domingo, 26 de maio de 2013

Intimidade: conhecer e entregar


"Ouça sempre os seus próprios sentimentos não há necessidade de procurar ao redor. E ao observar as pessoas, você não pode ver exatamente o que está acontecendo a elas porque o rosto delas não expressa a realidade delas, assim como o seu rosto não expressa a sua realidade. A aparência exterior delas não expressa o interior delas, assim como a sua aparência externa não expressa o seu interior.

Esta é toda a hipocrisia da sociedade - não mostrar o seu interior, o seu âmago, a sua verdadeira face. Esconda-a. Mostre-a apenas a alguém que seja muito íntimo e que irá entender. Mas quem é íntimo? Até mesmo as pessoas que se amam não mostram o seu rosto um ao outro. Porque ninguém conhece ninguém, nesse momento alguém é uma pessoa amada, no momento seguinte pode não ser. Assim, cada pessoa torna-se como uma ilha, fechada.
(...)
A palavra intimidade deriva de uma raiz latina intimum. Intimum significa a sua interioridade, o seu ponto mais íntimo. A menos que tenha alguma coisa ali, você não pode ser íntimo de ninguém. Você não pode liberar o intimum, a intimidade, porque o outro verá o buraco, a ferida e o pus vazando dela. Ele verá que você não sabe quem você é, que você é um louco, que você não sabe para onde está indo. Que você nem sequer ouviu a sua própria canção, que a sua vida é um caos que ela não é um cosmo. Daí o medo da intimidade.

Até mesmo as pessoas que se amam raramente se tornam íntimas. E apenas ter relações sexuais com alguém não é intimidade - o orgasmo genital não é tudo que existe na intimidade; ele é só a periferia dela. A intimidade pode estar nele ou existir sem ele. A intimidade é uma dimensão totalmente diferente. Ela é a permissão para o outro se aproximar de você, ver você como você se vê - deixar que o outro veja você de dentro de você, convidar alguém a ir ao ponto mais fundo do seu ser. No mundo moderno, a intimidade está desaparecendo. Até mesmo as pessoas que se amam não são íntimas. Atualmente, amizade é apenas uma palavra; ela desapareceu. E qual a razão disso? A razão é que não há nada a compartilhar. Quem quer mostrar a própria pobreza interior? O que se quer é fingir: "Eu sou rico; eu cheguei lá; eu sei o que estou fazendo; eu sei para onde vou."

trechos extraídos do livro "Intimidade: como confiar em si mesmo e nos outros", de Osho, capítulos "Ouça a si mesmo" e "Seja visto".

Paradoxos do Sexo e do Amor


Eis alguns trechos do livro "Eros e Repressão: amor e vontade" de Rollo May.

"Por mais que banalizemos o sexo em romances e peças teatrais, ou nos defendamos de sua força, graças ou ao ceticismo ou à frieza, a paixão sexual permanece alerta, surpreendendo-nos desprevenidos a qualquer momento, provando ser ainda o mysterium tremendum.
(...)
O vitorianos não queriam que ninguém soubesse de seus impulsos sexuais; nós nos envergonhamos se não os temos.
(...)
O homem ou a mulher da época vitoriana, quando bem educado, sentia remorso caso experimentasse prazer sexual; hoje em dia julgamo-nos culpados se não o sentimos.
(...)
O que não enxergamos em nosso liberalismo míope com relação ao sexo foi que lançar o indivíduo a um oceano ilimitado de livre escolha não proporciona por si mesmo liberdade. Pelo contrário, é capaz de aumentar o conflito interior.
(...) na nova ênfase sobre a técnica sexual e amorosa o tiro sai pela culatra. (...) existe um relacionamento inverso entre o número de obras de ensinamento prático saídas das gráficas de uma sociedade e o volume de paixão sexual, ou mesmo prazer, experimentado pelas pessoas que as leem.
(...)
Quando deixamos de lado toda a confusão de papéis e desempenho o que permanece é o seguinte: a importância da simples intimidade no relacionamento - o encontro, a crescente excitação que se ignora até onde levará, a afirmação e a doação de si mesmo - tornando memorável o encontro sexual.
(...)
É estranho que em nossa cultura o que constitui a trama de um relacionamento - o partilhar de gostos, fantasias, sonhos, esperanças de futuro e temores do passado - torne as pessoas mais tímidas e vulneráveis que o simples ato de irem juntas para a cama. Desconfiam mais da ternura que acompanha a nudez psicológica e espiritual do que a nudez física da intimidade sexual.
(...)
Em nosso novo puritanismo, má saúde está equacionada com pecado. O pecado significava ceder aos impulsos sexuais; agora significa não encontrar plena expressão sexual. O puritano contemporâneo afirma ser imoral não manifestar a libido. (...) Antigamente a mulher sentia remorsos quando ia para a cama com um homem; agora sente-se vagamente culpada se, após alguns encontros, ainda se nega; seu pecado é 'recalque mórbido', 'recusa de doar-se.'
(...)
Os vitorianos procuravam o amor sem envolvimento sexual. O homem contemporâneo procura sexo sem amor.
(...)
O uso do sexo para provar a própria potência (...) tem conduzido a uma ênfase mais acentuada na habilidade técnica. E observamos aqui um estranho padrão que se anula a si mesmo: a excessiva preocupação com a técnica sexual está correlacionada com a diminuição da sensibilidade sexual. (...) Procurar sentir menos para sair-se melhor!"

