segunda-feira, 29 de junho de 2015

As crianças e a morte - uma aula não planejada


Hoje mais uma vez na escola passei por uma daquelas experiências não planejadas.

Juro que dessa vez eu tinha planejado as atividades todas. Inclusive com várias turmas eu segui o planejamento.

Mas naquela turminha do terceiro ano as coisas sempre acontecem de forma diferente.

O plano era descer com a turma, passar por uma área com árvore, interagir um pouco com a árvore e depois ir para a quadra fazer umas atividades dirigidas de respiração, corpo e música, com dança de roda. Um trabalho que já fiz muitas vezes e sempre dá certo.

O fato é que saiu tudo muito diferente do que eu esperava.

Claro, se vamos observar a natureza não temos como saber o que a natureza quer nos mostrar.
E enquanto estávamos observando a árvore, eis que nos surge um casal de besouros gigantes em pleno ato sexual.
A criançada adorou, claro!

Fizemos algumas respirações mas é óbvio que o sexo dos besouros estava roubando a cena.

De repente: "olha tio, um passarinho morto aqui no chão"
Eu juro que passei ali na árvore antes e vi um besouro, mas solitário, e não havia nenhum pássaro morto. Ou seja, foi um presente totalmente dedicado às curiosas crianças dessa manhã.

Peguei o pássaro morto e todos queriam ver e tocar.

Parece planejado: as crianças em contato com o sexo e a morte, a origem e o fim da vida...

Com certeza é umas dessas aulas que ficam gravadas para sempre em suas mentes infantis.

De lá fomos para a quadra. E claro que não consegui fazê-las sentar em roda como tinha planejado.

Um grupo ficou jogando futebol, com uma bola improvisada de papel que fizeram ali mesmo. E outro ficou embaixo das goiabeiras sob a supervisão da professora.

Depois de um tempo em que fiquei ali atento as intensas relações emocionais e corporais dos meninos em torno do futebol... uma criança me chamou para ver o enterro do Bob.

Enterro do Bob? Pois é. Quando cheguei lá, elas já estavam fazendo uma cruz com gravetos. O passarinho, que ganhara o nome Bob, já estava enterrado. Folhas de caderno coladas nas pedras ao chão indicavam o nome e a data de falecimento do passarinho.

Ali estava um grupo de crianças velando e enterrando o passarinho.
Me aproximei com respeito e admirei a beleza da cena.

O chão com um pouco de matinho, uma tampinha vermelha de refrigerante, o crucifixo, a lápide de papel...


Crianças envoltas no afeto, no cuidado, no impacto emocional da morte.

Sim, comentamos a professora e eu, um pouco mais tarde, a aula mais uma vez não saiu como o planejado. Mas se saísse seria só mais uma aula a ser esquecida dentre tantas outras. Essa tocou em dimensões muito profundas. Essa é daquelas de que vão se lembrar.

E me tranquiliza perceber a espontaneidade das crianças. Sempre achei que me veria embaraçado ante os temas da vida e da morte sendo um professor ligado ao pluralismo religioso em tempos em que as crianças são vítimas tão fortes de fundamentalismos (chegam a dizer que é macumba quando peço para fecharem os olhos e observarem a respiração).

Então o que vou fazer quando o tema da morte estiver entre nós. Orações? Explanações sobre a vida além da morte?
Mas não precisei fazer nada.
Diante da morte a gente vê como os sentimentos das crianças são espontâneos. Sensibilidade natural. Religiosidade natural, como defendia Rousseau.
Tenho adorado essas aulas que dão errado...
Aulas em que as crianças aparecem mais que o professor vaidoso que aqui escreve...


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