segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Um silêncio impressionante

Hoje começamos nossa prática no local de costume, debaixo da árvore, no Aterro do Flamengo, em frente a praia, diante da pedra do Pão de Açúcar. Ali, vento frio e sol quente, fizemos o nosso círculo de esteiras e cangas e fomos nos sentando, uns na sombra outros sob o sol.

Sentados em círculo ficamos um pouco em silêncio. Um silêncio bom, calmo, temperado com a expectativa de uma aula que estava por começar.

Então falamos nossos nomes na roda: André, Luciana, Fernanda, Dona Elizabeth (querida, de volta depois de um tempo distante), Emerson, Rodrigo, Gezilda, Daniela, Del, Ana, Alessandro, Chantal, Ana (que também canta no coral foi pela primeira vez), Ronaldo, Claudio, Adalto, Donilson, Alexandre compunham a roda e depois chegou a Fátima e no finzinho o Aílton e a Maria do Carmo que ainda conseguiram participar da roda final do estudo e do almoço que foi preparado pela Hanna e o Marcos. Outras duas pessoas passavam na hora do almoço e se alimentaram também, mas não registramos seus nomes. Quem sabe retornam, mais cedo, numa próxima vez?

Ali na roda, comentamos sobre as qualidades da mente, tal como apresentadas no yoga sutra de Patanjali. Resumindo o estudo da semana anterior, vimos que a mente pode se apresentar em um desses cinco estados:
1) ksipta, que é a mente agitada, semelhante a um macaco bêbado, que não tem direção alguma, cada hora um pensamento surge e é subitamente substituído por outro;
2) mudha que é o estado da mente letárgica, como um búfalo atolado na lama, pesada, em torpor, que é a mente de quando a pessoa passa por uma grande frustração, decepção;
3) viksipta, que é a mente mais comum: encontra um foco, mas não tem continuidade, caminha entre a fé e a dúvida;
4) ekagrata, que é quando a mente acha um ponto e mantem o foco; é onde começa o trabalho do yoga (e sugerimos exercitar a observação do proprio coração, ou do ponto entre as sobrancelhas) e, por fim, o objetivo de nossa pratica:
5) nirodha, que é a total absorção, onde não há diferença entre observador e observado.

Sugerimos alguns mantras que podem acompanhar a respiração, recitar o nome de alguma divindade ou mestre: Buda, Jesus Cristo, por exemplo, ou palavras positivas como Paz, e lembramos das quatro palavras usadas pelo prof Hermógenes: Entrego, Confio, Aceito e Agradeço.

Depois dessa breve explanação e integração do grupo, passamos à condução da professora Fernanda. Ela aproveitou e iniciou respirando e fazendo mudras relativos a essas quatro palavras do prof Hermógenes. As mãos estendidas a frente, unidas pelos dedos mínimos, com ambas as palmas para cima, num gesto de entrega (Entrego), os dedos entrelaçados e as palmas de encontro ao coração (Confio), uma palma para cima, em concha, à altura da cintura, e a outra palma também em concha sobre a primeira, fazendo uma caixinha, como que cuidando do presente recebido (Aceito) e as palmas unidas em prece junto ao peito (Agradeço).

A condução da Fernanda é sempre muito boa. Ela propõe exercícios e usa um tom de voz que ajuda a ativar a energia do corpo, leva a turma a um estado de ânimo mais ativo, de auto estima, de confiança e vontade de viver, ao mesmo tempo que uma calma e equilíbrio interior, um estado de mais espiritualização de cada um. Uma aula muito bem equilibrada, uma presença que irradia um elevar de ânimo, um cuidado acolhedor, um convite a paz consigo mesmo.

Ela nos conta assim: "não projeto a aula, já a partir do café [onde atua como voluntária] vou vendo os alunos e procurando sentir, através de uma palavra ou outra, o que seria bom para levar para a aula. E simplesmente flui. Ao sabor do vento suave  nos tocando." Segundo ela, "aos poucos,  vou soltando os nós, as tensões, que acumulamos a partir do pescoço, até a ponta dos pés. E preparando o corpo.
Entrei nos asanas calmamente,  trazendo baddha konasana (borboleta) ativando o chacra base, navasana (postura do navio) ajuda a aliviar o estresse, vrksasana (árvore) melhorando o equilíbrio e despertando as qualidades ("tirando a banalidade da postura"e focando qualidades). Passando sempre pela virabhadrasana (guerreiros) despertando a coragem e determinação de metas, com cuidado especial com a coluna. Fortalecendo com adho mukha (postura do cachorro), trazendo a força, firmeza e suavidade. Tadasana (montanha), inspirada no cenário (Pão de Açúcar), com a imaginação de ser nosso próprio corpo, e me deixo ir..."