trechos extraídos do capítulo 2, Paradoxos do Sexo e do Amor

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Sobre o amor romântico - Jurandir Freire Costa



O amor romântico, portanto, como qualquer emoção humana, não é feito só de virtudes. Ele carrega um potencial de individualismo e preocupação obsessiva com o próprio bem-estar que pode nos tornar absolutamente indiferentes a tudo e a todos ao redor. 

Não se trata, é óbvio, de “reprovar o amor” ou os que pretendem dedicar a vida à realização amorosa; trata-se de mostrar que esse objetivo não está além do bem e do mal. Existe uma grande diferença em afirmar que o amor romântico é um estado afetivo que pode nos fazer muito felizes e que, por isso, pode ou deve ser buscado por quem de direito e apresentar o romantismo como uma obrigação moral universal. No último caso, fazemos de uma possibilidade, necessidade e reforçamos a crença de que todos os que não conseguem amar, no código do romantismo, são pessoas fracassadas, frágeis, insensíveis, “não resolvidas”, do ponto de vista psicológico. 

O amor romântico, repito, é uma emoção mundana, comprometida, entre outras coisas, com valores estéticos e morais diretamente ligados a interesses de classe social, situação econômico-cultural e preconceitos raciais, sexuais ou religiosos dos amantes. Longe de ser uma emoção pura, inocente ou “divina”, o romantismo amoroso é uma busca de satisfação sexual e sentimental nem mais nem menos legítima do que outras às quais damos as costas por que estamos empenhados, dia e noite, em amar e ser amados. 

O problema, em meu entender, não é conceber “um mundo sem amor”, coisa que julgo inimaginável, mas observar como funciona “um mundo com amor”, ou melhor, um mundo hipnotizado pela obsessão amorosa. Um mundo sem amor é uma conjectura a ser explorada, no melhor dos casos, pela ficção científica; um mundo que gira em torno do amor é uma realidade palpável para os que pertencem às classes privilegiadas das sociedades ocidentalizadas. Esse mundo está muito distante do “mundo-cor-de-rosa” da publicidade hollywoodiana. É um mundo, ao contrário, muitas vezes soturno, triste, deprimido, belicoso, voltado para expectativas que redundam em ciúmes destrutivos, possessividade compulsiva, ódios, ressentimentos, violências contra os ex-parceiros, sentimentos de derrota, mesquinharias em disputas econômicas, vilanias na manipulação de familiares, menosprezo dos que são batidos nas disputas amorosas etc. 

O culto irrefletido ao amor romântico é verdade, pode nos levar aos céus do êxtase apaixonado. Mas também pode nos fazer viver, de modo quase permanente, no inferno de uma vida sem alegria, dilacerada pela falta de sentido e de esperanças. Assim, não se trata de mudar o amor porque não se pode mudar o mundo; trata-se de mudar o mundo e ver como podemos mudar nossos modos de amar. Da mesma forma que, ao longo da história, fomos capazes de mudar nossas concepções de justiça, igualdade, liberdade, fraternidade, amizade, amor a Deus, responsabilidade paternal, usufruto da sexualidade, compromisso com o outro etc., podemos, igualmente, experimentar formas de amor que sejam mais satisfatórias. Nem tudo na vida depende de nosso desejo, esforço ou boa vontade, mas muitas coisas dependem da confiança que temos em nosso poder de alterar estados de coisas que podem ser mudados pela forma com que aprendemos a percebê-los, interpretá-los e vivê-los. 

Jurandir Freire Costa, no livro "Razões públicas, emoções privadas" p. 133 e 134 (capítulo em que se dedica a responder questões apresentadas sobre seu outro livro: "Sem fraude, nem favor: estudos sobre o amor romântico")