domingo, 27 de maio de 2018

Yoga de Rua - entrevista com Ana Poubel

Estamos iniciando uma serie de conversas, entrevistas com os voluntarios do Yoga de Rua. O objetivo é aproveitar um tempo de reflexão mais calmo e individual para pensarmos o projeto. Quem somos? Para onde vamos? Qual o significado de estar ali, indo as praças, praticando com as pessoas que ainda fazem das ruas seu lugar de moradia.
Essa iniciativa visa arejar ideias, fazer pensar e co-criar caminhos. Percebendo a fecunda diversidade que há entre os voluntários, visa também conhecer um pouquinho os caminhos e pontos de vista de cada um. Ampliando a diversidade de visões, num projeto que, por natureza, tem se feito tão plural.


1) Quem é você? A proposta desta primeira questão é conhecê-la, expresse o que vive em sua alma, seus sonhos, sua trajetória, experiências, enfim o que desejar nos contar, combinado!

As vezes me sinto como o oceano, na maioria do tempo acho que sou uma pequena onda.
Forte vocês começarem por essa pergunta, pois ela é a prática do jñana yoga - o yoga do conhecimento da essência – que basicamente vai na raiz dessa questão, como que descascando uma cebola e identificando (ou desidentificando) as personagens, os papéis, trajetórias, hábitos e personalidades. Ou seja, ao invés de falar aqui das minhas cascas, vou meditar um pouco pra encontrar com que eu sou.

2) O que significa yoga? E de que forma o yoga chegou a sua vida e permaneceu? Conte-nos quais foram as trilhas desta transformação pessoal?

Bom, pela definição do dicionário (Amara Kosha), yoga é sangati (conectar: em última instância jivatma com paramatma); yoga é upayam (veículo: que nos conduz de dukha a sukha); yoga é kavacam (proteção); yoga é dhyanam (meditação);e yoga é yukti (consciência superior).
Não sei ao certo se teve um exato momento em que o yoga surgiu na minha vida, me recordo de fragmentos. Me lembro de seguir algumas indicações de um livro do Hermógenes. Não sei se antes ou depois disso, cursei a Formação Holística de Base da Unipaz, e nela havia a orientação de fazer práticas de exercícios, respiração e concentração todos os dias pela manhã. Eu criava minha própria prática e ela parecia uma prática de yoga, descobri depois. Eu estudava e trabalhava com música, então me afeiçoei imediatamente aos mantras, kirtans e bhajans que me foram apresentados pela minha mestra das artes vocais, Alba Lirio. Depois outras influências foram surgindo. Lembro que decidi me dedicar ao estudo e ensino do yoga durante uma viagem à Chapada Diamantina - BA. Já praticava a alguns anos sozinha e durante essa viagem conduzi algumas práticas para meus amigos, e então decidi que faria aquilo.
Fica difícil falar sobre as trilhas de transformação pessoal, pois não é muito linear, e quando olhamos para traz as memórias estão meio embaralhadas, a cronologia sabe-se lá como. Mas me lembro de um grande despertar, que me parece ter sido o começo da trilha, também durante uma viagem, desta vez à Chapada dos Veadeiros – GO com dois amigos da faculdade. Pra resumir, minha experiência sensível mais marcante durante essa viagem foi virar a noite em silêncio olhando o céu. Estávamos jogando sinuca no único barzinho do vilarejo e em determinado momento achamos que estava movimentado e iluminado demais. Saímos caminhando pela estrada de terra, era lua nova, mas havia muita luz… das estrelas! A luz das estrelas refletida numas pedras brancas criava uma trilha muito convidativa. Seguimos, e quando já não havia nenhuma luz artificial que atrapalhasse a luz natural, sentamos a observar o céu. Nunca antes o universo tinha se despido pra nós daquela forma, nós três sentíamos e víamos uma mesma coisa. No começo a cada estrela cadente que passava fazíamos algum som de surpresa, eram tantas, tantas, tantas. Continuávamos estarrecidos e o som se transformou numa respiração profunda que gerava um pequeno movimento do tronco a cada vez que uma estrela bailava pra nós. Deitamos bem juntinhos um do outro para ficarmos aquecidos. E ali ficamos tendo uma aula de consciência universal, de dança cósmica, de pequenez e grandeza, do que é essencial ou não na vida. As estrelas nos ensinavam enquanto permanecíamos em completo silêncio. A manhã chegou, nos abraçamos agradecidos por tudo aquilo, e chamamos aquela experiência de “centrinho do mundo”.
A partir daquela noite foi desencadeado um processo de autoconhecimento, de busca pela essência. Eu decidi que nada iria me fazer desistir de ser feliz, de buscar inteireza, de ser uma com o universo. E acredito que essa firme decisão foi abrindo portas, janelas e trilhas para tudo que veio e virá.
3) Na atualidade é possível observar diversas linhas do yoga, compartilhe conosco sobre as semelhanças e distinções? 
Eu vejo apenas duas “linhas”, o yoga para a saúde e o yoga para a transcendência. O primeiro é o mais difundido hoje em dia, voltado para o bem-estar físico, emocional e mental, para que o indivíduo viva melhor a sua vida cotidiana. O segundo é o yoga que visa ir além desse nosso plano cotidiano de experiências, que transcende sukha-dukha, vai além da personalidade. 