E agradece: "Todas as segundas que estou junto a vocês, meu dia passa muito leve! Me dá prazer de estar com os alunos e ouvi los..."

Saímos do relaxamento, sentamos em fizemos o mantra OM, e o mantra da paz (OM Shanti). Levando a testa na direção das mãos e do coração... a professora agradeceu a presença e a confiança de todos. Namastê.

Então entoamos baixinho o mantra Lokah Samasta Sukhino Bhavantu ("Que todos os seres sejam felizes"), na melodia que aprendemos na aula anterior.

E depois o silêncio...

Um momento espontaneo de meditação silenciosa.

"Um silêncio impressionante!" nos disse Chantal, uma participante que foi pela primeira vez e há alguns anos vem praticando yoga.

Então, como a professora Ana trouxe um texto para o estudo, nos sentamos mais próximos para a leitura. A transcrição da palestra do Swami Madhurananda, "Efeitos da prática do yoga na personalidade".

Uma reflexão muito clara que trouxe mais consciencia do caminho que estamos trilhando ao praticar yoga. Nosso grupinho, ali, sob o sol do aterro, em roda, refletindo e se aprofundando junto. Quais os efeitos do yoga? O que estamos buscando aqui?

O autor começa definindo o que é uma pessoa. E parte do ponto de vista da filosofia Vedanta, onde "(...) o “ser humano” constitui-se do “Ser”, que é algo imaterial, e do “humano”, que é seu aspecto material."

Então começa a definir a parte material do humano. Assim como a água que se apresenta em seu estado sólido, líquido e gasoso, sem jamais deixar de ser H2O, a pessoa humana igualmente irá se apresentar em diferentes graus de densidade e sutilidade. Matéria e energia em diferentes graus de organização interna. E fala de cinco koshas (palavra em sânscrito que quer dizer invólucro, envoltura). Em cada pessoa são cinco koshas que recobrem, envolvem, o Ser: o corpo físico, a energia vital, também conhecida como prana; a mente; o intelecto, ou seja, um nível mais elevado que é capaz de discernir e discriminar e, em quinto, a mais sutil das envolturas, caracterizada pelo estado de bem aventurança, o samadhi.

Entendendo o ser humano como constituído, em seu aspecto material, pelos cinco koshas, o swami aponta o caminho para estudarmos os efeitos do Yoga na personalidade e em pensar numa prática que atua num sentido de integração, curando a personalidade fragmentada.

"(...) quando falamos dos efeitos da Yoga na personalidade, entendemos os resultados que a prática do Yoga, como um sistema integrado, constituído de diferentes passos, produz em cada um desses cinco níveis. Isto é algo muito importante de se identificar: o que buscamos é obter uma personalidade “integrada”, por isso falamos de um sistema de Yoga integrado, que atua em toda a nossa personalidade e não somente em uma parte dela. Se trabalharmos apenas um aspecto de nossa personalidade, ou seja, um ou dois desses koshas ou invólucros, desenvolveremos uma personalidade fragmentada, dividida, compartimentada; uma característica assustadora no mundo atual.

O que queremos dizer com isso? Podemos praticar algum tipo de Yoga, ou alguns passos do Yoga, que somente promovam a saúde física ou nos ajudem a regular o prana. Mas na vida, quando nos deparamos com sérias dificuldades, e ninguém pode escapar disso, talvez não sejamos capazes de solucionar o problema apresentado, isso porque não dedicamos algum tempo de nossa vida para desenvolver a capacidade de discernir entre o que realmente tem valor e o que não serve para nada. Com isso, as questões essenciais da vida são deixadas totalmente de lado.

