sábado, 10 de novembro de 2012

Esses momentos de Liberdade - com Virginia Woolf


O que é liberdade?

Infinitas discussões filosóficas e apreensões espirituais são possíveis.

Hoje, trago um breve trecho de nossa incrível romancista Virginia Woolf, de seu livro Mrs. Dalloway, para breves comentários.

Um dos personagens Peter Walsh, em suas andanças por Londres, quando se dá conta que quase ninguém sabe que ele está na cidade entra num estado de espírito de profunda liberdade:

"(...) uma irreprimível, uma esquisita alegria; como se, dentro do seu cérebro, uma estranha mão corresse cortinas, escancarasse janelas e portas, e ele, sem nada ter com isso, se visse à entrada de intermináveis avenidas, por onde poderia vagabundear, se lhe aprouvesse. Fazia anos que não se sentia tão jovem." V.Woolf, Mrs Dalloway, p.53-4

Liberdade aqui é essa abertura de andar sem caminhos fixos. Andar sem meta. Estar na vida sem uma meta predefinida. Esse estado raro de abertura à vida é liberdade. 

Mas vemos que isso é algo raro e muito difícil de se alcançar. No texto, Virginia fala quase que de uma intervenção no cérebro, uma mão que abrisse cortinas. Linda imagem!

E depois prossegue:

"Tinha escapado! estava completamente livre - como acontece em todos os despojamentos, quando o espírito, como uma chama desabrigada, inclina-se, curva-se e parece que já vai espraiar-se fora do seu âmbito. Há anos que não me sinto tão jovem! pensava Peter, deixando (apenas por algumas horas, naturalmente) de ser exatamente o que era, sentindo-se como um menino que corre porta afora e vê, enquanto vai fugindo, a sua velha ama a chamá-lo." V.Woolf, Mrs Dalloway, p.54

Há muito o que comentar aqui. 

Primeiro a relação de liberdade com despojamento do espírito.
Ou seja, o estado de liberdade precisa de um despojar-se, ou seja, um sair de si, um desistir de todos os objetivos e metas traçados pelo espírito. É uma atitude de entrega. Esse é, na verdade, o objetivo da vida dos yoguins (hindus) ou mesmo do homem do Tao (taoísmo), é um deixar que se faça a Outra vontade, que não a minha. Esse (des)controle é expresso na imagem da chama, que tende a se espalhar. Belíssima imagem.

Em segundo lugar, a relação com a juventude, que aparece nos dois trechos. O estado de liberdade é esse estado de jovialidade em que tudo é possivel, ou seja, estou aberto a todas as possibilidades que a vida traz. E eu deixo de ser quem eu sou, para ser um outro-eu, livre de mim mesmo.

Em terceiro lugar, os limites desse estado. Há o limite do tempo. Virgínia reconhece que isso se dá somente por algumas horas. Em alguns casos isso se dará por menos tempo ainda. Nos mais neuróticos isso se dá somente em alguns segundos, e ainda assim, com uma imensa sensação de culpa. 

Outro limite é visto na dimensão da liberdade em contraposição ao aprisionamento. É a 'liberdade de', diferente da 'liberdade para'. Psicologicamente, o estado de liberdade é tão intenso e assustador, que ele tende a se manifestar no confronto àqueles que nos aprisionam (no caso, a ama, em seus registros infantis).

Bom, ainda comentando nossa Virginia. Há de se ler e viajar com ela. Porque em sua obra percebemos que a verdadeira liberdade apreciada é a liberdade de pensamento. Liberdade de imaginar situações. Possibilidades de vidas paralelas. Tudo na vivência do pensamento, como nesse trecho entre Clarissa e Peter (seu amor de juventude com quem ela não casou):

"Leva-me contigo! pensou Clarissa num impulso, como se ele fosse partir imediatamente para uma longa viagem; e, no instante seguinte, foi como se tivessem passado os cinco atos de uma peça excitante e movimentada, nos quais ela tivesse vivido toda uma vida e fugido, vivido com Peter, e tudo agora estivesse terminado." Mrs Dalloway, p. 49.

O pensamento é como um macaquinho pulando de galho em galho, frase de Buda, que me foi lembrada pela professora Alice (quem me indicou o livro). Pois é, se assim for, ler Virginia é acompanhar uma macacada pela floresta. E muita ilusão, atrás de ilusão Ah, Virgínia, que dor! Se você meditasse, não teria produzido o que produziu (e talvez não teria cumprido sua tragédia).

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