sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O espinho na carne


"Para impedir que eu me exaltasse por causa da grandeza dessas revelações, foi-me dado um espinho na carne, um mensageiro de Satanás, para me atormentar." 2 Coríntios 12:7

Desde o início de meu caminho espiritual tive contato com esse relato de Paulo de Tarso.
Em sua carta ele vem falando de grandes revelações, grandes feitos espirituais. Fala de um homem que foi levado aos céus, no corpo ou fora dele, não se sabe, e ouviu maravilhas, palavras inefáveis, que não é lícito aos homens repetir.
E essas vivências são mesmo muito especiais, muito bonitas. São o prazer celeste que na vida, podemos experimentar de forma muito rara.

Quando começa a nossa prática espiritual, especialmente quando nos reunimos para vivenciar o amor, e antegozar um mundo melhor, nossa felicidade é imensa.
Isso acontece quando nos unimos nos trabalhos pela fraternidade, nos encontros e retiros que fazemos em grupo, e mesmo, em alguns momentos de oração pessoal.
E então nos sentimos cheios de força, plenos do poder do amor (cheios da Graça, para usar uma expressão tradicionalmente cristã) e ficamos questionando por que o mundo ainda não é melhor, com mais compreensão, mais amor, mais amizade.

Nos sentimos separados do mundo. Nós, felizes, potentes, no caminho da santificação, eles, sofredores, fracos e perdidos.
E aí, eis que de repente nos abatem os males da alma.
Tristeza, angústia, uma inadequação ante ao mundo, a perda súbita de sentido, o vazio, os desejos sensuais que parecem nos emaranhar de volta a materialidade da vida. E parece que voltamos atrás. É como se nada do que alcançamos tivesse valor.

Nessa hora dá vontade de desistir de tudo. Entramos em crise.
Como tudo é tão transitório, o bem de ontem já chegou ao fim e eis-nos de volta a roda do sofrimento. O sofrimento interno.

Nessa hora precisamos buscar ajuda junto aos mestres espirituais, aqueles que trilharam o caminho espiritual e podem iluminar a estrada.
E foi nesse contexto que encontrei Paulo de Tarso. E ele nos diz de um espinho na carne.
E compreende essa volta da dor, como um gesto de misericórdia de Deus.

Porque não somos só luz, temos ainda sombras em nós. (Daí a ação de Satanás, na linguagem de seu tempo). E quando caminhamos para a luz, eis que as sombras aparecem. E isso é bom, e devemos nos alegrar. Porque é sinal de que estamos caminhando no rumo certo e porque é assim que evitamos cair no maior dos riscos: a vaidade espiritual.

É justamente para evitar que eu caia na vaidade de me achar já muito elevado e evoluído que ele permite que eu experimente minha real condição. Para que não me julgue à frente de meus irmãos eis que o Senhor se compadece de mim, e permite essa tortura, essa angústia que é viver a tristeza. E toda a confusão se instala em mim novamente. E me percebo igual a todos. Não sou melhor do que ninguém.

"Não julgueis para não serdes julgados" (Mateus 7,1)
E a continuidade é: "pois com a medida com que medirdes, sereis medidos." (Mateus 7,2)

Portanto, podemos compreender o verdadeiro sentido de seguir o Cristo.
É compreender na minha dor, a dor do mundo.
Em minha angústia, o vazio de sentido de todas as pessoas que sofrem.
Vivo, e o mundo inteiro vive em mim.
Eis a comunhão, a compaixão plena.
Aceito a dor, para me irmanar aos meus irmãos.
E quanto mais luz, mais escuridão.
Quanto maior a altura, mais me rebaixarei.
Quanto mais experimentam Deus, mais vazios se sentem.
Isso relatam os místicos, que nos inspiram a continuar seguindo a trilha.
Estão morrendo para si mesmos (é a morte do ego).
Para renascer no Outro (é a vida do Self).
É nessa grande contradição que vivemos em busca.
Uma busca infinita até que se realize a plena comunhão, a iluminação.
Que Paulo expressou assim:
"Já não sou eu quem vive, é o Cristo que vive em mim" (Gálatas 2,20)

Que você continue a seguir o Mestre, certo de que :
"Aquele que perseverar até o fim será salvo" (Mateus 24,13)

4 comentários:

  1. Carregamos em nós, ainda, a possibilidade do espinho nos ferir na carne. E você já o disse: é necessário, por ora - até não sei quando -, que assim o seja. Considerando que "ninguém chuta um cachorro morto..." alegremo-nos: estamos vivos no caminho, e à caminho.

    Henrique Silva

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  2. Oi André, eu tenho me alegrado em observar as coisas inadequadas em mim. Percebo aí uma ferramenta, uma forma de ter a rédea do que vou melhorando. Perceber que jamais retornarei a certos desvios. A dor costuma vir da autopiedade, quando dramatizo minha condição. Poder ser feliz por estar a caminho, diminuindo percentuais de vaidade, controlando a ansiedade. Se a gente consegue no meio da crise saber que ela vai passar... Isso é uma certeza. E então herdamos momentos mais felizes, renovados. beijinho

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  3. Obrigada por expressar tão perfeitamente as nossas limitaçoes, meu amigo, meu filho, meu pai, meu irmão...Paz em nossos coraçoes.

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