia: "o que me perturba não é o grito dos maus, é o silêncio dos bons".
Cremos que Marcelo Freixo está rompendo esse silêncio.

Na entrevista ao programa Roda Viva, podemos ver isso.
http://www.youtube.com/watch?v=2eL6zAz_LaQ
Você tem tempo de assistir? (dura 1h e 30 min)

Vamos fazer uma corrente de oração pela vida de Marcelo Freixo em todos os sentidos, pessoal, familiar e político. Queremos que ele seja protegido e inspirado, durante a campanha para prefeito, a trilhar esse caminho profético.

Como dizia o profeta Isaías (10:1-2): "Ai dos que decretam leis injustas, e dos escrivães que prescrevem opressão. Para desviarem os pobres do seu direito, e para arrebatarem o direito dos aflitos do meu povo".

Todos os dias, dedique uma oração / meditação em benefício dele.

Cremos numa aliança bonita e consciente, comprometida e pacífica entre espiritualidade e política.

Mahatma Gandhi mostrou isso:


“Minha devoção à verdade empurrou-me para a política; e posso dizer, sem a mínima hesitação, e também com toda a humildade que não entendem nada de religião aqueles que afirmam que ela nada tem a ver com a política.”  
 
Sejamos éticos, sejamos bons. E possamos a cada dia ir fazendo a diferença ao nosso redor.

Paz! Paz! Paz!

terça-feira, 15 de maio de 2012

Movimento Ecumênico de oração em favor de Marcelo Freixo

Queridos companheiros,
Quero fazer um pedido a vocês, meus amigos de todas as religiões.
Que façam parte desse projeto de apoiar espiritualmente a candidatura de Marcelo Freixo a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
O Rio de Janeiro merece e precisa desse nosso movimento.
Durante algum tempo de minha vida me afastei dos assuntos relacionados diretamente a esfera política. Me dediquei ao mundo acadêmico, hoje sou professor e também tenho investido minhas energias na militância religiosa e no trabalho com as pessoas que vivem nas ruas.
Mas ao ter um breve contato pessoal com Marcelo Freixo e depois de conhecer um pouco mais sua história, seu trabalho como professor nos presídios e sua luta na política, decidi que preciso fazer algo para ajudá-lo.
Não é por ter me afastado da política que me tornarei indiferente.
Quando surgem políticos que parecem encarnar as virtudes de um bom político, sinto que é meu dever fazer de tudo para apoiá-lo no desempenho dessa arriscada missão: estar no poder sem se corromper.
Sinto isso no olhar e nas palavras de Marcelo Freixo. Sei que ele é humano e terá suas falhas, ao mesmo tempo é alguém que leva a sério seus princípios, seu trabalho e os sonhos de um mundo melhor. E a vida foi levando nosso irmão ao lugar onde está hoje: deputado estadual e pré-candidato a prefeitura do Rio.
Quando soube de sua coragem enfrentando as milícias através da CPI, quando soube das ameaças de morte, fiquei com vergonha de mim mesmo. Por que não estou fazendo nada? Por que não estou ao lado dele nessa luta?
Então agora estamos no caminho das eleições.
Muitas adversidades sempre surgem. Muitas intrigas surgirão. Mais enfrentamento, mais polêmicas e talvez mais ameaças.
E independente dos resultados eleitorais, essa candidatura será importante para o Rio de Janeiro pelo arejamento do debate, pelas novas questões que ele traz. E a seriedade e o compromisso ético que Marcelo Freixo vem demonstrando o coloca como representante de todas as aspirações daqueles que buscam na religiosidade uma fonte de orientação ética e um espaço de trabalho no bem.
