Sou um apaixonado por Vôlei e por Eleições. Como professor,
minha missão é fazer as pessoas pensarem. Como professor de filosofia então, tenho
a quase impossível tarefa de fazer pensar o que ainda não foi pensado. Então
vou retirar do meu coração apaixonado, tocado por aquilo que me leva às
lágrimas, sementes para uma pequena reflexão, na esperança de que os meus
leitores possam questionar algumas certezas estabelecidas no cotidiano dito “normal”
da vida.
Nessas Olimpíadas, fui impactado
pelo time brasileiro de vôlei de quadra feminino, especialmente pela presença
em quadra de Sheilla Castro. Desde o primeiro jogo, percebo nesta atacante um
equilíbrio impressionante de competência técnica e serenidade emocional, uma
lição de auto-confiança, garra, calma, espírito competitivo, inspiração... tudo
isso misturado a um sorriso sereno, uma alegria simples de jogar e lutar pela
vitória.
A memorável vitória de virada
sobre a Rússia nas quartas-de-final, nos impactou a todos profundamente. O time
perdendo no tie break, faltando um
ponto para as russas vencerem, Sheilla se vira para a levantadora e pede a
bola. Depois, durante o pedido de tempo do técnico, ela insiste para a
levantadora jogar a bola para ela. E assim, ponto a ponto, Sheilla foi virando
as bolas. Ataque do fundo (atrás da linha de 3 metros), ataque da rede, indo
para o saque e se tornando o nome do jogo. Foram 6 match points defendidos pelo Brasil. E então conseguimos empatar e
depois virar. Resultado final: Brasil 21 a 19 no quinto set, 3 a 2 sobre a
Rússia que voltou para casa sem chance de medalhas.
Sheilla Castro se torna herói e
referência: implacável, vira todas as bolas, cortadas indefensáveis. Prova de
uma competência técnica extraordinária, mas mais do que isso, chamou o jogo
para si, pediu as bolas, demonstrando entusiasmo e coragem, com raro equilíbrio
emocional. Se a gente se colocasse no lugar dela iria rezar para a levantadora não
levantar para a gente, para não ter o peso de estar com o jogo na mão. Sheilla
faz o contrário: bota pra mim! Isso é liderança. Deve ser muito bom, para nós,
mais fracos e medrosos, estar ao lado dela em quadra: ela dá conta. Isso é a
verdadeira liderança. É bom estar ao lado de um líder verdadeiro. Deve ser
horrível para o adversário enfrentá-la. Sheilla é um craque (craque é substantivo
masculino, mas eu nunca vi outro atleta, homem ou mulher, assim). Estou
profundamente impactado pelo que vejo nessa esportista.
Após o jogo, voltando pra casa, olho
para as ruas de nossa cidade e vejo as placas dos políticos. É ano eleitoral.
Disputa para prefeito e vereadores. Disputa para os cargos daqueles que se propõem
a ser nossos líderes na vida pública. A cada 10 metros placas amontoadas,
algumas estão acompanhadas de pessoas que passam o dia ali, debaixo de sol, as
vezes à sombra da própria placa. Um amontoado de pessoas pobres, ganhando uns
trocados por um trabalho pouco útil socialmente, sem nenhum sentido de vida,
sem nenhum idealismo, sem nenhum motivo que desperte a garra interior que não
seja mitigar a pobreza, sua e da propria família. Junto a essas, outras placas
e cavaletes, pior ainda, sem ninguém por perto, o que configura crime
eleitoral, infração ao código eleitoral. Uma quebra da regra do jogo. Seus
materiais ilegais deveriam ser recolhidos e os candidatos, multados.
E assim, políticos vão fazendo
seu jogo, sem respeito às regras, sem vitalidade real, sem sonhos reais, do jeito
que aprenderam com seus antecessores. Tudo isso acontece e a Guarda Municipal
não faz nada, a Polícia Militar não aparece, a Polícia Civil silencia, a Polícia
Federal se aquieta e a Força Nacional continua cercando as favelas dos pobres. Se
o pobre tem suas mercadorias e seus corpos apreendidos, porque os políticos
fazem o que querem e ninguém faz nada?
