segunda-feira, 2 de julho de 2018

Krishnamurti - texto para nossa prática nesse mês de julho

Que é ação?

Esta é a ultima palestra deste ano. A meu ver, quanto mais se observam as condições do mundo, tanto mais evidente se torna a necessidade de uma ação diferente. Observa-se no mundo, inclusive na Índia, tanta confusão, sofrimento, aflição, fome, um declínio geral. Estamos bem cônscios desse fato e também o conhecemos pela leitura dos jornais, revistas e livros. Mas tudo fica no nível intelectual, porque não parecemos capazes de fazer coisa alguma em relação a ele. Os entes humanos se veem no desespero, ha neles muito sofrimento e frustração e ao redor deles, caos. Quanto mais se observa e penetra esse fato — não intelectual nem verbalmente, porem estudando, observando, agindo, investigando, examinando — tanto melhor se pode ver como estão confusos os entes humanos. Estão completamente desorientados. Muitos julgam que não estão desorientados porque pertencem a determinado grupo ou circulo. Quanto mais se preparam, quanto mais executam certas coisas, quanto mais se entregam a atividades sociais, a isto ou aquilo, tanto maior a sua certeza de que o mundo será transformado gracas a sua insignificante ação.

O mundo se acha em guerra; e acredita-se que, pelo poder de uma certa prece, uns poucos indivíduos, reunidos e pronunciando determinadas palavras, serão capazes de resolver esta imensa questão que ha mais de 5 mil anos permanece sem solução. E continuam a repetir-se tais palavras, embora se saiba que jamais se porá fim a guerra dessa maneira. Cada um, pois, pertence a um certo grupo, a um certo partido politico, a uma seita religiosa, etc., e ai se deixa ficar, aferrado ao passado, ao que foi; nessa rede fica aprisionado. Podemos admitir — quando no-lo mostram — existe caos, declínio geral, deterioração, interior e exteriormente, e perceber que, com efeito, o homem esta desorientado. E sem procurarmos descobrir por que ele se acha nesse estado, por que há tanto caos e aflição, sem nos darmos ao trabalho de examinar profundamente esta questão, respondemos superficialmente, alegando que não estamos seguindo os mandamentos de Deus, ou que não amamos; damos respostas superficiais, perfeitamente banais, sem valor nenhum.

E, no decorrer destas palestras — se as estivestes escutando verdadeiramente — deve ter-vos ocorrido a pergunta: Por que tanta desordem, por que tanta confusão? Se investigardes bem profundamente, verificareis que o homem é indolente. O caos se originou da preguiça, da indiferença, da inércia do homem, do seu espírito de aceitação. Esta é a maneira mais fácil de viver: aceitar tudo, ajustar-se ao ambiente, as condições, a cultura em que se está vivendo; aceitar, pura e simplesmente. Essa aceitação gera uma tremenda indolência. Muito importa compreendermos que, como entes humanos, somos bem indolentes. Pensamos ter resolvido o problema do viver quando temos uma crença e dizemos: eu creio nisto ou naquilo. Tal crença se baseia essencialmente no medo e na incapacidade de resolvermos o problema do medo, fato esse indicativo de uma uma indolência de raízes muito profundas.

Observai-vos. Caímos num padrão de pensamento e de ação, onde nos deixamos ficar por ser muito mais comodo, pois já não temos necessidade de pensar; antes, talvez tenhamos refletido um pouco, mas agora não ha mais necessidade de fazê-lo. Isso proporciona ao individuo uma enorme satisfação como fazê-lo pensar que esta realizando um ótimo trabalho; ele não ousa questionar nada, porque isso e muito incomodo e perturbador. Não ousais questionar vossa religião, vossa comunidade, vossa crença, a estrutura social, o nacionalismo, a guerra; aceitais tudo. Observai-vos interiormente. Vede como sois indolente. O caos atual é devido a vossa indolência, porque desististes de questionar, desististes de duvidar; porque aceitais. Conscientes da terrível desordem existente tanto externa como internamente, esperamos que algum acontecimento exterior venha estabelecer a ordem, ou que algum líder ou guru possa ajudar-nos a sair dela (da desordem). Dessa maneira vivemos há seculos e séculos, sempre a contar que outro resolva os nossos problemas. Seguir outra pessoa é a essência da indolência. Chega uma certa pessoa que provavelmente refletiu um pouco, teve tais visões, e sabe fazer isto ou aquilo. Essa pessoa vos ensina o que deveis fazer e ficais plenamente satisfeito. O que desejamos verdadeiramente, neste mundo, é conforto, satisfação; queremos que outro nos mostre o que devemos fazer. Tudo isso revela a nossa indolência; não queremos pensar a fundo em nossos problemas, olha-los, dissipar todas as dificuldades. Esta indolência não só nos impede de questionar, de investigar e examinar, mas também de aplicar-nos a uma questão muito mais profunda: descobrir o que é ação. O mundo se acha num estado de caos, e nós numa grande aflição. Nenhuma das soluções, das doutrinas, das crenças, das "exibições" conhecidas pelo nome de meditação — nenhuma dessas coisas resolveu nada. E se tivéssemos a possibilidade de descobrir por nos mesmos o que é ação, trataríamos de agir, de fazer alguma coisa de vital, de enérgico, de dinâmico, para instituir uma mentalidade diferente, uma existência de diferente natureza.