Nessa última entrevista ao Roda Viva, o quadro que ele descreveu do Rio de Janeiro, cidade onde amo morar, me pareceu bem convincente. E me sinto mais uma vez sem forças para enfrentar o crescimento de um poder mafioso tão enraizado em nossa cultura. O coronelismo do passado parece ressurgir se alimentando de novas pobrezas.
Então pensei em fazermos algo. Qual o jeito de unir nossas forças? Quais possibilidades de ações cabe a nós pessoas de diferentes religiões?
Pensei em começarmos do mais simples.
Daquilo capaz de nos unir numa ação comum.
Aquilo que fazemos de melhor, e que representa o nosso diferencial com relação aos militantes sem uma prática espiritual: a oração.
Então para começar nossa ação conjunta, nesse ato ecumênico em favor da candidatura do Marcelo Freixo, vamos começar a fazer uma corrente de oração em benefício de nosso irmão. Que essas orações possam chegar até ele nos mais diferentes sentidos: saúde, família, as pessoas que o envolvem  e, claro, seu projeto para o Rio de Janeiro.
Creio assim estar dando um passo para a dignificação da relação entre religião e política, também há certo tempo degradada. E não há religiosidade autêntica que possa se divorciar da política, já que toda conexão com o transcendente nos leva a um acréscimo de sentimento de amor, compaixão, solidariedade, vontade de que todos os seres a nossa volta sejam felizes, vivam em paz e harmonia.
Sei também que política costuma dividir as pessoas e o objetivo da religião é unir. Daí que em muitos grupos religiosos seja conveniente silenciar sobre política. Mas creio que o caso de Marcelo Freixo possa ser visto como um caso especial. E precisamos de muito equilíbrio e tato para seguir adiante nessa junção.
Sei que outras ações podem surgir também. Mas a oração deve ser a primeira, a fundante. Dela não podemos nos separar. As outras ações, se forem boas, surgirão através da inspiração que o espírito de oração nos trouxer.
Não queremos o mal a ninguém. Queremos simplesmente apoiar e fortalecer alguém que se dispõe a ajudar.
Sendo assim, o combinado é esse: cada um de nós irá inserir Marcelo Freixo em suas orações diárias. E pode também colocar seu nome nas instituições e nos grupos de oração que frequenta.
Teremos o horário das 18hs como horário preferencial para uma mentalização em seu benefício.
Tenho certeza de que todos nos beneficiaremos porque estaremos regando as sementes da esperança em cada um de nós.
Isso inclui não só o Rio, mas todo o Brasil pode nos ajudar. Ou ainda melhor, essa corrente pode envolver pessoas do mundo todo.
Peço, por fim, que divulguem esse movimento, repassando esse email e mantendo a prática diária de orar por ele, além de buscar uma atitude de coerência ética, para que nossa oração ganhe ainda mais força: sendo hoje o que desejamos para o mundo amanhã. A revolução começa dentro de nós.
Paz, paz, paz!
André Andrade Pereira – aapahimsa@yahoo.com.br
Economista (UFRJ), mestre em Ciência Política (IUPERJ), doutor em Ciência da Religião (UFJF), atualmente Professor Adjunto da UFF, membro da Casa de Emmanuel, militante do diálogo inter-religioso, um eterno aprendiz da ciência da Vida.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Não é normal morar na rua?