4) Hoje qual a linha do yoga que você trabalha e se inspira como filosofia de vida e porque?
Me inspiro e busco para mim a segunda “linha” que citei acima, mas obviamente faço uso e aproveito a primeira “linha”, pois é através desse instrumento corpo-mente que posso trabalhar/viver neste plano que estamos agora. Minhas inspirações principais são Sri Ramakrishna, Sri Sarada Devi e Swami Vivekananda. Esses três mestres indianos viveram (séc XIX, XX) yoga em tudo em suas vidas, em cada gesto, palavra ou silêncio, e ensinaram que pessoas são mais importantes que métodos. Também busco base na tradição de yoga de Tirumalai Krishnamacharya, um dos representantes mais importantes do yoga como conhecemos hoje em dia.
5) Adoraríamos saber sobre sua trajetória de formação no yoga, quais foram os cursos, vivências e até mesmo viagens que lhe proporcionaram esta formação? 
Estudei com meu primeiro professor até que ele me disse: “você vai dar aula tal dia, tal horário”. Fiz dois cursos de formação, não concluí nenhum. O primeiro eu chamaria mais de “deformação”, pois tinha foco em tudo, técnicas, entulhamento de teorias, performances físicas, mas não em ajudar o ser humano a se desfazer de seus obstáculos internos e se tornar melhor para si e para o mundo. O segundo é o único curso que recomendo atualmente no Brasil, que foi o da tradição de Krishnamacharya, mas no meio do curso tive oportunidade de ir morar na India e nem pensei duas vezes. Acredito que mais importante do que acumular cursos, vivências e formações, é ter um professor ou professores que me acompanhem, que me conheçam, com os quais eu desenvolva uma relação de confiança. Assim dá pra ir mais longe e mais profundo, acredito.

6) Atualmente realizou alguma nova formação? Para o yoga assim como qualquer outra formação torna-se necessária atualização? Ou deveríamos compreender o yoga como uma filosofia de vida?
Tenho orientação regular de três professores. Na minha opinião a prática e o estudo são constantes pra quem quer levar o caminho do yoga a sério. Mas o caminhar é pessoal, exclusivo de cada indivíduo. 

7) Um dos grandes mestres do yoga no Brasil foi o Professor Hermogenes, gostaríamos que você dividisse conosco quais foram os mestres nacionais ou internacionais que lhe inspiraram a trajetória? Citamos o Professor Hermogenes como exemplo, caso tenha conhecido este mestre ou sua filosofia de vida e puder também compartilhar agradecemos! Ah! Conte-nos também quais as diferenças e semelhanças destes mestres que lhe influenciaram o caminho? 
Acho que disse em alguma outra pergunta que comecei a praticar através de um dos livros do Professor Hermógenes, mas meu contato com ele se restringiu a isso e a algumas leituras. Sri Ramakrishna e Swami Vivekananda entraram no meu caminho logo que comecei a praticar yoga, mas eu não tinha a mente preparada para compreender seus ensinamentos com profundidade. Então, ambos ficaram como uma referência longínqua durante algum tempo. Havia uma identificação, mas que só foi encontrar campo fértil vários anos depois. Mais tempo ainda levou para que eu pudesse começar a perceber a grandeza de Sri Sarada Devi, minha maior fonte de inspiração atualmente. Aurobindo e Mira Alfassa também me inspiraram algumas reflexões numa determinada época. E não seria justo deixar de citar meus professores, que exerceram grande influência no meu caminho. Cito-os em ordem de aparecimento em minha vida: Alba Lirio, Swami Nirmalatmananda, Jorge Luis Knak, Pravrajika Vivekaprana e Diego Koury. Sem eles provavelmente gastaria muito mais tempo batendo a cabeça e levando tombo. 