O vôlei é inspirador por
natureza. É uma partida que não dá para trapacear. Não dá para botar o pé na
frente do outro e fingir que não foi nada. No vôlei não dá para forçar uma
falta, ou cavar um pênalti. Se em outros esportes há espaço para uma certa
malícia, uma boa malandragem, no vôlei você
não pode deixar a bola cair e tem que tentar fazer ela cair na quadra adversária.
É você contra você mesmo, no limite de suas habilidades, capacidade física,
harmonia de trabalho em equipe. A política tem muito a aprender com o Vôlei e o
Tribunal Eleitoral poderia funcionar como juiz. É para isso que ele foi
pensado. Pessoas honestas não seriam perseguidas, nem ameaçadas. Cada um
disputaria o convencimento e a sedução dos eleitores de forma limpa. Dentro das
regras, inclusive com fair play e
elegância como quando Sheilla admitiu para o árbitro ter tocado na rede. Um dia
isso pode funcionar. E as estrelas, como Sheilla, que brilham na quadra e nos
esportes, poderão brilhar no campo político também. Porque brilhar é do humano,
quando ele dá o melhor de si, no lugar certo.
Se o humano pode brilhar nas Olimpíadas
também pode brilhar na política. Então cabem algumas perguntas: o que querem
esses políticos? Por que resolveram entrar para a competição eleitoral? Em que,
de fato, acreditam? O que, para eles, é ser campeão? Será simplesmente chegar a
um dos postos de trabalho onde o salário é mais alto, podendo trazer consigo
outras pessoas para ganhar salários altos através das assessorias? É disputa
pelo poder para fazer o quê?
Crime eleitoral. É onde tudo começa
a desandar. No Brasil a história política, a história da competição eleitoral é
acompanhada por fraudes, armações, assassinatos. Os coronéis e seus jagunços. O
vale tudo. As armações. O mandonismo: aqui mando eu, mando na polícia, mando na
igreja, mando no comércio, mando no juiz. Estudando nosso passado político,
Victor Nunes Leal deu a isso o nome de Coronelismo. O sistema coronelista se
alimentava da pobreza e tinha, numa ponta, o pobre que dependia dos pequenos
presentes e favores do coronel (que se tornava para ele um homem muito bondoso:
temível, mas bondoso), e na outra ponta, os amigos do coronel, doutores
advogados e médicos, a entrar para as casas legislativas com o voto de cabresto
dessa população miserável e analfabeta. Em resumo: a opulência dos poderosos se
alimenta da carência dos pobres e, por isso, tudo tende a continuar como está.
O que um craque do vôlei pode
ensinar? que valores ela inspira? que atitude de verdadeiros líderes podemos
copiar da aura que irradia de Sheilla em suas cortadas geniais?
A primeira e mais universal de
nossas conclusões é: as pessoas devem buscar se envolver em atividades que
despertem a sua garra de vencer, de se superar, de ir além de si mesmos. Quando
Sheilla sobe aos 3 metros de altura para fazer um ataque e colocar a bola no
chão do adversário, ali ela é mais do que ela mesma. Ela ultrapassa a si mesma
nessa arte em que ela se esmera. Então esse é o primeiro ponto. Como humanos, devemos
nos exercitar em algo onde possamos desenvolver nosso talento e nos superar.
Conheço políticos excelentes, que buscam ser éticos, que buscam representar as
bases populares, que tem humildade e espírito de serviço. E caminham buscando
se aperfeiçoar nessa arte de servir. As metas da vida, como da profissão, tem
que vir do coração. Brigar por mais poder, por salários, pelo fatiamento das áreas
de governo, é a política como fim em si mesmo. Os políticos sem vocação para
servir deveriam trocar de atividade, em nome de sua própria felicidade e realização
humana; como aqueles que abandonam um esporte quando percebem que não levam
jeito. Sinceramente aconselho que procurem outra coisa a fazer, uma atividade
em que possam se dedicar, para que brilhe a sua luz, e não se alimentem de
sombras: as sombras da pobreza, da corrupção.