Queridos amigos,
eis um link da reportagem que fizeram sobre Renato Rocha.
Nosso companheiro esteve algumas vezes entre nós, no café de segunda.
Ali, ao contrário da Record, respeitamos seu tempo, demos o violão na mão dele. Ele não tocou, ficou olhando, fez diversos comentários sobre a marca, sobre as cordas, etc. E o deixamos onde ele estava. Nossa metodologia é: só podemos ajudar quando há uma demanda. Oferecemos o alimento, o olhar, o toque, a amizade, o papo, o violão. Mas não podemos entrar e mudar a vida de ninguém. As pessoas são livres.
Ao ver a reportagem senti muitas emoções diferentes.
Mas fico com uma reflexão que gostaria de compartilhar.
Gostaria de ver isso escrito por um psicólogo, alguem que estudou melhor a mente humana.
Mas do pouco que li e vivencio nesse assunto, faço umas perguntas:
O que é ser normal?
O que a sociedade espera do comportamento humano como algo normal?
O que significa morar na rua?
Nesses anos de contato com a população de rua posso dizer que a grande maioria passou por traumas, crises financeiras, familiares e psicológicas que as conduziram a esse destino.
É leviano dizer que as pessoas moram na rua por opção.
Temos uma responsabilidade social por esse contingente imenso de pessoas que, se pudessem, escolheriam outra situação para viver.
Por isso precisamos rever as nossas perspectivas de inclusão: moradia, educação, saúde, transporte (estamos no terreno das escolhas coletivas, ou mais tecnicamente falando, das políticas públicas)
É preciso, como sociedade, oferecer oportunidades.
E elas não existem. O que há, é muito ruim. Os abrigos são hiper-lotados, o tratamento é pouco digno. E a solução da questão tem no abrigo só o começo. é preciso muito mais.
Mas todos os dias escolhemos manter as pessoas revirando e comendo comida do lixo.
"Esse é o nosso mundo..."
Olhando a reportagem com sensibilidade começamos a perceber que estamos longe de compreender o problema.
A estética da reportagem, o tom da reporter, toda essa estratégia de lucrar com o sofrimento do nosso companheiro mostra que estamos longe de compreender as pessoas, a dinâmica do psiquismo humano.
Ela ficou o tempo todo forçando situações esperando que saissem lágrimas dos olhos do seu entrevistado. É isso que esses programas fazem. Esses entrevistadores que se aproximam num dia, tentam explorar a dor da pessoa, para que o público chore junto, sofra com o "coitadinho" que está sofrendo, a emoção do reencontro. E tentam um final feliz, para dizer: olha como a nossa equipe fez o bem...
Mas o fato desmente a teoria.
O que se esperava do "comportamento normal" não foi encontrado em nenhum momento durante a reportagem.
A fala, o pensamento do Renato é absolutamente fragmentado. Sua mente tem uma dinâmica própria, assim como suas emoções. É claro que ele se emociona e pensa, mas faz isso de um jeito que a "normalidade social" não compreende. Suas frases são curtas, opera por imagens, ideias soltas, conversar com ele é uma viagem, ele vai de um assunto a outro e assim por diante. Se vocês repararem, a TV não mostra ele falando por muito tempo. Só pega umas falas soltas, porque é assim que ele conversa. Mas isso não é entendido como adequado para a TV. Então a TV falou por ele e o usou, como sempre faz. E o mundo continua sem chance de compreendê-lo como ele é.
Foi tempo em que os diferentes eram trancados nos hospícios, "para o bem deles".
Foi-se o tempo da camisa de força.
Hoje ele pode decidir.
Que irônico ver o Renato dizendo que queria ir embora, contrariando todo o tom da reportagem e das nossas emoções que iam sendo conduzidas pela força poderosa da mídia.
Ele prefere ficar na rua, no momento.
A ordem, para Renato, é outra.
O normal não existe.
Ele desmente o nosso paradigma do que é normal.
Por que morar na rua é contra a ordem? Por que é contra as normas sociais? Será que os políticos que inventaram o choque de ordem já se perguntaram isso?
Se você for a Índia, verá pessoas que fizeram a opção pela pobreza, pela rua, numa caminhada de libertação de um mundo ordinário, tão ordenado quanto bárbaro. Um elefante andando pela rua não seria estranho lá (ouvi essa reflexão de Jorge Munoz, um senhor que tem anos de trabalho com população de rua)
É falsa a nossa ilusão de civilização, de ordem, de normalidade.
Foi contra isso que o Legião Urbana cantou em tantas canções: é tudo isso em vão.
E é isso que denunciam todos os artistas, poetas, profetas e loucos de todos os tempos.
A normalidade do mundo é uma falsidade.
Pobre reportagem que não entende nada. Se confundiu e confundiu tudo, invertendo o sentido da poesia.
E pobres de nós que não sabemos incluir.
Continuamos no paradigma da normalidade, nós, normóticos, na tentativa desesperada de dar sentido a um mundo que não tem um sentido dogmático como querem os totalitaristas de todo espectro político.
Vivam os poetas, loucos, profetas, artistas de todos os tempos.
Não são eles que precisam de tratamento. Nem de cruzes, venenos ou fogueiras.
Precisamos de um mundo novo.
paz, paz, paz!

domingo, 11 de março de 2012

Entrevista sobre os livros


Que boa conversa com o Jailton no espiritismo.net!!

Para ouvir, clique aqui:
Entrevista

"O escritor fala sobre os livros de sua autoria, lançados recentemente pela Editora Comenius: Espiritismo e Religiões: por uma teologia pluralista, Espiritismo e Budismo: por um diálogo entre Ocidente e Oriente e Espiritismo e Globalização: por uma civilização do amor.
As obras fazem parte da tese de doutorado defendida pelo autor na área de Ciências da Religião, na Universidade Federal de Juiz de Fora, e formam essa excelente trilogia, com o apoio do Instituto de Cultura Espírita do Brasil. São temas atuais, tratados de maneira límpida, profunda e poética.
Os livros podem ser encomendados no seguinte endereço: www.editoracomenius.com.br.
Na entrevista, André Andrade Pereira fala de um curso de meditação que fez, onde aprendeu uma técnica ensinada por Buda. Informações sobre o curso podem ser obtidas em www.dhamma.org.
José Antonio M. Pereira colaborou com perguntas endereçadas ao entrevistado."