8) Yoga é uma filosofia de vida? De alguma forma possui uma direção espiritual ou religiosa? Yoga é uma atividade física? O yoga influencia em novos hábitos como alimentação e pensamento? E por fim se pudesse resumir yoga em única palavra qual seria e porque? Agradecemos!
 
Cada indivíduo vai definir a extensão da importância do yoga em sua própria vida. Então, ele pode ou não ser uma filosofia de vida para tal indivíduo, pode ou não influenciar novos hábitos. Podemos ter uma relação superficial ou profunda com tudo em nossa vida, não é mesmo? Com yoga não é diferente. Yoga é a melhor palavra para resumir o que seja yoga. Lembra na questão 2 quando citei os significados dessa palavra dados pelo dicionário? Imagino que os rishis (sábios antigos) devem ter penado pra encontrar uma palavra que abarcasse tanto! Não acho que eu consiga fazer melhor do que eles fizeram. 

9) Quais orientações você transmitiria a uma pessoa que deseja iniciar os estudos e formação em yoga? 
Pratique, encontre um professor que possa te orientar e pratique. Reflita sobre o que está praticando, reflita sobre sua vida, purifique sua mente e seu coração. Se liberte dos certificados e dos prazos. Mergulhe na autodescoberta, se lá dentro tiver um professor, ele virá à tona.
10) Ana, você conhece a Índia? 
Sim, já fui à India. Dizer que a conheço aí talvez já seja demais. 
Compartilhe conosco sobre a cultura, como o yoga e seus princípios atuam no dia a dia das pessoas localmente? Existe uma aceitação maior para a desigualdade social? 
Essas são perguntas bastante complexas, são várias culturas entrelaçadas na India, várias correntes de pensamento. Se a gente parar pra pensar, são milênios de culturas, filosofias e pensamentos, e parte disso preservado nos nossos dias atuais. E essa pequena parte já é tanta coisa, tão profunda e rica. Talvez isso já nos fale bastante da cultura, né? Há uma preservação, um princípio de manutenção da cultura, do conhecimento, das tradições, ao mesmo tempo que recebe o novo e o diferente. Sempre penso que lá nada deixa de existir pra surgir algo novo, só vai acumulando e sobrepondo e dialogando ou não (creio que o não-diálogo é também uma forma de diálogo). Não pesquisei a influência do yoga na vida dos indianos e suas sociedades. 
Qual a diferença entre aceitar e acomodar-se baseada na filosofia do yoga? 
Tem um amigo que diz que “se é um problema, tem uma solução; se não tem solução, não é um problema, é uma característica”. Acho que podemos pensar por aí pra responder sua questão. O que puder fazer para contribuir para si mesmo e para o mundo, faça. Não podendo fazer nada, o melhor é não atrapalhar. O que não tem jeito mesmo de fazer algo, melhor aceitar do que ficar se debatendo ainda por cima. Mas não creio que haja um entendimento único no yoga do que seja aceitação ou acomodação. Sempre vai depender de quem, quando e em que circunstâncias.
12) Qual seria o propósito maior do yoga entre as civilizações e suas transformações sociais e individuais? 
Não conheço referências que apontem o yoga como uma metodologia voltada para transformações sociais na sua origem. É um darshana, uma forma de compreender as experiências do indivíduo nos mundos externo e interno. Seu propósito é aproximar o indivíduo de sua verdadeira natureza, de sua essência. Naturalmente essa busca e realização geram impactos no entorno ou até além dele. Temos os exemplos de grandes mestres que fizeram isso, que geraram revoluções a partir de sua realização pessoal. Mas repare nas histórias deles (Buddha, Gandhi, Vivekananda, Nivedita, Aurobindo entre outros) que em primeiro lugar teve de haver um caminho de des-coberta pessoal, que depois desabrochou numa generosa contribuição para a humanidade.
13) Ao direcionarmos a filosofia para o Brasil do que se diferencia e ou associa da Índia em seus princípios, cultura local e desigualdade social? 
Não sei se compreendi essa pergunta. 
Na Índia, por exemplo, existem pessoas em situação de rua como em nosso país? 
Sim, existem muitas pessoas em situação de rua. E muitos saddhus também, monges itnerantes que sobrevivem de doações de alimentos, roupa e etc, conforme a tradição monástica antiga.
14) Em nosso país cresce anualmente a população em situação de rua, entretanto, pouco se faz para mudar esta realidade. Porém no Rio de Janeiro o Projeto Yoga de Rua tem se tornado um divisor na vida de muitas pessoas em situação de Rua e você é uma dessas pessoas especiais! Conte-nos por gentileza de que forma o convite do Projeto chegou ao seu coração e quais são as ações que você tem realizado e a quanto tempo? 
Conheci o Yoga de Rua no ano passado através das redes sociais. Comecei a acompanhar os relatos das práticas e as entrevistas publicadas, me tocaram a beleza e espontaneidade com que o projeto acontece. Algum tempo depois, um voluntário me escreveu com o convite de ir um dia dar uma aula e fui. 
Quais foram as motivações para atuar no projeto Yoga de Rua como voluntária? 
Há tempos me perguntava sobre como me aproximar das pessoas em situação de rua. Não me sentia bem apenas passando pelas pessoas cotidianamente, passando na “casa” delas, sem estabelecer qualquer tipo de comunicação. Mas também sou um bocado tímida e sem jeito e não fazia ideia de como me aproximar. Aí o projeto me colocou diante de uma oportunidade que tem como linguagem, como forma de se comunicar o yoga. Pensei, ufa! Assim de repente fica mais fácil pra mim. Ficou mais fácil coisa nenhuma (rs)! Mas abriu um caminho e um campo de trabalho interno e externo muito bonito e verdadeiramente feito com o coração.
15) Hoje o projeto Yoga de Rua possui outros educadores voluntários? Estes educadores possuem diferentes linhas do yoga? Se positivo como é conviver com esta equipe na condução do yoga para os moradores em situação de rua? 
