domingo, 20 de novembro de 2011

O caminho espiritual – metáfora de João e o pé de feijão


Há uma história que povoa nosso imaginário infantil sobre a qual gostaria de extrair reflexões sobre o caminho espiritual. Ao que parece, é uma história de origem inglesa, do início do século XIX, e que possui algumas versões diferentes. Vamos contar uma versão simplificada ressaltando alguns elementos simbólicos que nos parecem importantes. Antes de mais nada cabe dizer que há várias possibilidades de interpretação simbólica de histórias infantis, mas vamos ousar fazer uma que aponte para a essência do caminho espiritual.
De uma forma simplificada podemos contá-la assim:
Num reino distante, vivia uma pobre mulher com seu filho, chamado João.  Um dia a mãe pede a João que vá ao mercado vender a vaca, seu último recurso para obter dinheiro. O menino vai.
No meio do caminho encontra um homem estranho. Olhos soturnos, cavanhaque comprido que lhe oferece pela vaca, alguns feijões mágicos, prometendo-lhe que os feijões lhe trarão imensa riqueza. O menino estranha a proposta mas termina por aceitar.
Ao chegar em casa sua mãe se desespera. Joga os feijões pela janela e põe o filho de castigo.
No dia seguinte, uma sombra entra pela casa. Ao olhar para fora, João vê que as sementes germinaram, as hastes grossas entrelassavam-se e uma imensa árvore parecia conduzir ao céu.
E João reolve escalar o pé de feijão. Até que chega a um lugar muito alto. Então vai andando e vê uma casa imensa. Uma casa de gigante. Chega na casa e a mulher do gigante o recebe. É ela quem o acolhe no interior da casa, mas avisa para tomar cuidado com seu colérico e impiedoso marido. Ele então se alimenta. Quando o gigante acorda, João corre e se esconde dentro do forno. De lá, João vê o gigante colocar uma galinha sobre a mesa, vê também como essa galinha punha ovos de ouro, proporcionando ao gigante uma riqueza sem fim.
João espera que o gigante durma novamente, após uma farta refeição. Sai do forno, pega a galinha dos ovos de ouro e corre em direção a saída. Na versão completa da história João faz três visitas a casa do gigante e leva, além da galinha, sacos de ouro, e uma harpa de ouro encantada.
Após sair da casa, o gigante acorda e vai em sua perseguição. Coração acelerado João corre e desce pelo pé de feijão. Ao chegar lá embaixo, pede a mãe um machado e corta a árvore. Então o gigante cai com a árvore e morre.
João e sua mãe vivem felizes com a fartura proporcionada pela galinha dos ovos de ouro.
Um exercício de interpretação...
Essa história fala do encontro interior de cada um de nós, de nossa busca espiritual. Um caminho arriscado, que pressupõe aposta, que envolve medo, coragem, ousadia, mas também proteção divina. Um final feliz que só depende de si mesmo e sua vitória sobre o homem-velho, seu monstro interior.
João sai da casa, sem a mãe: é o passo do livre-arbítrio. O início da maturidade, o momento em que fazemos nossas próprias escolhas e podemos nos libertar do paradigma imposto pela família e pela sociedade, pelas convenções vigentes.
O sacrifício da vaca é um momento crucial: é ela quem me dá o sustento, sem ela como sobreviverei? Simboliza o medo do jovem sem a mãe, sem a estrutua emocional herdada da família, da sociedade. É também a zona de conforto.
O homem estranho, vendedor de feijões mágicos é o caminho espiritual, sempre visto com enorme desconfiança por parte do nosso ceticismo. Sempre a figura do prestidigitador a nos iludir.
Mas a criança inocente que há em nós aceita os feijões. Assim, cada um traz dentro de si a vontade de crer, a boa vontade para ir além do materialismo.
No entanto, João enfrenta a reprovação da mãe. É a reprovação da sociedade que mata, queima, crucifica aqueles que saem dos padrões.
E o pé de feijão se mostra real. Ao menos para ele. Nada garante que esse momento não é um sonho, uma visão interior, uma vez que só o menino sobe e não há referências a mãe nesse momento da história. Ao contrário, a mãe só reaparece ao final.
Um mundo real se apresenta. O mundo com o colorido da nova fé. Vai ao céu. Se encanta. É acolhido numa casa imensa. Recebido e protegido por um mulher: símbolo do acolhimento feminino, proteção. Não há caminho espiritual de solidão, sempre há uma entrega a um poder superior de onde se recebe a graça que o acompanhará no caminho crucial de vitória sobre o monstro-gigante. João não está só, conta com amparo do mais alto.
A galinha dos ovos de ouro: os rios de água viva, a fonte da eterna juventude, o fim do sofrimento, a promessa de todas as religiões. Existe mas está aprisionada pela figura do Gigante, o ego, a gula, representando nosso homem-velho (da tradição cristã) a ilusão (maya no hindu).
João age com astúcia e fé em busca da vitória sobre o inimigo. Ao estudar os movimentos do gigante (autoconhecimento), espreita-o, e age de forma a não se deixar maltratar por ele novamente (algumas versões contam que o gigante, no passado, havia matado o pai de João).
E, ao fim, corta o pé de feijão, destruindo definitivamente o gigante, alcançando o estado de bem aventurança, a emancipação espiritual, a vitória sobre o sofrimento, a felicidade esperada, a espontaneidade do bem, não mais afetado pelo domínio do mal.

