segunda-feira, 14 de maio de 2018

Simone Weil

“nenhuma poesia sobre o povo é autêntica se a fadiga não estiver presente nela, assim como a fome e a sede nascidas da fadiga

num estado físico miserável, entrei nessa pequena aldeia portuguesa – que era, ai! tão miserável também – sozinha à noite, sob a lua cheia, no dia da festa do padroeiro. As mulheres dos pescadores faziam a volta aos barcos em procissão, levando círios e cantando cânticos certamente muito antigos e de uma tristeza dilacerante… Ali tive de repente a certeza de que o cristianismo é, por excelência, a religião dos escravos, que os escravos não podem não aderir a ela, e eu entre os outros

estando só na capelinha românica do século XII de Santa Maria dos Anjos, incomparável maravilha de pureza onde São Francisco rezou muitas vezes, alguma coisa mais forte do que eu me obrigou, pela primeira vez na vida, a me por de joelhos

Senti, sem estar de maneira alguma preparada, porque nunca tinha lido os místicos, uma presença mais pessoal, mais certa, mais real que a de um ser humano… No instante em que Cristo se apoderou de mim, nem os sentidos, nem a imaginação tiveram parte alguma; senti somente através do sofrimento a presença de um amor semelhante ao que se lê no sorriso de um rosto amado

Penso que a vida intelectual, longe de dar direito a privilégios, é em si mesma um privilégio quase terrível que exige, em contrapartida, responsabilidades terríveis

só uma coisa de Deus podemos saber: que Ele é o que nós não somos. Apenas nossa miséria é a imagem disso. Quanto mais a contemplamos, tanto mais O contemplamos

é difícil para o rico, para o poderoso, porque ele é quase invencivelmente levado a crer que é alguma coisa. É igualmente difícil para o miserável porque ele é quase invencivelmente levado a crer que o rico, o poderoso, é alguma coisa

Eu não me lembro de um dia em que o espírito de pobreza não tenha estado em mim.

Esse obstáculo ( o cansaço) não tem nenhuma importancia. A verdade ilumina a alma na proporção de sua pureza e não de alguma especie de quantidade. Se um operario em um ano de esforços ávidos e perseverantes aprender alguns teoremas de geometria, em sua alma entrará tanta verdade quanta na de um estudante que durante o mesmo ano terá posto o mesmo fervor em assimilar uma parte da matematica superior. (...) Não tomar as verdades, já bastante pobres, contidas na cultura dos intelectuais, para degradá-las, mutilá-las, esvaziá-las de seu sabor; mas simplesmente exprimi-las na sua plenitude, por meio de uma linguagem que, segundo palavra de Pascal, as torne sensíveis ao coração, para pessoas cuja sensibilidade foi moldada pela condição operária."

Minha utopia: oficinas espalhadas. Operários ao mesmo tempo desenhistas, controladores, mantenedores...
Camponeses instruídos na mecânica. Máquinas simples em suas casas, para os meses de inverno.
Participação dos operários nos trabalhos dos campos, nos meses de verão.
Corpo de professores tendo praticado um e outro...

Uma fábrica... lugar onde a gente se chica duramente, dolorosamente, mas mesmo assim alegremente com a verdadeira vida.

esse contato com a infelicidade matara a minha juventude... sabia bem que havia muita infelicidade no mundo., era obcecada por isso, mas eu não tinha jamais constatado por um contato mais longo. Estando na fábrica... a infelicidade dos outros entrou na minha carne e na minha alma. Nada me separava dela (...) O que eu lá suportei me marcou de uma maneira tão duradoura, que ainda hoje, quando um ser humano, que quer que ele seja, não importa em que circunstâncias, me fala, sem brutalidade, não posso deixar de ter a impressão de que deve haver algum engano, e de que o engano vai sem dúvida, infelizmente, se dissipar. Eu recebi de uma vez por todas a marca da escravidão.

A violência às vezes é necessária, mas a meus olhos não há grandeza senão na doçura.

as fadigas de meu corpo e de minha alma se transformam em nutrição para um povo que tem fome

às vezes, durante essa recitação (do Pai Nosso) ou em outros momento, o Cristo está presente me pessoa, mas com uma presença infinitamente mais real, mais pungente, mais clara e mais cheia de amor que na primeira vez que ele me tomou.

Alguma coisa misteriosa nesse universo é cúmplice dos que só amam o bem.

Todas as vezes que um homem invocou com o coração puro Osíris, Dioniso, Krishna, Buda, o Tao, etc. o Filho de Deus respondeu enviando-lhe o Espírito Santo. E o Espírito agiu sobre sua alma, não o incitando a abandonar sua tradição religiosa, mas dando-lhe a luz - e no melhor dos casos a plenitude da luz - no interior dessa tradição.

A atenção, no seu mais alto grau, é a mesma coisa que a oração. Supõe implicitamente fé e amor. A atenção absolutamente sem mistura é oração.

Se voltarmos a inteligência para o bem, é impossível que pouco a pouco toda a alma não seja atraída nessa direção, mesmo sem querer.

Devemos ser indiferentes ao bem e ao mal, mas, sendo indiferentes, isto é, projetando igualmente sobre um e outro a luz da atenção, o bem leva a melhor graças a um fenômeno automático. Essa é a graça essencial. E é a definição, o critério do bem.

Desde que se tenha na alma um ponto de eternidade, não há mais nada a fazer senão preservá-lo, pois ele cresce por si só, como uma semente.

O poeta produz o belo pela atenção fixada no real. Do mesmo, modo o ato de amor. Saber que este homem, que tem fome e sede, existe realmente tanto quanto eu – isso basta, o resto vem por si.

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