Sabe que o Yoga de Rua é tão aberto, dinâmico e espontâneo que nem sei quantos professores-voluntários temos no momento!? Acho que algo em torno de 12 professores, 5 cozinheiras e mais alguns amigos que contribuem no suporte presencial e online, que ajudam as cozinheiras no preparo e transporte do alimento, na lavagem dos tapetinhos de prática, na realização do nosso site (que já vem por aí!) e etc.
Quanto aos professores, cada um tem uma formação e um percurso próprios. Cada um contribui de acordo com seu processo pessoal e aquilo que observa na relação com as turmas. Também conversamos regularmente sobre as questões que surgem no desenrolar dos encontros. Essa troca tem sido muito rica para todos nós. Falo por todos nós nesse momento, pois é o que surge em nossas conversas. Tanto participantes quanto voluntários tem vivido processos intensos de descoberta, experiências, reflexões e crescimento, e nos damos suporte mútuo quando necessário.  
16) O projeto atualmente possui diversos dias, horários e locais para a prática de yoga nas ruas, conte-nos por favor como são os trabalhos das equipes de voluntários e de que forma vocês se organizam internamente?
Atualmente o Yoga de Rua acontece às segundas, quartas e quintas das 10h às 11h30, seguido de um almoço vegetariano. Segunda é no Aterro do Flamengo (posto 2), quarta no Parque Guinle - Laranjeiras e quinta na Praça Paris – Glória. Para cada dia da semana temos um coordenador que agiliza as necessidades do dia e se comunica com os demais contribuidores daquele dia. Mas nada é rígido, esse formato apenas tem facilitado a organização. E assim temos feito: se precisa colocar mais ordem pra facilitar o processo, utilizamos métodos; se o excesso de ordem está bloqueando os processos mais profundos e espontâneos prioritários, aí basta jogar a estrutura fora e fazer outras escolhas em grupo. Bom, assim é como eu percebo. Acho que cada voluntário vai perceber nossa organização de maneira diferente, e está tudo bem!
Além das aulas regulares, temos participado de eventos extras como visitas a escolas de ensino fundamental, eventos em comunidades e etc. Recentemente nossas cozinheiras participaram como chefs no Gastromotiva e na semana que vem estaremos em parceria com o Dois pães e um pingado na Virada Sustentável.
17) Os alunos praticantes de yoga em sua grande maioria pessoas em situação de rua? 
Sim, o projeto tem as pessoas em situação de rua e a prática de yoga como centro. Mas temos diversos participantes e visitantes que não vivem na rua. É muito positiva essa interação entre 'pessoas de rua' e 'pessoas de apartamento'. Todos se nutrem de humanidade e respeito mútuo nesse encontro.
18) De que forma acontece a receptividade destes alunos com a prática do yoga e quais as transformações pessoais na vida de cada aluno que você acompanha? Existem evoluções? Quais? 
Imagino que cada um recebe o trabalho de sua própria maneira. Vai ser sempre assim, o processo do yoga é tão pessoal, que é melhor deixar os prazos e expectativas de lado e degustar o processo. Mas as turmas em geral recebem muito bem as práticas, as conversas filosófico-sociais que temos volta e meia, as participações musicais que por vezes aparecem. Tudo isso é muito bem-vindo por quem se aproxima desse grupo. Depois de um tempo no grupo, uma família vai se formando, eles mesmos que nos dizem. Alguns comentam de mudança de temperamento, de forma de se comunicar com as pessoas e ver o mundo. Já soubemos de alunos que conseguiram se reaproximar da família e voltar pra casa. Um senhor relatou que abriu um espaço no seu coração durante uma prática e ele sentiu alívio e perdão e ia procurar a família. Alguns dizem que se sentem acolhidos e parte da sociedade por serem “tratados como iguais no grupo do yoga”. São tantos relatos lindos! Pois a prática nossa com eles é essa mesmo, através da metodologia yogi ir se tornando mais consciente de si mesmo, clareando gradualmente a mente e podendo fazer escolhas mais conscientes. É claro que não tem ninguém aqui dizendo que esse processo é simples, rápido e fácil. Mas mesmo num nível menos profundo, esse trabalho tem trazido mais saúde, disposição e integração aos participantes.
19) O que é karma segundo a filosofia da Índia e quais as influências no yoga? Como entender este princípio sem que nos inclinássemos para a religião? De alguma forma este e outros princípios também são estudados junto ao alunos? 
Karma significa ação. No nosso plano de experiências existe uma lei que é a de causa-efeito. Não é algo muito difícil de entender, basta olhar para a natureza e para nossas experiências cotidianas pra ver essa lei em tudo. Isso é karma. Da mesma maneira que podemos observar a atuação dessa lei no mundo externo, podemos observá-la no mundo interno. Então, minhas ações físicas ou mentais, vão gerar registros em mim, a soma e intensidade desses registros vão alimentar meus hábitos e consequentemente minha personalidade. Tudo neste plano é karma, tudo neste plano gera karma. Podemos apenas olhar pra isso e fazer nossas opções de quais sementes queremos ou não regar no nosso jardim. É apenas isso, é um convite para estar atento.
20) Quais são seus sonhos junto a equipe do projeto Yoga de Rua? 
Meu único sonho agora é que o projeto continue caminhando com harmonia, amizade e amor. 
21) O que você deseja para os alunos e o que espera que alcancem com a prática do yoga? 
O mesmo que desejo pra mim mesma quando me dedico à prática: clareza, perseverança e amor.
22) Como você vê o futuro do Yoga de Rua daqui a 5 anos? 
Não tenho a menor ideia.
23) Com o objetivo de inspirarmos outros projetos de yoga nas ruas de todo o Brasil qual a mensagem que você deixaria para as pessoas que desejam potencializar propósitos para um mundo melhor em sociedade? 
Faça aquilo que de melhor pode fazer dentro das suas possibilidades com amor. Não espere nada em retorno. Essa é a essência do Karma Yoga. 