Interessante que corta a árvore também. Depois que se chega, não é preciso mais caminho. É o fim das religiões, das normas, das palavras, que se antes serviram para iniciar o caminho, mantê-las seria aprisionamento. É o silêncio dos místicos, o amor sem fronteiras dos santos.

Que todos sejam felizes!
paz!

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Bruxos que abrem vastidões


Cada vez que acontece de eu me deixar afetar pelos amigos que a vida me trouxe, sinto vastidões se abrindo dentro de mim, novos insights, compreensões que me trazem cada vez mais abertura para o outro.
Todos trazem a Divindade.
Todos tem um pouco de bruxo.
Todos ensinam.
Pobre de mim... se preso a um rebanho.
Agora,
o segredo está em deixar-se afetar.
Isso tem a ver com escuta. Até que o Outro se revele.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Louvada Seja a Dança



Louvada seja a dança
porque ela liberta o homem
do peso das coisas materiais,
e une os solitários
para formar sociedade.

Louvada seja a dança,
que tudo exige e fortalece,
saúde, mente serena
e uma alma encantada.

A dança significa transformar
o espaço, o tempo e a pessoa,
que sempre corre perigo
de se desfazer e ser ou somente cérebro,
ou só vontade ou só sentimento.

A dança porém exige
o ser humano inteiro
ancorado no seu centro,
e que não conhece
a obsessão da vontade de dominar
gente ou coisas, e que não sente
a demonia de estar perdido
no seu próprio ser.

A dança exige o homem livre e aberto
vibrando na harmonia de todas as forças.

Ó homem, ó mulher, aprenda a dançar
senão os anjos do céu
não saberão o que fazer contigo.

Santo Agostinho
(extraído do livro "Ensaios de Dança" da professora Cristina Marinho Rohr)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Virtudes dos professores


Eis um texto chinês antigo.
Será que ajuda a pensar a vida do professor hoje?
É possível formar professores dentro dessa perspectiva?

“Os antigos Mestres da vida
Eram profundamente identificados
Com as potências vivas do Cosmos.

Em sua profunda interioridade
Jaziam a grandeza e o poder
Da sua Dinâmica atividade.

Quem compreende, hoje em dia, esses homens?
Sábios eram eles,
Como barqueiros que cruzam um rio
Em pleno inverno;

Cautelosos eram eles,
Como homens circundados de inimigos;

Reservados eram eles,
Como se hóspedes fossem;

Amoldáveis eram eles,
Como gelo que se derrete;

Autênticos eram eles,
Como o cerne de madeira de lei;

Amplos eram eles,
Como vales abertos;

Impenetráveis eram eles,
Como águas turvas.

Impenetrável também nos parece
A sua vasta sabedoria.
Quem pode compreendê-la atualmente?
Quem pode restituir a vida
Ao que tão morto nos parece?

Só quem sintoniza com a alma do infinito!
Só quem não busca seu próprio ego,
Mas demanda o seu Eu real,
Mesmo quando tudo lhe falta.”


Texto extraído do Livro “Tao Te Ching”, de Lao Tsé, editora Martin Claret, página 53.