Ou pode acontecer o contrário: praticamos algum tipo de Yoga, ou alguns passos do Yoga, através do qual conseguimos desenvolver nossa capacidade de discernimento e alcançamos um nível muito elevado no qual compreendemos muito claramente o que é bom e o que é mau em todos os campos da vida. Mas na hora de aplicar este conhecimento, no momento de “colocar mãos à obra”, como se costuma dizer, não temos nem o vigor, nem a inteireza necessários para fazer o que sabemos que é bom; assim, acabamos levando uma vida contraditória, sempre em conflito entre o que pensamos e o que fazemos, isso porque não nos dedicamos ao desenvolvimento dos outros níveis de nossa personalidade. Esse é um exemplo de personalidade fragmentada. Para alguém assim, é muito difícil, quase impossível, alcançar a união ou a transcendência com sua verdadeira natureza, o Ser ou Atman do qual falamos no começo.

Nossa meta, então, é desenvolver uma personalidade “integrada” por meio de um sistema de Yoga integrado."

Para chegar a esse objetivo de integração, é preciso conhecer o fator aglutinador dos diferentes koshas. Assim como o cimento é o fator aglutinador dos tijolos na construção civil, assim como os ovos são elementos que ajudam a aglutinar os demais ingredientes de um bolo, e bem como o fator gravitacional no centro da Terra ajuda a que os objetos permaneçam no solo (exemplo que nosso grupo em círculo entendeu muito bem)... há no ser humano um centro aglutinador, integrador das partes.

Quando afirmamos "eu sou" e me identifico com o mesmo eu em diferentes momentos da vida, em diferentes relações com diferentes pessoas. Quando sou capaz de perceber "meu corpo", "minha mente" e todos os demais koshas. "Quem atua por detrás, ou em um plano mais profundo, e que percebe tudo? Esse é o nosso centro, é o que mantém nossa personalidade integrada. Identificá-lo é o primeiro grande passo da Yoga. O segundo passo é tentar encontrar-se nesse “centro” a qualquer momento e sempre que se desejar. Em seguida, o ideal é poder permanecer sempre neste centro. Do ponto de vista da Vedanta, a prática do Yoga é essencial para se conseguir isto."

E assim chegamos a entender o sentido de união, do yoga. União que é o significado de yuj, a raiz sânscrita da palavra yoga. União de quê?  "Primeiro, a união de todas as partes de nossa personalidade para nos identificar com nosso verdadeiro Ser, o Atman, o que em nós não é matéria. Em seguida, ocorre a união desse Ser individual com o Ser Universal ou Ser Supremo. Aí, então, alcançamos a unidade com o Todo."

Em algum momento a nossa leitura foi interrompida, porque a Hanna e o Marcos estavam chegando com o almoço e precisavam de ajuda para carregar as bolsas do carro estacionado lá na praia do flamengo. Paramos. Um grupo foi até lá ajudar a carregar. A Del foi acompanhada, se não me engano, pelos generosos Ronaldo, Donilson e Alexandre. E o restante do grupo continuou atento à leitura que fazíamos com breves paradas para um pequeno resumo para manter atenção.

E dali em diante o swami se propõe a descrever um pouco a técnica do yoga. Para aprofundar ele indica a leitura do livro do Swami Vivekananda "Raja Yoga" e o capítulo 6 do Srimad Baghavad Gita.

A técnica do yoga se dá em 8 passos. Começa com yama e nyama, práticas de conduta sem as quais a prática por inclusive, diz ele, se tornar prejudicial e até mesmo, fatal. Em resumo, "yama, nos convida a não prejudicar nenhum ser vivo, a ser verdadeiros conosco mesmos e com os outros, a não nos apropriarmos dos bens alheios, não levar uma vida promíscua e não depender da generosidade e dos favores de ninguém. O segundo passo, niyama, nos ajuda a manter uma conduta equilibrada, já que nos propõe levar uma vida simples, dedicada ao estudo e aquisição de princípios elevados (que é o que estamos fazendo agora), manter um constante bom humor, ser asseados interna e externamente e, de alguma maneira, a nos relacionarmos com Deus.

Em terceiro, asana, posturas. Disciplinar e controlar o corpo, pois trabalhando com o que é visível vamos alcançando os níveis mais sutis, equilibrando a circulação das energias. Em quarto, pranayama, o controle da energia vital. Swami recomenda que se pratique com cuidado, sob a instrução apropriada. "O resultado para a personalidade é um equilíbrio emocional maior, algo tão necessário para nós latinos, sempre temperamentais, apaixonados, e sentimentais por natureza."

