segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A democracia como valor no trabalho social


Diz Gandhi: "O fim é o meio."

Quando fazemos um trabalho social partimos de valores, princípios, dos quais não podemos abrir mão. Um deles é o da democracia, que tem a ver com o respeito a dignidade humana, que tem a ver com o processo de decisões participativo, que tem a ver com humildade em nossos posicionamentos: todos podem ter grandes idéias.

Quando se trata em respeitar a dignidade da pessoa humana precisamos ser radicais.

Não é porque somos democráticos que vamos tolerar tudo. O desrespeito é intolerável.

Em nosso trabalho na rua, temos lutado para trabalhar assim. É trabalhoso. Envolve uma série de impedimentos de nossa cultura.

Ao dar um simples café da manhã para moradores de rua podemos simplesmente dar o café, ou podemos estabelecer uma relação cujos valores democráticos estejam presentes. Aí educamos para a cidadania, para o tempo do direito e da dignidade humanas. Tempo este que estamos ajudando a chegar logo.

Lembro quando começamos, há 4 anos...

Quem está rua tem uma enorme dificuldade em aceitar regras. Então a distribuição era muito tumultuada. Aí abríamos o bate-papo e os companheiros faziam sugestões. "Só recebe quem está sentado" - fizemos assim. "Use uma ficha para cada pessoa, tipo senha" - também implementamos essas idéias. Funcionou! O grupo fica mais calmo, o ambiente mais agradável. Claro que sempre tem um que chega e não quer saber de regras, mas não é que a democracia é um processo pedagógico de compreensão e respeito as regras?

Temos aprendido muito nesses anos.

Quando erramos, aí é que dá certo. Porque é aí que nos esforçamos para inovar os métodos de trabalho. O espírito democrático exige a abertura a natureza dinâmica da interação humana, senão vira ditadura.

Hoje aconteceu de novo: erramos. Quem bom! Vamos melhorar...

Manhã nublada: frio e fome. Éramos cerca de 70 pessoas (hoje o grupo estava menor), uns 40 interessados em receber roupas novas. Seguimos o conselho dos companheiros da roda de bate-papo e começamos a usar a ficha para distribuir a doação de roupas. As pessoas não entendiam, ficavam em torno das roupas e nós querendo que as pessoas sentassem e esperassem ser chamadas pelo número da ficha. Não estava fluindo. Quase apanhei. Aí tivemos que intervir, exigindo que todos sentassem para poder continuar. É a hora do uso da força (estamos aprendendo que democracia exige força, liderança e disciplina).

Precisavam confiar no grupo. Saber que não tinha ninguém passando a frente deles. Aí, depois de muito tempo e alguns desentendimentos, funcionou.

Ao final, todos avaliamos. Assim é melhor. Todos concordaram.

E assim vamos em frente.

Sinto, a cada dia, que temos feito algo mais do que distribuir roupas e alimentos. Temos trabalhado valores democráticos.

Um dia, as pessoas não vão mais se acotovelar para obter as coisas. Não haverá mais bens jogados avanço. Todos terão direito. Haverá paz. Haverá organização e justiça. Poderemos confiar nos processos de decisão, haverá transparência nas regras, os líderes seguirão princípios éticos radicais (sem jeitinhos e incoerências). Até lá vamos começando nos pequenos espaços de socialização. O fim é o meio: se sonhamos com uma sociedade democrática, sejamos democráticos hoje.

Se fosse só dar comida e roupa teríamos parado há muito tempo. Seria fácil trazer umas roupas, um lanche, deixar o pessoal se batendo para obter o pouco que nos sobra e sair satisfeito por ter ajudado a alguém, mesmo deixando um sentimento de injustiça no coração de todos os que não receberam.

Somos em média 130 pessoas toda semana. Vamos persistir no bem, nos valores democráticos e no respeito aos olhos de cada um. Quem quiser tumultuar, vai se afastar naturalmente. Mas quem quiser sinceramente servir, fazer sua parte, vai permanecer. O bem é mais forte.

Nosso trabalho é aprender a conviver. E seguimos na esperança de que um dia, a Terra inteira vai conviver melhor.

paz!

3 comentários:

  1. É engraçado como ao mesmo tempo que nos assustamos e recriminamos os moradores de rua que se acotovelam atrás das roupas e alimentos, somos nós mesmos que nos acotovelamos, todos os dias... no sinal de trânsito, na fila do caixa, na busca por um assento do metrô, e até mesmo, por inacreditável que pareça, em eventos de um centro espírita.

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  2. gostei muito e gosto muito dessa forma que você relata que você vai relatando com humildade os erros que são cometidos mas também como vocês procuram aprender com esses erros para ir desenvolvendo o trabalho
    Ângela

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