sexta-feira, 7 de junho de 2013

Estátua negra


Para Maria

"Se meus demônios me deixassem, temo que meus anjos também fugissem." Rilke

Escolhi-te para objeto de minha paixão e de minhas mais doces fantasias
E foi bom, e me deixei envolver
E procurei me entregar e partilhar contigo minha intimidade
Minha naturalidade, meu jeito de ser
Direcionando a teu centro minha ternura, meu carinho.
Mas algo não deu certo.
Uma barreira intransponível quedou-se entre nós.
A pele de teu rosto tornou-se uma casca tão dura que não me deu vontade de acariciar
Teus cabelos perderam movimento
Não te deixaste abrir e mantiveste esta armadura e este escudo e esta espada.
Exceto por uma pequena fresta por onde pude ver e sentir o calor de tua ternura. Ah, se eternizassem esses momentos...
Mas foi pouco.
Não conseguiste entregar-te, penso eu.
Então não te quis.
Mas agora,
Que aparentemente fechaste-te por completo,
De objeto de paixão, tu te tornas o meu objeto de ódio, de ciúme, de loucura,
Agora me possuíste, de uma forma muito estranha, ó serpente!
Não te querendo, disputo contigo esse jogo infrutífero e sem razão.
Estátua negra, tens tua beleza.
Pena que és tão férrea e grosseira e masculina e agressiva e que tudo isso faça de ti uma pessoa que não é bonita.
Estátua bela.
Impenetrável.
Agora mil demônios despertaram e mergulho ainda mais fundo em mim e gemo, e urro, e soco o ar, para não me ferir, com raiva de mim mesmo.
E vivo essa luta entre deuses e demônios, e já não sei mais quem sou.
Estou sempre por um triz. Por um triz da morte, do abandono de tudo, por um triz do surto, da loucura.
Quem és tu, e por que não vais embora de uma vez?
Te quero!
E nunca mais voltes e nunca mais estaremos juntos.
Quero-te ainda agora, fica!
Estás em mim. És esse demônio feroz contra o qual me agrido.
Sim, percebo todo esse paradoxo e estou preso.
Víbora, pele de jacaré, pedra fria, vejo em ti todo o mal e esse estranho fascínio me atrai ainda mais a teu jogo desprezível e sedutor.
Mal, mal, mal. Estou mal e tu és a culpada. E me agrido o ser que me agride. Inesperado. Acordaste meus demônios. Te odeio. Não tenho forças nem coragem, nem vontade, nem de te possuir, nem de te vencer, nem de te atacar.
Quero te amar.
E já não sei o que é o amor. Porque não quero te tocar na face, nem muito menos beijar teus lábios.
Mas sei da tua porção melhor e terna. E tenho pena dessa situação de fuga e esconderijo em que vives.
Há quanto tempo sofres assim?
Por que te fechaste tanto?
Por que não te entregas a mim, eu que sou prisioneiro desse desejo de te ter aos meus pés, também para nada, assim como fazes comigo?
Estou cansado. Mas não consigo sair desse frêmito.
É como um caminho para a morte.
E não retorno, sinto-me atraído para a morte.
Ah, o diabo se apossa de mim.
E não me resta alternativa a não ser repousar nele.
Estou perdendo a batalha, meu amor. Tua crueldade não terá fim? Não terás pena de mim se eu posar de vítima?
Não.
Serpente, és minha salvação.
Insensível, cínica e vulgar, és minha escada para D'us.
Amo-te e me entrego.
Quero ser teu. Mas não te quero minha.
Quero-te só minha, mas não te quero.
Enlouqueço. Sim. Tua loucura me toma.
Estou chegando ao fim.

Ao fundo de mim.

2 comentários:

  1. Tens razão. E a mim só me resta sangrar quase com alegria, em busca da verdadeira transformação.

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