Os próximos passos atuam sobre os koshas, ou envolturas, que condicionam a mente. A tendência dos sentidos é fazer nos voltarmos para fora. Assim, com a visão, nos voltamos para o que tem forma, com a audição, acompanhamos os sons, etc. Controlar essa tendência e nos voltar para o interior é o quinto passo, chamado pratyahara. Em sexto, dharana, é quando focamos em um ponto fixo e tratamos de manter a atenção fixa neles. (Aqui lembramos do início da aula em que falávamos do estado mental chamado ekagrata e em seguida nirodha). E o swami recomenda, como exemplo, focarmos no ponto na região do coração ou entre as sobrancelhas e adverte que no coração é mais fácil e menos perigosa do que no espaço entre as sobrancelhas.

Aqui já estamos falando da esfera mais sutil da personalidade. E vemos que "a prática do Yoga gera uma grande força mental em nossa personalidade. Essa força mental exerce um importante papel na hora de enfrentar muitas situações, positivas ou negativas, da vida cotidiana sem que a personalidade seja afetada."

Para os dois passos seguintes, essas foram as palavras do swami:

"A seguir, vem a prática de dhyana ou meditação, que atua sobre a envoltura relacionada com o estado de bem-aventurança no homem. A verdadeira meditação produz um estado de intensa bem-aventurança em qualquer ser humano, e não uma simples alegria. 

Há milhares de livros sobre meditação, mas aqui só diremos que a meditação é a vibração de uma só onda mental de forma constante, sem que esta se altere por influência de outras ondas mentais. É o fluxo constante de um só pensamento, idéia ou conceito, sem nenhuma interrupção. Quando alguém medita realmente, consegue alcançar uma percepção completamente diferente das coisas, das pessoas e das situações. Alcança uma compreensão maior sobre qualquer tema e uma idéia clara a respeito de que direção tomar em cada atividade da vida. Como já dissemos antes, este é o portal que nos conecta com nosso Ser, o Atman

Finalmente, quando essa meditação se torna estável e a mente se une completamente ao seu objeto de meditação, quando a mente e seu objeto de meditação se tornam um, é alcançado o último passo, denominado samadhi, que nos conecta diretamente com nosso Ser ou Atman

Somente quando experimentamos a existência do Atman em nós é que encontramos nosso centro de gravidade espiritual, aquele que mantém a personalidade totalmente integrada.

Se durante doze segundos a mente puder se manter concentrada em um único objeto, teremos um dhárana. Doze dháranas constituem um dhyana e doze dhyanas constituem um samadhi. Ao alcançar este último passo, passamos a perceber nossa existência em Deus e a presença de Deus em tudo."

E assim, terminamos a leitura e abrimos o bate papo. 
Maria do Carmo, que chegou na hora do estudo foi a primeira a falar (como é costume observarmos... que não faz a prática e chega ao final, está sempre mais falante que o grupo). Ela nos contou de como é, de fato, difícil manter a mente tranquila diante das agitações da vida, especialmente quando a pessoa faz uso de drogas.
Ana também disse que, no geral, a vida na rua leva as pessoas a uma situação como a do macaco bêbado, sempre muito agitada, perambulando.
Aílton fez suas colocações e perguntas sobre o estudo anterior a respeito dos mudras... e a professora Ana aproveitou para lembrar que o estudo sobre mudras é uma das técnicas e hoje, estávamos podendo ter uma visão geral do sistema como um todo.
Rodrigo e Alessandro se mostraram muito atentos e também fizeram colocações na roda sobre a importância dessa metodologia integradora, uma vez que percebem nitidamente a realidade da fragmentação.
A professora Ana voltou a frisar que o método é integrador por dar conta de todos os koshas, e disse: se a pessoa trabalha só como uma ginástica, fica faltando o trabalho com a mente; por outro lado, as vezes a pessoa estuda muito, é muito intelectual, sabe muita coisa, mas não consegue nem se levantar com energia para fazer o que tem que ser feito.
Quando falamos sobre os asanas, Ana lembrou que essa é a parte visível do trabalho, mas que a pessoa pode praticar o tempo todo e quem estiver olhando não vai saber. Mostrou, sentando-se numa postura muito comum do dia a dia e disse: "eu posso sentar assim [com o rosto apoiado na mão], as pessoas vão olhar e não vão saber, mas eu posso estar praticando; a pessoa pode estar deitada, de olhos fechados, vão achar que ela está dormindo; ela até pode estar dormindo, mas também pode estar praticando."
E assim a conversa foi aguçando a vontade de todos do grupo se empenharem na prática constante que, segundo ela, é necessária para obter os benefícios do yoga.
Uma das metáforas que surgiu no grupo foi a do motorista que dorme no volante e acorda antes de bater o carro. Ou seja, mesmo depois de perceber que dormiu, voltar a praticar, porque a estrada ainda não chegou ao fim. Ana aproveitou para falar da inconsciencia total que entramos no sono, quando nos esquecemos de quem somos.
Aílton voltou a expressar sua admiração pelo yoga: "é um sistema antigo, não é mesmo? Quanto anos tem" E fomos comentando que apesar da sistematização por Patanjali ter cerca de 3000 anos, já antes os mestres transmitiam essa prática.
Ana, que estava vindo pela primeira vez mas que já estudou yoga em outras ocasiões, citou Hermogenes e Prabhupada, como pessoas de realização espiritual, assim como Madre Teresa, que ali é admirada por todos que geralmente almoçam na casa das Missionárias da Caridade, na Lapa. Lembramos que ela praticava a oração constante, dando um foco a sua mente, assim como fazem suas seguidoras.
E assim, fomos concluindo com as palavras do Aílton, tentando exprimir um sentimento de reverência, compreendendo que se trata de um conhecimento verdadeiramente profundo e transcendental, capaz de orientar a pessoa na jornada do Espírito. E nos integrar uns aos outros também, em grupo. E todos ficamos assim, silenciosos, calmos, contemplativos, agradecidos pelo momento.

