quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Autoeducação com adolescentes


Não vou escrever agora um livro sobre educação de adolescentes. Bem que seria possível. Mas nesse momento vou compartilhar umas reflexões a partir de uma experiência que estou vivendo.

Me interesso por educação porque me interesso pelo mundo interior do ser humano.
Me interesso pelas relações.
E tento entender como que, no encontro, pode haver aprendizado.
Educação é um caminho de desenvolvimento dos nossos potenciais.
É uma caminhada por uma maior integração humana.
Um ser humano integrado, num mundo tão cheio de dualismos, é um verdadeiro milagre.
Somos, como dizia Campbell, o herói na trajetória de busca por si mesmo...
E essa é a nossa busca para sair desse labirinto das contradições humanas...

E é nessa minha caminhada de autoeducação que acompanhar um adolescente está sendo de grande ajuda. Espero que para os dois.

Vamos ao fato.
A mãe está tentando fazer o filho de 11 anos voltar a frequentar a escola e sair do vício do uso do computador.
Ele deixou de ir a escola (uma série de motivos, não cabe aqui entrar no caso completo dele) e passava o dia inteiro trancado no quarto, usando o computador, sem querer ver ninguém.
A mãe desesperada está procurando ajuda profissional e está começando a retomar as rédeas da situação.

Comecei a ficar com ele alguns dias no período em que a mãe determinou que ele teria de ficar sem computador. De quatro as seis da tarde.
Tem sido muito interessante. Um verdadeiro aprendizado.
"O que você está fazendo aqui? Vai embora! Eu não quero ver ninguém! Eu te odeio! Nunca mais saio com você. Nunca mais quero te ver!" Você já ouviu coisas assim? Quem tem filho adolescente sabe que isso é normal.

Mas o que o adolescente precisa é: regras claras. E de uma autoridade que garanta o cumprimento das regras.
As regras são importantes porque são impessoais.
O erro mais comum dos pais ao lidar com adolescentes é não ter regras claras.
E querer mandar.
"Agora você vai fazer isso! Pronto e acabou". São excessivamente autoritários.
Ou, "tá bem, pode, mas só um pouco. Deixa mais um pouco. Não. Só mais um pouquinho. Tá bem." São excessivamente flexíveis.

Tudo que o adolescente precisa (e testam os adultos nisso) é de autoridade coerente. Por isso regras. Elas são impessoais. E muitas regras podem ser combinadas, discutidas, mudadas, adaptadas, após os momentos de diálogo.
Então comecei sendo bem rígido com a regra. Não pode ficar no quarto. Ele aceitou de bom grado. Só vai voltar no horário combinado. Ele concordou. Não pode andar sozinho pela rua. Depois de um atrito a respeito disso, aceitou.
E assim, estabelecendo regras com rigidez, ele se adaptou e pudemos conversar sobre suas dificuldades, seus desafios. Temos comido pizza, ido ao cinema... sinto que ele gosta de ter, junto com a autoridade do disciplinador, a afetividade e o calor de um adulto que se preocupa com ele.
Disciplina e afeto.
Eis o segredo.
É simples.
Mas o aprendizado disso não pode ser meramente teórico, precisa ser vivido.
E por isso é um caminho.
Achar a dose certa.
E as coisas de dentro da gente vão se desvendando.
O meu desafio como educador e adulto é ouvir suas reclamações, seus xingamentos e manter a calma. Entender que sua agressividade é um mecanismo de desenvolvimento de sua identidade. Não levar para o lado pessoal. Está com raiva porque eu sou a autoridade que o está frustrando. Daqui a pouco ele volta a sentir-se meu amigo e a gostar de me ter como apoio para refletir suas questões.
E mesmo quando ele lança sobre mim suas ofensas, posso impor alguns limites, do tipo, não fale assim comigo, não precisa falar palavrão. Mas acho que quando ele diz: eu te odeio!, preciso respeitar porque ele está expressando seu sentimento. Já vi muito adulto se ofendendo por quase nada e discutindo igual criança com os adolescente. Isso não ajuda.
Bom, sinto que se sou um adulto equilibrado, há um bom senso nessa relação de respeito ao outro e o respeito por si mesmo.

