quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Do poder e das regras

Ontem no Centro Espírita me debati com uma questão que há anos me traz reflexões.
É uma pergunta sobre poder, hierarquia e autoridade, especialmente no mundo espiritual.
Sempre pensei que no mundo superior, as pessoas sendo mais evoluídas, não se precisasse do uso de força, nem de regras disciplinares. Cada um perceberia com clareza o que é o bem, e o colocaria em prática, sem necessidade de coerção.
Bom, o fato é que da Terra até esse mundo superior dos meus sonhos deve existir uma escala imensa, e as combinações possíveis de liberdade e coerção devem seguir alguma lei geral. Essa lei é a da superioridade moral de cada um.
Na Terra há incongruência: Espíritos novatos ocupam posições de destaque e poder, Espíritos superiores ocupam posições subalternas. Tudo aqui é exercício, oportunidade de viver experiências diferentes de forma a aprender com elas. Por isso aqui é o lugar da contradição. E dialeticamente vamos evoluindo.
Foi então que ontem a noite retomamos essa discussão.

Eis a questão 274 de O Livro dos Espíritos:
Da existência de diferentes ordens de Espíritos, resulta para estes alguma hierarquia de poderes? Há entre eles subordinação e autoridade?
Muito grande. Os Espíritos têm uns sobre os outros a autoridade correspondente ao grau de superioridade que hajam alcançado, autoridade que eles exercem por um ascendente moral irresistível.

Fico feliz em saber que do lado de lá, as máscaras caem e cada um se revela como é de verdade.
E que há ordem nesse mundo, portanto, há justiça.
E que o amor-compassivo é uma força irresistível.

A pergunta que me coloco é: o que fazer na Terra para viver de forma mais próxima possível do Reino de Deus, do mundo ideal.

O anarquismo político contribui para a reflexão: quanto menos regras, mais as pessoas precisarão se educar, se transformar. E sonha com um mundo de pessoas moralmente superiores, sem imposição de regras. É o Reino de Deus, como defendeu Tolstoi.

O anarquismo liberal de mercado acredita que o mercado pode regular as ações, mas a pobreza que o capitalismo tem gerado nos leva a duvidar dessa aposta no auto-interesse.

O autoritarismo político, na sua obsessão pela ordem, leva ao desequilíbrio que conduz ao abuso de poder.

As democracias têm procurado um meio termo, ou seja, respeito as regras, contratos claros, mobilidade social, representação política, mas em sua combinação com o sistema de mercado ainda não conseguiu tratar as desigualdades de oportunidades.

Pensemos nas micro-organizações de nosso dia a dia. Como nos organizamos? Qual o lugar da nossa autoridade? Como criamos as regras em nossas pequenas organizações? Podemos fazer experimentos e permitir que o grupo vá criando suas próprias regras? Qual o peso da espontaneidade e da regra em nossa forma de organizar os grupos?

Hoje de manhã já fui obrigado a repensar a lição.
No café da manhã com moradores de rua, tínhamos cerca de 12 pessoas famintas que iriam dividir uma garrafa de café, uma de chá e outra de chocolate quente (a preferência nacional) além de alguns pães.
Após a prece inicial, comecei a distriuir os copos e pedi que as pessoas me ajudassem a servir as bebidas.
Só que alguns começaram a se servir, ao invés de servir os outros.
E alguns encheram o copo e não sobrou chocolate para todos.
Não conseguiram (ou não foram devidamente estimulados a) ter um comportamento altruísta.
No meio da história alguns começaram a resmungar: "povo enche o copo e não sobra para os outros"
Verdade.
Mas isso não muda nada. E quem tem moral para criticar o outro?

Pois é. Eu, no meu anarquismo romântico, acreditei que poderia haver uma organização justa ao chamar as pessoas a ajudar.
Quem reclamou não ajudou, quem pegou antes de todos ficou quieto, todos ficaram insatisfeitos e o café ficou amargo.
Tentei fazer uma reflexão pedagógica com eles:
"não posso reclamar se eu não tomei iniciativa de ajudar. Os políticos enriquecem e não podemos reclamar se não fazemos nada. Se nos julgamos justos, precisamos ocupar os espaços". Aqui eu me lembo da utopia de Sócrates (um justo não se deixa governar por um injusto)
Mas com os ânimos exaltados ninguém reflete. Vamos retomar a reflexão na próxima semana.
E buscar uma forma de organizar melhor. Usando as autoridades presentes.

ps.: saio de lá e vejo o Corpo de Bombeiros em forma, cantando o hino, cheio de rituais corporais e hasteando a bandeira. Será que tenho algo a aprender com eles? E será que precisa inventar tudo isso, hinos, nações, bandeiras para alçarmos a liberdade?