O segundo elemento que Sheilla
nos inspira é que a briga deve acontecer dentro das regras do jogo. Quem fere
as regras é porque já não acredita em si mesmo. Quem não consegue ganhar dentro
das regras é porque não tem valor, já começa derrotado. O esporte é uma guerra.
Não é moleza. As pessoas dão o máximo de si, dentro das regras. E é só porque
tem regras que as pessoas dão o seu máximo. O contrário é o clássico Dick
Vigarista da corrida maluca, personagem do desenho animado que Sheilla
provavelmente assistia na infância torcendo por Penélope Charmosa. Quanta
energia Dick Vigarista gastava para trapacear? Podia usar para vencer. Na política
corrompida, as pessoas não dão o seu máximo porque creem poder burlar as regras,
como no uso do dopping. E se fazem
medíocres, e sustentam uma sociedade medíocre, dopada.
O terceiro elemento é o da
liderança. Sheilla chamou para si a responsabilidade. E que lição de coragem! Em
tempos em que os políticos se habituam a impunidade, responsabilidade é uma palavra
rara em suas práticas. São os laranjas, os bodes expiatórios, as mentiras que
contam nas CPIs, os acordos por debaixo dos panos. O verdadeiro líder não se
esconde, nem se crê infalível. É humilde, pois sabe que pode errar (e falar “foi
mal”, “erro meu”, para as companheiras), assume a responsabilidade, acredita
verdadeiramente nas metas da equipe e se deixa tomar da inspiração-intuição-fé
nos momentos onde só a força sobre-humana pode atuar através de si.
Vejam como o esporte pode ser inspirador de valores humanos,
mostrando os potenciais e as metas que os humanos podem almejar em si mesmos...
Acredito num mundo melhor. Um mundo feito de pessoas que dão o seu máximo e vão
além. Um mundo feito de pessoas melhores. E cada vez que eu vejo um gênio, em
qualquer área da vida, ou seja, uma pessoa dando o seu melhor no lugar onde tem
talento, fico sonhando com uma organização melhor dos nossos talentos na
sociedade.
Desejo uma boa partida para todos nós.
Sheilla, parabéns e obrigado! Que vocês tragam o ouro
merecido!
E que os maus políticos abandonem o ouro não merecido.
Sejam todos felizes!
Fala Andre,
ResponderExcluirSe alguem me chama eu comento... :)
Uma interpretacao do que voce disse eh que o esporte, principalmente nas Olimpiadas, chega muito perto do ideal de mercado competitivo da teoria economica. Eh um ambiente onde as regras sao muito claras e mantidas por juizes imparciais, os objetivos sao simples, e a entrada de competidores eh aberta, de forma que a unica forma de se manter a frente eh ser excelente. Note no entanto que, tal como nessa economia idealizada, os bons resultados no esporte nao tem nada a ver com a distribuicao equitativa de premios. Pelo contrario, se todos recebessem medalhas de ouro, nao haveria tantas Sheillas.
Onde eu quero chegar com isso: Eh muito bonito identificar personalidades inspiradoras, e o exemplo delas pode ter um impacto (voce poderia me apontar para as grandes religioes). Mas, de forma geral, o que voce quer eh um sistema robusto, que pelas suas regras de funcionamento lhe de o resultado que voce espera, independente da virtude pessoal das pessoas. Nesse sentido, a questao crucial nao eh o disse me disse de quem eh corrupto e quem eh santo, mas a reforma o sistema politico e judiciario, para fazer as regras mais claras e bem mantidas (algo que voce discute no seu texto).
Um ultimo comentario: Conforme dei a entender acima, o esporte eh uma boa analogia para um mercado que funciona bem. Mas existem muitos motivos para que voce nao queira que o governo funcione como uma empresa privada. Nesse sentido talvez tenhamos que nos contentar com o fato de que, mesmo nas melhores democracias, a politica eh algo feio de se ver, e que nossos politicos nunca vao ser Sheillas. O que nao quer dizer, obviamente que nao tenhamos muito onde melhorar.
Grande abraco,
Felipe