quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Exu e o autoconhecimento


Lendo os mitos que compõem a tradição do Candomblé, percebemos como são ricos e como expressam nossos sentimentos, desejos, nossas características bem humanas. Falam daquilo que temos escondido. Por essa razão, conhecê-los é um excelente meio de trilharmos o conhecimento de nós mesmos.
Eis aqui um exemplo, uma história que fala sobre Exu, vejamos como fala de nós mesmos e como nos orienta em nosso caminho espiritual.

"Exu era o filho caçula de Iemanjá e Orunmilá,
irmão de Ogum, Xangô e Oxóssi.
Exu comia de tudo
e sua fome era incontrolável.
Comeu todos os animais da aldeia em que vivia.
Comeu os de quatro pés e comeu os de pena.
Comeu os cereais, as frutas, os inhames, as pimentas.
Bebeu toda a cerveja, toda a aguardente, todo o vinho.
Ingeriu todo o azeite-de-dendê e todos os obis.
Quanto mais comia, mais fome Exu sentia.
Primeiro comeu tudo de que mais gostava,
depois começou a devorar as árvores,
os pastos, e já ameaçava engolir o mar.
Furioso, Orunmilá compreendeu que Exu não pararia
e acabaria por comer até mesmo o Céu.
Orunmilá pediu a Ogum
que detivesse o irmão a todo custo.
Para preservar a Terra e os seres humanos e os próprios orixás,
Ogum teve que matar o próprio irmão.

A morte, entretanto, não aplacou a fome de Exu.
Mesmo depois de morto
podia-se sentir sua presença devoradora,
sua fome sem tamanho.
Os pastos, os mares, os poucos animais que restavam,
todas as colheitas, até os peixes iam sendo consumidos.
Os homens não tinham mais o que comer
e todos os habitantes da aldeia adoeceram
e de fome, um a um, foram morrendo.
Um sacerdote da aldeia consultou o oráculo de Ifá
e alertou Orunmilá quanto ao maior dos riscos:
Exu, mesmo em espírito, estava pedindo sua atenção.
Era preciso aplacar a fome de Exu.
Exu queria comer.
Orunmilá obedeceu ao oráculo e ordenou:
"Doravante, para que Exu não provoque mais catástrofes,
sempre que fizerem oferendas aos orixás
deverão em primeiro lugar servir comida a ele".
Para haver paz e tranquilidade entre os homens,
é preciso dar de comer a Exu,
em primeiro lugar.

(Transcrito do Livro Mitologia dos Orixás de Reginaldo Prandi).

Começando algumas interpretações:
1- Exu fala da nossa fome insaciável, fala de nossos desejos sem fim. Em nossa tentativa de esconder esses desejos seremos sempre mal-sucedidos pois ele sempre pedirá atenção.
2- Se não reconheço meus desejos (minhas tendências), por mais que tente buscar grandes realizações, não conseguirei evitar a catástrofe.
3- Em nosso contato com a Divindade é preciso antes de tudo olhar e atender as cobranças do eu interior mais profundo. Isso me lembra a frase do Sermão da Montanha, em Mt 5: "Se estiveres, no entanto, para trazer a tua oferenda sobre o altar e lá te lembras que um irmão teu tem algo contra ti, deixa lá a oferenda, diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão, e então, vindo, faz a tua oferta."
4- Qual a relação entre a fome de Exu e a fome no mundo? Será que para resolvermos o problema da fome mundial, temos que olhar para a estrutura de desejos que o capitalismo produz?

paz!

4 comentários:

  1. Adorei a história. Com certeza com muitas interpretações.

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  2. Muito bom André... gostei da reflexão...

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  3. olha so andre um exu batendo cabeça ► 4:52► 4:52
    www.youtube.com/watch?v=dGheJD7jEVY

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  4. olha so andre um exu batendo cabeça ► 4:52► 4:52
    www.youtube.com/watch?v=dGheJD7jEVY

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