sábado, 25 de agosto de 2012

Infinito é Ser Humano




Hoje pela manhã, em nossa aula da Escola de Valores vivi um momento lindo que nos reforça a acreditar na singularidade humana, sempre rica de potenciais.
Praia do Flamengo, Rio de Janeiro. Ali, sob as arvores de um céu azul (foto), fazemos todos os sábados nosso encontro com crianças de 2 a 12 anos.
Minha turma é a dos mais velhos: de 10 a 12. Uma das meninas falta mais do que vai, é muito agressiva e tem dificuldade em se socializar. Talvez receba algum rótulo, nessa nossa atual moda "normalizadora" que confunde ciência com capacidade de dar nomes. Mas hoje ela nos surpreendeu.
Nossa aula era sobre a criação da vida humana. E escolhemos o belo e singelo livro "De onde vem os bebês", para iniciar nossa conversa. As crianças, cheias de conceitos errados, ainda não sabiam exatamente como se faz um bebê. E ali fomos percebendo a grandeza da fecundação, a importância da união, o amor.
Perguntei as crianças o nome de suas mães, e lembramos que um dos nossos meninos tinha perdido sua mãe há pouco tempo. Ainda machucado com a perda, tímido, lembramos que ela está viva do outro lado e que ele pode, se quiser, comunicar-se com ela.
Ao final da aula, depois de responder a todas as muitas perguntas, brincamos de pique-bandeira. Meninos contra meninas. A importância de vivenciar corporalmente, brincando, as diferenças dos sexos.
Após 7 partidas, nos reunimos para fazer a prece final.
Cada um foi falando algo com Jesus, à maneira infantil mesmo, bem espontânea.
E a minha "aluna-problema", disse ao menino recentemente órfão: "você poderia escrever para a sua mãe. Como num diário, você poderia escrever para ela, tenho certeza de que ela iria ler, já que ela está desencarnada."
Lindo, não?
Pois é.
Ao chegar em casa comecei a ver a vida de Joana d'Arc em filme (o clássico com Ingrid Bergman), e vi as pessoas zombando da jovem "louca" que ouvia vozes pedindo para ela salvar a França e expulsar os ingleses (guerra dos 100 anos).
E me emocionei em sentir como é bom que haja essas pessoas ditas diferentes (com rótulos acadêmicos ou não).
É dessas pessoas diferentes que surgem as ideias mais ricas de sensibilidade.
Eu amo ser professor.
Eu adoro as crianças e os jovens.
Eu amo poder ver um ser humano em sua singularidade e deixar que suas ideias floresçam.
Eu amo poder acreditar na riqueza do potencial de cada um.

sejam felizes!

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Sheilla, Craque do Vôlei, uma lição aos Políticos