Hoje por exemplo, acho que exagerei.
E aprendi algo sobre mim mesmo.

Estávamos caminhando.
Iríamos a uma livraria passar parte do tempo que ele teria que estar na escola. Como saiu mais cedo (fase de adaptação sugerida pela psicóloga da escola) a mãe combinou que ele ficaria comigo até o fim do tempo que ele estaria na aula. Hora de escola é para estudar! - disse a mãe. Adorei! A mãe está sendo ótima, tendo ótimas soluções para essa fase dele.

E no caminho eu propus como desafio que ele achasse o caminho da livraria. Ele já havia estado na livraria outras vezes, mas sempre conduzido pela mãe.
No fundo eu queria que ele pedisse informações às pessoas (para sair do seu casulo).

Então ele achou uma solução muito interessante. Ele se lembrava que a livraria ficava perto da avenida principal do centro da cidade e que esta era a única avenida com prédios altos. Olhou para o alto e viu alguns prédios altos, segui-os e encontrou o caminho. Achei simplesmente genial. Uma solução muito original. E nisso fomos olhando os prédios e ele fazendo comentários sobre a arquitetura, um de seus interesses. Fiquei feliz com a atividade. Estava sendo um sucesso.

Chegamos num ponto bem próximo da livraria.
Mas ele não conseguia chegar.

Comecei a sugerir que ele perguntasse às pessoas, que ele pedisse informações.
Mas ele se recusou.
Disse que não queria. E num momento admitiu que sentia vergonha.
Eu o pressionei (aqui acho que exagerei) sugerindo: "pergunta pra esse moço, pra essa senhora".
No final ele se desequilibrou emocionalmente, e disse que não aguentava mais. Percebi sua angústia.
Eu acabei perguntando às pessoas na rua, na esperança de mostrar para ele que não é nenhum bicho de sete cabeças. E assim, chegamos a livraria, onde estava sua mãe nos esperando.
Mas não sei se ele aproveitou a lição, porque estava com muita raiva de mim.
Claro que nada é perdido. Ele ficou diante do desafio de encarar a frustração. Creio que seja esse um dos temas pelos quais está evitando o convívio.
Mas eu fico pensando que eu poderia ter deixado ele sair vitorioso dessa.
Eu poderia ter mudado a brincadeira.
Refletindo mais tarde concluí que poderia ter feito a brincadeira de quente-frio e terminado o nosso encontro de uma forma amigável. Com vários sucessos.

E aí fiquei pensando onde posso melhorar como educador.
Entendi que ser adulto, e ser educador, é sim lançar desafios, mas que é também perceber quando a criança e o jovem já estão no seu máximo (cognitiva ou emocionalmente) e conduzir as situações de forma que eles sintam-se vitoriosos, sintam- se capazes e estimulados a novos desafios. Acho que fui longe demais e demorei a flexibilizar o jogo, e ele se sentiu desmotivado e, possivelmente, frustrado consigo mesmo.

Fiquei pensando que na raiz da minha atitude estava uma intolerância, um homem irredutível, duro demais. E olhando mais profundamente, um traço infantil de personalidade (criança ferida) de alguém que precisa sempre vencer e para isso fazer os pequenos perderem. Por trás da violência dos adultos na relação com as crianças está esse jogo de poder.

Acho que olhar para isso com mais cuidado pode me fazer um educador melhor nas próximas vezes.

Claro que dessa experiência, como em todas as experiências da vida, o nosso jovem terá os elementos para que possa crescer.
Não há educador perfeito, como não há ser humano perfeito.

Mas, eu cá, preciso admitir meus tropeços e aproveitar o rico contato com eles e aprender sobre mim.

Estou aprendendo.

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