quinta-feira, 23 de julho de 2015

Minha experiência com Ana Thomaz


Meu primeiro contato com ela foi numa palestra numa casa em Santa Teresa, Rio de Janeiro. Fui a convite de uma amiga chamada Paula.

Aliás, antes de conhecer a Ana, foi necessário ter conhecido a Paula. De uma família de acadêmicos no meio das ciências sociais, ela não havia cursado o mestrado (e nem tinha interesse!) mas discutia educação de uma forma mais original e interessante do que os colegas que eu encontrara na UFF. Ela me indicou um livro (O Cálice e a Espada) sobre os primórdios da humanidade, uma civilização matrística, que antecedeu a sociedade patriarcal e ao falar com ela notei que a discussão sobre educação era uma discussão sobre o sonho de uma civilização mais livre e feminina. Sua casa era muito interessante porque eu fiquei logo à vontade sentado no chão, com um monte de brinquedos espalhados. Sua filha ao colo e ela me falava de manter a casa num ambiente adequado para a filha experimentar viver com mais autonomia. Poder escolher do que quer brincar e acessar os brinquedos de forma independente. Paula estava com vontade de educar a filha fora da escola e daí que a conversa sobre Ana Thomaz surgiu. Ana tinha tirado o filho da escola e faziam sucesso os vídeos que as pessoas postaram dela falando sobre desescolarização. E foi assim que um dia a Paula, uma mãe com ideias super interessantes sobre a forma de educar sua filha, me convidou para ouvir a Ana.

Na palestra em Santa Teresa, metade do tempo ela explicou sobre desescolarização, desmassificação, e respondeu muitas perguntas que as pessoas ansiavam saber do tipo: aspectos jurídicos de se ter uma criança fora da escola, como lidar se as crianças só quiserem jogar videogame, etc. A outra metade foi ainda mais interessante. Ela falou que seria uma vivência e então ensinou uns exercícios da técnica Alexander.

Ex-bailarina, era bom olhar o corpo da Ana em funcionamento. Transmitia uma espécie de segurança, uma vitalidade, uma coerência entre corpo, pensamento e fala tudo funcionando com muita naturalidade. Imagina, uma pessoa na frente de um grupo de pessoas que ela não conhece... e ela estava tão à vontade, sem aquela tensão do autocontrole... ela passava aquela impressão de que “está tudo certo, se algo der errado, é porque esse é o certo” essa confiança no Tao, daquilo que flui com naturalidade...

Fiquei com a impressão de que entregaria meu corpo inteiramente a ser trabalhado nas mãos dela. Seria minha professora de dança. Pena que ela não trabalha como professora mais, pensei.

Na vivência a conversa ia fazendo muito mais sentido, porque estávamos ali em grupo, trabalhando corporalmente algumas das realidades das quais ela se fundamentava para criticar o paradigma de uma sociedade escolarizada. Através de uns exercícios posturais, ela falava de re-humanização, que passava obrigatoriamente pela vivência de uma presença no aqui e agora, e dos aspectos emocionais que estar presente no aqui e agora significa. Emoção. “Somos seres emocionais que às vezes pensam”, dizia.

Os encontros com a Ana sempre têm a presença de mães, e as mães sempre com os filhos. Foi a primeira vez que fui num encontro entre adultos onde as crianças são bem vindas, não se precisou de um lugar à parte para elas (não tinha uma ‘escolinha’, o que é bem coerente com a ideia de desescolarizar). Mesmo as crianças sendo um pouco (às vezes muito) barulhentas, isso não atrapalhava o encontro. Pelo contrário, de algum jeito, Ana usa as crianças como elemento para explicar o que ela está falando. Ao falar da técnica Alexander mostra como as crianças têm naturalidade na postura e no movimento em contraste com a rigidez dos corpos dos adultos cheios de controle e repressões. E quando as crianças estão agitadas, aí é que o mais interessante acontece: Ana defende que uma vez que as crianças são muito maleáveis, suas emoções são reflexos das emoções dos pais e dos adultos.

Nessa hora havia uma criança que estava muito agitada. Até que em algum momento Ana conversou com a mãe e a mãe dizia que esse comportamento em público da criança a incomodava. Basicamente a mãe ficava com vergonha, sem saber o que os demais adultos estariam pensando. E sem saber se seria julgada como repressora demais ou desleixada demais.

A análise desses casos são recorrentes nos grupos da Ana. Porque, de fato, estamos discutindo sobre o nosso convívio com crianças e a nossa capacidade de incluí-las efetivamente nas relações.
A mãe então disse que isso a incomodava muito e contou que sua filhinha, por exemplo, fez muita bagunça e malcriação na festa junina da escola, indo para o meio da roda e levantando o vestido, deixando-a bastante envergonhada.
Ana perguntou se a mãe estava gostando da festa da escola.
A mãe disse que estava detestando toda aquela formalidade, aquelas convenções, achando tudo ridículo.
Ana sugeriu: será que se você pudesse você não faria a mesma coisa que sua filha¿ Entraria no meio da festa, fazendo um monte de bagunça¿
A mãe sorriu e concordou.
Todos sorrimos aliviados.

Estava ali uma verdade a nossos olhos.
“A sua filha só fez o que você estava com vontade de fazer mas estava se segurando. É o que as crianças fazem. Como elas não reprimem, captam nossa emoção e as expressam livremente.”

E, nesse exato momento, a menina se acalmou.

É incrível! Quem olha de fora acha que é algum tipo de encantamento ou magia.

Em outros encontros que estive com Ana presenciei a mesma coisa. Uma criança agitada. Ela pergunta aos adultos quem está com algum incômodo emocional. Alguma pessoa admite. Ela vai até a pessoa e conversa sobre a questão. A pessoa se trabalha (ou seja, compreende as causas, admite para si mesmo suas crenças, se aceita, faz-se uma meditação, etc) e, como numa passe de mágica, a criança que estava gritando, chorando, esperneando do outro lado da sala, fica calma, calma, como um anjinho.

É incrível! Uma sociedade desrepressora tem nas crianças uma grande fonte de inspiração.
É impossível mentir às crianças.
Elas leem nossas emoções.
Elas vivem emocionalmente a partir de si mesmas, sem disfarces.
Um mundo desescolarizado é um mundo que vive na verdade. Cada um centrado na sua verdade, na sua potência.
E sinto que o que a Ana Thomaz está vivendo é uma coerência interna. E estar diante das crianças e das pessoas nessa coerência é o trabalho permanente de não planejar nem disfarçar. Mas viver no presente, a partir de si, centrado na sua potência. Consciente das suas emoções.


É simples. Mas, numa cultura que complica tanto as coisas, o difícil é ser simples.

Um comentário:

  1. Gostei muito dos seus artigos André.
    Tomara que possamos conversar sobre estes temas quando você vier nos visitar.

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