Sou um apaixonado por Vôlei e por Eleições. Como professor, minha missão é fazer as pessoas pensarem. Como professor de filosofia então, tenho a quase impossível tarefa de fazer pensar o que ainda não foi pensado. Então vou retirar do meu coração apaixonado, tocado por aquilo que me leva às lágrimas, sementes para uma pequena reflexão, na esperança de que os meus leitores possam questionar algumas certezas estabelecidas no cotidiano dito “normal” da vida.
Nessas Olimpíadas, fui impactado pelo time brasileiro de vôlei de quadra feminino, especialmente pela presença em quadra de Sheilla Castro. Desde o primeiro jogo, percebo nesta atacante um equilíbrio impressionante de competência técnica e serenidade emocional, uma lição de auto-confiança, garra, calma, espírito competitivo, inspiração... tudo isso misturado a um sorriso sereno, uma alegria simples de jogar e lutar pela vitória.
A memorável vitória de virada sobre a Rússia nas quartas-de-final, nos impactou a todos profundamente. O time perdendo no tie break, faltando um ponto para as russas vencerem, Sheilla se vira para a levantadora e pede a bola. Depois, durante o pedido de tempo do técnico, ela insiste para a levantadora jogar a bola para ela. E assim, ponto a ponto, Sheilla foi virando as bolas. Ataque do fundo (atrás da linha de 3 metros), ataque da rede, indo para o saque e se tornando o nome do jogo. Foram 6 match points defendidos pelo Brasil. E então conseguimos empatar e depois virar. Resultado final: Brasil 21 a 19 no quinto set, 3 a 2 sobre a Rússia que voltou para casa sem chance de medalhas.
Sheilla Castro se torna herói e referência: implacável, vira todas as bolas, cortadas indefensáveis. Prova de uma competência técnica extraordinária, mas mais do que isso, chamou o jogo para si, pediu as bolas, demonstrando entusiasmo e coragem, com raro equilíbrio emocional. Se a gente se colocasse no lugar dela iria rezar para a levantadora não levantar para a gente, para não ter o peso de estar com o jogo na mão. Sheilla faz o contrário: bota pra mim! Isso é liderança. Deve ser muito bom, para nós, mais fracos e medrosos, estar ao lado dela em quadra: ela dá conta. Isso é a verdadeira liderança. É bom estar ao lado de um líder verdadeiro. Deve ser horrível para o adversário enfrentá-la. Sheilla é um craque (craque é substantivo masculino, mas eu nunca vi outro atleta, homem ou mulher, assim). Estou profundamente impactado pelo que vejo nessa esportista.
Após o jogo, voltando pra casa, olho para as ruas de nossa cidade e vejo as placas dos políticos. É ano eleitoral. Disputa para prefeito e vereadores. Disputa para os cargos daqueles que se propõem a ser nossos líderes na vida pública. A cada 10 metros placas amontoadas, algumas estão acompanhadas de pessoas que passam o dia ali, debaixo de sol, as vezes à sombra da própria placa. Um amontoado de pessoas pobres, ganhando uns trocados por um trabalho pouco útil socialmente, sem nenhum sentido de vida, sem nenhum idealismo, sem nenhum motivo que desperte a garra interior que não seja mitigar a pobreza, sua e da propria família. Junto a essas, outras placas e cavaletes, pior ainda, sem ninguém por perto, o que configura crime eleitoral, infração ao código eleitoral. Uma quebra da regra do jogo. Seus materiais ilegais deveriam ser recolhidos e os candidatos, multados.
E assim, políticos vão fazendo seu jogo, sem respeito às regras, sem vitalidade real, sem sonhos reais, do jeito que aprenderam com seus antecessores. Tudo isso acontece e a Guarda Municipal não faz nada, a Polícia Militar não aparece, a Polícia Civil silencia, a Polícia Federal se aquieta e a Força Nacional continua cercando as favelas dos pobres. Se o pobre tem suas mercadorias e seus corpos apreendidos, porque os políticos fazem o que querem e ninguém faz nada?
O vôlei é inspirador por natureza. É uma partida que não dá para trapacear. Não dá para botar o pé na frente do outro e fingir que não foi nada. No vôlei não dá para forçar uma falta, ou cavar um pênalti. Se em outros esportes há espaço para uma certa malícia, uma boa malandragem,  no vôlei você não pode deixar a bola cair e tem que tentar fazer ela cair na quadra adversária. É você contra você mesmo, no limite de suas habilidades, capacidade física, harmonia de trabalho em equipe. A política tem muito a aprender com o Vôlei e o Tribunal Eleitoral poderia funcionar como juiz. É para isso que ele foi pensado. Pessoas honestas não seriam perseguidas, nem ameaçadas. Cada um disputaria o convencimento e a sedução dos eleitores de forma limpa. Dentro das regras, inclusive com fair play e elegância como quando Sheilla admitiu para o árbitro ter tocado na rede. Um dia isso pode funcionar. E as estrelas, como Sheilla, que brilham na quadra e nos esportes, poderão brilhar no campo político também. Porque brilhar é do humano, quando ele dá o melhor de si, no lugar certo.
Se o humano pode brilhar nas Olimpíadas também pode brilhar na política. Então cabem algumas perguntas: o que querem esses políticos? Por que resolveram entrar para a competição eleitoral? Em que, de fato, acreditam? O que, para eles, é ser campeão? Será simplesmente chegar a um dos postos de trabalho onde o salário é mais alto, podendo trazer consigo outras pessoas para ganhar salários altos através das assessorias? É disputa pelo poder para fazer o quê?
