sexta-feira, 26 de junho de 2015

Com quem as crianças aprendem?


Nessa última semana voltando da escola fiquei com vontade de escrever sobre as dificuldades encontradas com algumas crianças que ficaram muito agitadas na atividade. Crianças com quem não consegui entrar numa relação pedagógica amigável. Elas ficaram me colocando no lugar do poder autoritário, se escondendo, mentindo, amedrontadas, etc. E eu estava querendo refletir em que medida eu retroalimento essas imagens de professor que elas pre-estabelecem...

Fiquei adiando a escrita, esperando a inspiração...
Aí uma pessoa amiga me cobrou: "e aí, essa semana não vai sair nenhum texto?"

Foi então que decidi que escreveria assim que parasse diante do computador.
E, andando pelas ruas, comecei a formular o que eu queria dizer.

Foi aí que a própria rua começou a me dizer coisas.

Um cena: dois homens, próximos a uma esquina, tropeçam um no outro.
Um deles abre os braços exageradamente.
Fico sem saber se era para abraçar o amigo que encontrava por acaso ou se era por reclamação (tal como o atacante quando cai e o juiz não apita falta).
E aí eles começam a bater boca.
"Poxa, você me viu e não parou!"
"Ué, você também não parou!"
E começaram a se xingar e se ofender.

Cena forte, risco de agressão física.
Achei tão infantil, até engraçado...
Meu impulso era ir até eles e intermediar a relação.
Quase baixou o professor em mim...
Achei melhor seguir adiante.

E assim foi minha caminhada ouvindo a rua:
Pessoas ao celular, palavrões, brigas, fumantes, agitação, um jovem cuspindo no chão e um senhor também que escarrou, bochechou, mirou e cuspiu com toda a destreza de um adulto que se exibe na rua.

E comecei a pensar sobre a tarefa do educador dentro da escola.
A escola é um espaço artificial de aprendizagem.
A verdadeira aprendizagem se dá na rua.
Por isso acho interessante quando ouço falar em cidade educativa.

E fico pensando na violência simbólica da educação num espaço tão artificial:
Se nós, adultos nos portamos assim no dia a dia, não é uma certa hipocrisia exigir que as crianças ajam de outro jeito?
Ela aprende a não falar palavrão e a não brigar na escola, com medo da repreensão do professor.
Mas, uma vez na rua, ela reaprende a usar os melhores palavrões e as melhores estratégias de violência para se defender.

Quando peço para ela não cuspir ou não brigar é estranho. Parece que, num sentido global, estou agredindo essa criança. Uma criança mais esperta poderia me dizer com plena consciência:
"Pô tio, você fica mandando aí em mim, só pra exercer poder. Todo mundo sabe que na rua a gente pode usar celular, xingar e é até bonito cuspir. Todo mundo sabe que a gente precisa brigar pra defender o que é nosso. Aí o senhor fica tentando me ensinar o contrário. Pô... ou o senhor está por fora da realidade, ou o senhor quer me deixar maluco, ou está só se aproveitando que eu sou mais fraco pra exercer o seu poderzinho sobre mim."

Me sinto numa competição injusta com o "mundo da rua".
Assim como numa situação um tanto incoerente.
A escola parece um espaço bem incoerente.

Sim, mas uma vez que somos nós que estamos diante dessas crianças... o que fazer?

Algo me diz que o "nada a fazer" pode se um bom começo.
Não é questão de fazer. É questão de ser.
Antes da pedagogia exterior, a pedagogia interior.
Precisamos de inspirações nesse campo...

E justamente hoje estava estudando a Pedagogia Waldorf e encontro Rudolf Steiner (Arte da Educação), falando da importância da auto-educação.

"Há uma grande diferença, para um grupo menor ou maior de alunos, se é este ou aquele professor que entra na classe para dar aulas. Essa grande diferença não resulta do fato de o professor possuir maior habilidade que outro nas técnicas pedagógicas exteriores; a diferença principal atuante no ensino decorre da atitude mental do professor em todo o tempo de sua existência, atitude que ele leva para a aula. Um professor que reflete sobre a evolução do ser humano atuará sobre os alunos bem diferentemente do colega que nada sabe a esse respeito e nunca lhe dedica seus pensamentos."

" Temos de ficar cônscios, antes de tudo, desta primeira tarefa pedagógica, que consiste primeiro em educarmos a nós próprios, fazendo reinar uma relação mental e espiritual íntima entre o professor e os alunos, e não apenas as palavras, repreensões e habilidades pedagógicas."

Algo me diz que é por aí que vem o sopro da inspiração...

Há esperança.
Existe um lugar para a educação.
Mas tem um trabalho dentro...
E...
Será que outros adultos podem começar esse trabalho também?

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