segunda-feira, 14 de maio de 2018

Simone Weil

“nenhuma poesia sobre o povo é autêntica se a fadiga não estiver presente nela, assim como a fome e a sede nascidas da fadiga

num estado físico miserável, entrei nessa pequena aldeia portuguesa – que era, ai! tão miserável também – sozinha à noite, sob a lua cheia, no dia da festa do padroeiro. As mulheres dos pescadores faziam a volta aos barcos em procissão, levando círios e cantando cânticos certamente muito antigos e de uma tristeza dilacerante… Ali tive de repente a certeza de que o cristianismo é, por excelência, a religião dos escravos, que os escravos não podem não aderir a ela, e eu entre os outros

estando só na capelinha românica do século XII de Santa Maria dos Anjos, incomparável maravilha de pureza onde São Francisco rezou muitas vezes, alguma coisa mais forte do que eu me obrigou, pela primeira vez na vida, a me por de joelhos

Senti, sem estar de maneira alguma preparada, porque nunca tinha lido os místicos, uma presença mais pessoal, mais certa, mais real que a de um ser humano… No instante em que Cristo se apoderou de mim, nem os sentidos, nem a imaginação tiveram parte alguma; senti somente através do sofrimento a presença de um amor semelhante ao que se lê no sorriso de um rosto amado