Crime eleitoral. É onde tudo começa a desandar. No Brasil a história política, a história da competição eleitoral é acompanhada por fraudes, armações, assassinatos. Os coronéis e seus jagunços. O vale tudo. As armações. O mandonismo: aqui mando eu, mando na polícia, mando na igreja, mando no comércio, mando no juiz. Estudando nosso passado político, Victor Nunes Leal deu a isso o nome de Coronelismo. O sistema coronelista se alimentava da pobreza e tinha, numa ponta, o pobre que dependia dos pequenos presentes e favores do coronel (que se tornava para ele um homem muito bondoso: temível, mas bondoso), e na outra ponta, os amigos do coronel, doutores advogados e médicos, a entrar para as casas legislativas com o voto de cabresto dessa população miserável e analfabeta. Em resumo: a opulência dos poderosos se alimenta da carência dos pobres e, por isso, tudo tende a continuar como está.
O que um craque do vôlei pode ensinar? que valores ela inspira? que atitude de verdadeiros líderes podemos copiar da aura que irradia de Sheilla em suas cortadas geniais?
A primeira e mais universal de nossas conclusões é: as pessoas devem buscar se envolver em atividades que despertem a sua garra de vencer, de se superar, de ir além de si mesmos. Quando Sheilla sobe aos 3 metros de altura para fazer um ataque e colocar a bola no chão do adversário, ali ela é mais do que ela mesma. Ela ultrapassa a si mesma nessa arte em que ela se esmera. Então esse é o primeiro ponto. Como humanos, devemos nos exercitar em algo onde possamos desenvolver nosso talento e nos superar. Conheço políticos excelentes, que buscam ser éticos, que buscam representar as bases populares, que tem humildade e espírito de serviço. E caminham buscando se aperfeiçoar nessa arte de servir. As metas da vida, como da profissão, tem que vir do coração. Brigar por mais poder, por salários, pelo fatiamento das áreas de governo, é a política como fim em si mesmo. Os políticos sem vocação para servir deveriam trocar de atividade, em nome de sua própria felicidade e realização humana; como aqueles que abandonam um esporte quando percebem que não levam jeito. Sinceramente aconselho que procurem outra coisa a fazer, uma atividade em que possam se dedicar, para que brilhe a sua luz, e não se alimentem de sombras: as sombras da pobreza, da corrupção.
O segundo elemento que Sheilla nos inspira é que a briga deve acontecer dentro das regras do jogo. Quem fere as regras é porque já não acredita em si mesmo. Quem não consegue ganhar dentro das regras é porque não tem valor, já começa derrotado. O esporte é uma guerra. Não é moleza. As pessoas dão o máximo de si, dentro das regras. E é só porque tem regras que as pessoas dão o seu máximo. O contrário é o clássico Dick Vigarista da corrida maluca, personagem do desenho animado que Sheilla provavelmente assistia na infância torcendo por Penélope Charmosa. Quanta energia Dick Vigarista gastava para trapacear? Podia usar para vencer. Na política corrompida, as pessoas não dão o seu máximo porque creem poder burlar as regras, como no uso do dopping. E se fazem medíocres, e sustentam uma sociedade medíocre, dopada.
O terceiro elemento é o da liderança. Sheilla chamou para si a responsabilidade. E que lição de coragem! Em tempos em que os políticos se habituam a impunidade, responsabilidade é uma palavra rara em suas práticas. São os laranjas, os bodes expiatórios, as mentiras que contam nas CPIs, os acordos por debaixo dos panos. O verdadeiro líder não se esconde, nem se crê infalível. É humilde, pois sabe que pode errar (e falar “foi mal”, “erro meu”, para as companheiras), assume a responsabilidade, acredita verdadeiramente nas metas da equipe e se deixa tomar da inspiração-intuição-fé nos momentos onde só a força sobre-humana pode atuar através de si.
Vejam como o esporte pode ser inspirador de valores humanos, mostrando os potenciais e as metas que os humanos podem almejar em si mesmos... Acredito num mundo melhor. Um mundo feito de pessoas que dão o seu máximo e vão além. Um mundo feito de pessoas melhores. E cada vez que eu vejo um gênio, em qualquer área da vida, ou seja, uma pessoa dando o seu melhor no lugar onde tem talento, fico sonhando com uma organização melhor dos nossos talentos na sociedade.
Desejo uma boa partida para todos nós.
Sheilla, parabéns e obrigado! Que vocês tragam o ouro merecido!
E que os maus políticos abandonem o ouro não merecido.
Sejam todos felizes! 

domingo, 5 de agosto de 2012

Eleição no Rio, novo coronelismo?

 
Guarda Municipal acoberta e compactua com crime eleitoral

Na manhã desse sábado, na rua do Catete, guardas municipais colocam no lugar um cavalete de campanha de uma candidata a vereadora. O problema? O cavalete estava desacompanhado. O que configura crime eleitoral. O TRE já foi acionado através do disk-denúncia eleitoral (3359-2570) porque essas placas desacompanhadas, dessa e de outros candidatos estão por toda a rua do Catete e pela praia do Flamengo. Vamos ver se a lei é cumprida. E esperamos que a guarda municipal ajude no combate ao crime, ou ao menos, não participe dele.
 
A imagem é simbólica demais. A 100 metros do Palácio da antiga capital da Rebública. Os coroneis e seus capangas estão aqui. Precisamos de um Choque de Ordem Eleitoral!