sábado, 21 de março de 2020

O último


Sempre achei que os cenários apocalípticos eram necessariamente tristes.
Hoje tive a convicção de que o último da espécie pode passar serenamente seus últimos dias, com a alegria de ver o cenário maior da vida cumprindo seu curso.

* * *


É tempo de milagres. Hj vi dois animais aparentemente mortos. Mexi neles. Eles vivem! O animal está vivo!

Aprendizados da paternidade - parte 2



Minha filha me bateu. O que eu faço?

Passo 1. Observo os sentimentos. Estou furioso de raiva.
Passo 2.
Olho mais profundamente e percebo a presença de um pensamento tabu na sociedade. Filhos não podem jamais bater nos pais.
Mas eu fico furioso e por um  triz não bato de volta.
Passo 3. E grito: não bate em mim! Por vezes seguro as mãos dela.
A pequenina certamente não digere bem a reação exagerada do pai. Até que entenda o que é tabu. Até que internalize uma regra. Isso vai levar tempo.
Continuo pesquisando em outras situações.
Momentos que estou mais relaxado. Vou conversando com menos reatividade. Não. Não bate em mim. Sou seu pai etc etc.
Mas ainda fico achando que tabus são pesados mesmo que num tom calmo. Pq estou reproduzindo tabus?
Entendam, caros leitores, não quero dizer que a partir de agora está liberado filhos baterem em pais, netos baterem em avós. Não. Não é isso. Mas educar transmitindo tabus, proibições inconscientes não me parece algo saudável, nem natural.
Me lembro das frases que sempre ouvi adultos dizerem:
Você precisa me respeitar! Eu exijo respeito!
Sempre essas frases me soaram como vindas de um desequilíbrio interior. Fico com a sensação de que na verdade respeito não se exige, se conquista.
O enigma continua. Como agir diante dos filhos que testam a autoridade, ou que simplesmente explodem de raiva e indignação diante do mais próximos de seu afeto?
Foram meses pesquisando minhas emoções.
Aos poucos fomos nos entrosando, minha filha e eu, no campo de nossa própria interação. Ela quando vinha bater já vinha consciente de que não poderia chegar às vias de fato e eu já ia mais consciente da lenta iniciação de minha filha na arte do autocontrole e da minha própria mudança de padrão emocional.
Mas ontem minha pesquisa chegou a um ponto muito interessante.
Vi uma amiga na interação com seu filho. E vi a situação e a forma como minha amiga agiu.
Ele veio cheio de sofrimento precisando de apoio e acabou que bateu nela. Primeiro percebi que ela manteve a calma - Ponto 1.
Depois ela disse: não vai adiantar bater em mim, filho. Ela o acolheu dentro de sua aflição diante de uma frustração - Ponto 2.
E por fim, quem saberá se foi só porque eu estivesse nessa pesquisa e a Vida achou que estava na hora de me dar a resposta a minhas indagações, ela disse pra ele: eu não quero que você bata em mim.
Eureka!
Eu não quero que você bata em mim.
Perfeito!
Ao dizer isso estou expressando o meu desejo, minha vontade.
Não estou dando ordens. Não estou ditando regras universais antecipando moralismos castradores.
Aqui sim: as individualidades foram respeitadas. Qual a sua vontade? Qual a minha vontade? O limite não é uma regra universal. O limite não é um tabu. O limite emerge como um respeito a força interior de outro ser em seu legítimo desejo sobre o que quer ou não quer em seu corpo. Uma vontade expressa por uma pessoa autoconsciente.
Assim, caros leitores que chegaram até aqui, fiquei animado a escrever esse texto para contar da conclusão da pesquisa.
Mas chamo atenção para um perigo. Se vc achar que essa frase: não quero que vc bata em mim, pode ser usada como a resposta pronta para essas situações, não vai dar certo.
O que se passa dentro de você? Quais emoções? Essa calma interior de um adulto diante de uma criança é uma conquista de profundidade. Senão eu ponho a capa da frase certa sobre o vulcão fervente das emoções feridas. Não adianta. A criança percebe que a frase virou um chavão. Temos visto isso no contexto da educação viva. A emoção é 90%. A consciência interior é 90%. A frase boa, do tipo, não fazemos comparações, ou, vc quer ir pra casa, não conseguem esconder a verdadeira tradução do sentimento por trás delas: não faz isso, isso é feio, vou te colocar de castigo. Que é muitas vezes o nosso verdadeiro primeiro impulso reativo antes de compreender os sentimentos que as crianças querem expressar e não estão sabendo como.
Então a conclusão da pesquisa é uma pesquisa que se conclui para recomeçar. De novo e de novo. E pesquisa cada um tem que fazer a sua.
Desejo um lindo caminho, com suas luzes e sombras, para todos nós.