Foi aí que nos preparamos para o almoço que já estava ali.
Moqueca capixaba de banana da terra.
Hanna, que é também professor de yoga no projeto e hoje aceitou servir na cozinha, comentou que quando se tornou vegetariana um dos seus principais desafios não era exatamente a falta de carne, mas a questão da memória afetiva... lembrar do seu pai na cozinha, preparando moqueca, bobó, comidas típicas de sua terra natal.
Então com muito carinho ela estava ali nos apresentando sua moqueca: banana da terra, coentro, tomate, cebola e urucum. Acompanhada abundantemente de farofa de cebola e arroz com leite de coco e salada. Servido ali mesmo, com as panelas, em potes reutilizáveis. Tudo com muita beleza. Nós seguramos os potes mas mãos, e juntos, conduzidos pela propria Hanna, entoamos o mantra OM, agradecidos por tanto amor. Quem quisesse ainda podia ir ao centro da roda repetir salada, arroz, farofa e acrescentar pimenta preparada pela propria cozinheira. Maravilhoso!

Maravilhoso! Tudo. Tudo. Tudo. Não é mesmo?

E depois de escrever essas muitas linhas, refletindo à noite sobre a beleza do dia e a maravilha desse encontro matinal e a possibilidade de vivermos tudo isso juntos, me emocionei. Por poder estar vivendo isso. A comunhão (koinonia, como disse um dos amigos) e a abertura dos corações para o conhecimento. Especialmente por ver o conhecimento fluindo sem obstáculos do coração da Existência aos corações dos praticantes. A integração do serviço amoroso e generoso da alimentação. E o silêncio... especialmente a comunhão do silêncio que acontece ali. E tudo o que fazemos, sem esforço, é praticar. O resto, é o que acontece.

E, assim, à noite, em casa, abri o livro que tenho lido e retomo a leitura:

"Certo pai tinha dois filhos. Para instrui-los no conhecimento de Brahman, enviou-os a um Acharya (preceptor). Depois de alguns anos retornaram à casa e saudaram a seu pai. Este estava ansioso por saber o que haviam aprendido acerca de Brahman; assim é que perguntou a seu filho mais velho: 'Filho querido, estudaste as Escrituras e filosofias; dize-me: com que se parece Brahman?' O filho mais velho procurou, então, descrever o Absoluto Brahman, citando várias passagens dos Vedas.

O pai guardou silêncio. Virando-se para seu filho mais novo, fez-lhe a mesma pergunta. Porém, este não respondeu com palavras; permaneceu imóvel e em comunhão silenciosa com Brahman. Então o pai exclamou: 'Filho querido, tu te aproximaste da realização de Brahman. Teu silêncio é uma resposta melhor que a recitação de uma centena de textos dos Vedas, porque Brahman é indescritível por palavras. É, em verdade, o Absoluto silêncio." (O Evangelho de Ramakrishna, p. 63,4)