Penso que a vida intelectual, longe de dar direito a privilégios, é em si mesma um privilégio quase terrível que exige, em contrapartida, responsabilidades terríveis

só uma coisa de Deus podemos saber: que Ele é o que nós não somos. Apenas nossa miséria é a imagem disso. Quanto mais a contemplamos, tanto mais O contemplamos

é difícil para o rico, para o poderoso, porque ele é quase invencivelmente levado a crer que é alguma coisa. É igualmente difícil para o miserável porque ele é quase invencivelmente levado a crer que o rico, o poderoso, é alguma coisa

Eu não me lembro de um dia em que o espírito de pobreza não tenha estado em mim.

Esse obstáculo ( o cansaço) não tem nenhuma importancia. A verdade ilumina a alma na proporção de sua pureza e não de alguma especie de quantidade. Se um operario em um ano de esforços ávidos e perseverantes aprender alguns teoremas de geometria, em sua alma entrará tanta verdade quanta na de um estudante que durante o mesmo ano terá posto o mesmo fervor em assimilar uma parte da matematica superior. (...) Não tomar as verdades, já bastante pobres, contidas na cultura dos intelectuais, para degradá-las, mutilá-las, esvaziá-las de seu sabor; mas simplesmente exprimi-las na sua plenitude, por meio de uma linguagem que, segundo palavra de Pascal, as torne sensíveis ao coração, para pessoas cuja sensibilidade foi moldada pela condição operária."

Minha utopia: oficinas espalhadas. Operários ao mesmo tempo desenhistas, controladores, mantenedores...
Camponeses instruídos na mecânica. Máquinas simples em suas casas, para os meses de inverno.
Participação dos operários nos trabalhos dos campos, nos meses de verão.
Corpo de professores tendo praticado um e outro...

Uma fábrica... lugar onde a gente se chica duramente, dolorosamente, mas mesmo assim alegremente com a verdadeira vida.

esse contato com a infelicidade matara a minha juventude... sabia bem que havia muita infelicidade no mundo., era obcecada por isso, mas eu não tinha jamais constatado por um contato mais longo. Estando na fábrica... a infelicidade dos outros entrou na minha carne e na minha alma. Nada me separava dela (...) O que eu lá suportei me marcou de uma maneira tão duradoura, que ainda hoje, quando um ser humano, que quer que ele seja, não importa em que circunstâncias, me fala, sem brutalidade, não posso deixar de ter a impressão de que deve haver algum engano, e de que o engano vai sem dúvida, infelizmente, se dissipar. Eu recebi de uma vez por todas a marca da escravidão.

A violência às vezes é necessária, mas a meus olhos não há grandeza senão na doçura.

as fadigas de meu corpo e de minha alma se transformam em nutrição para um povo que tem fome

às vezes, durante essa recitação (do Pai Nosso) ou em outros momento, o Cristo está presente me pessoa, mas com uma presença infinitamente mais real, mais pungente, mais clara e mais cheia de amor que na primeira vez que ele me tomou.

Alguma coisa misteriosa nesse universo é cúmplice dos que só amam o bem.

Todas as vezes que um homem invocou com o coração puro Osíris, Dioniso, Krishna, Buda, o Tao, etc. o Filho de Deus respondeu enviando-lhe o Espírito Santo. E o Espírito agiu sobre sua alma, não o incitando a abandonar sua tradição religiosa, mas dando-lhe a luz - e no melhor dos casos a plenitude da luz - no interior dessa tradição.

A atenção, no seu mais alto grau, é a mesma coisa que a oração. Supõe implicitamente fé e amor. A atenção absolutamente sem mistura é oração.

Se voltarmos a inteligência para o bem, é impossível que pouco a pouco toda a alma não seja atraída nessa direção, mesmo sem querer.

Devemos ser indiferentes ao bem e ao mal, mas, sendo indiferentes, isto é, projetando igualmente sobre um e outro a luz da atenção, o bem leva a melhor graças a um fenômeno automático. Essa é a graça essencial. E é a definição, o critério do bem.

Desde que se tenha na alma um ponto de eternidade, não há mais nada a fazer senão preservá-lo, pois ele cresce por si só, como uma semente.

O poeta produz o belo pela atenção fixada no real. Do mesmo, modo o ato de amor. Saber que este homem, que tem fome e sede, existe realmente tanto quanto eu – isso basta, o resto vem por si.