Cumpre-nos, pois, examinar a questão da ação, não do que é ação correta e ação incorreta, porque se nos abeiramos da ação com essas ideias de "correto" e "incorreto", já estamos no caminho errado. Dir-nos-ão que isto é ação correta, aquilo ação incorreta, e nós, já inclinados a indolência, não trataremos de investigar a fundo a questão. Por exemplo, aceitamos como correta uma dada maneira de agir, porque a pessoa que a preconiza é um brilhante advogado; e portanto a adotamos. Mas o que nós vamos fazer nesta tarde é descobrir o que e ação. Tende em mente que não estamos discriminando entre ação correta e ação incorreta. Só há ação — nem correta, nem incorreta; nem ação em conformidade com a Bíblia, o Gita ou o Alcorão, ou em conformidade com o comunismo o socialismo, etc. Há só ação, ou seja, viver. Temos de descobrir a maneira de viver, o como viver — mas não um método; porque se seguimos um método, um sistema, uma norma, estamos dando mais alento a nossa inata indolência. Portanto, precisamos de uma mente muito esperta para não sermos apanhados nesta armadilha da indolência, na qual de muito bom grado nos deixamos cair.

Tende a bondade de escutar o que se está dizendo. Como o escutais? Quando estais escutando verdadeiramente, vós o fazeis a fim de compreender o que o orador esta tentando transmitir; compreender, e não discordar ou concordar. Para compreenderdes por vós mesmos uma coisa, tendes de escutar, de investigar, de examinar; não podeis aceitar nem dizer: "Espero que ele confirme o meu ponto de vista, que é correto". Tendes de escutar; e, evidentemente, esta é uma das coisas mais difíceis. A maioria de nós gosta de falar, de expressar-se. Andamos cheios de opiniões e ideias que não são nossas, porém de outrem, Aceitamos uma enorme quantidade de frases banais, as quais papagueamos e pensamos ter compreendido a vida. Estais, pois, escutando — não uma explicação, nem vossos preconceitos e idiossincrasias, nem as coisas que já sabeis; estais escutando a fim de compreender.

Para compreender, a mente deve estar perfeitamente quieta. Como já dissemos, para se compreender qualquer coisa dois estados são essenciais: tranqüilidade mental e atenção. Só dessa maneira podemos escutar seja nossa esposa, nossos filhos, nosso patrão, seja o grasnido dos corvos ou o grito de uma ave. É necessária a tranquilidade, é necessária a atenção; nesse estado podemos escutar. Estamos então ativos, já não somos indolentes, libertamo-nos do hábito de escutar parcialmente, de parcialmente concordar, de estar só parcialmente sérios e, portanto, nunca penetrando profundamente o que estamos escutando. Assim, se desejardes escutar verdadeiramente, escutai não só o que diz o orador, mas também os barulhos do mundo; escutai os clamores do coração humano, escutai o caos, escutai vossa própria aflição, vossa incerteza, vosso desespero. Se soubésseis escutar, serieis então capaz de resolver o problema. Se escutardes vossas agonias — se as tendes, como a maioria dos entes humanos — encontrareis a solução, estareis livre delas. Mas não sereis capaz de escutar nada, se disserdes: "A solução deve corresponder ao meu prazer, ao meu desejo" — pois nesse caso só estareis escutando a voz de vossos próprios desejos e de vosso prazer.

Aqui, pelo menos nesta tarde, tratai de escutar para compreender. Porque vamos examinar uma questão que requer abundante atenção, calma investigação, detido exame. Não é caso para dizerdes: "Mostrai-me o que devo fazer, e eu o farei". Visto que em torno de nós tudo está a desmoronar-se, faz-se necessária uma ação de especie totalmente diferente — não ação em concordância com fulano ou sicrano ou mesmo este orador. Vamos averiguar por nós mesmos o que é ação, como viver —  porque viver e agir. Tornamos o nosso viver terrivelmente caótico, cheio de aflições, e tão inane.

Para se descobrir o que e ação necessita-se de um alto grau de maturidade — maturidade independente do tempo e não como o amadurecer de um fruto na árvore, em seis meses. Se precisais de seis meses para amadurecer, já lançastes as sementes da desgraça, já plantastes a árvore do ódio e da violência, que conduzem a guerra. Portanto, tendes de amadurecer imediatamente; e isso acontecera se fordes capaz de escutar e, por conseguinte, aprender, O aprender não constitui um processo de adição. Aprender e adicionar para constituir conhecimento e agir com base nesse conhecimento — é isso o que estamos sempre fazendo. Temos experiências, crenças, pensamentos; e essas experiencias e pensamentos e ideias se convertem em conhecimento, o qual nos serve de base para a ação. Por conseguinte, não estamos aprendendo realmente: estamos apenas a adicionar, e adicionar, a adicionar. Temos adicionado a nós mesmos uma enorme soma de conhecimento nestes 2 milhões de anos; todavia, continuamos a fazer a guerra, a odiar; nunca um momento de paz e tranquilidade; nunca um findar do sofrimento. O conhecimento é necessário no terreno da tecnologia, da capacidade profissional. Mas, quando agis com base no conhecimento, que é ideia, já não estais aprendendo. A maturidade, portanto, nada tem que ver com o tempo e a evolução; vem ela quando há o ato de aprender. Só uma mente amadurecida é capaz de escutar, de estar muito atenta a tranquila. A mente sem madureza e que crê, que diz: "Isto é certo e aquilo errado" e age sem lógica.

Vamos, portanto, aprender juntos a respeito da ação. Vós ides pensar, escutar. Vamos fazê-o juntos, pois trata-se de vossa vida, e não da minha; trata-se de vossa vida, de vossa aflição, de vossa confusão. Tendes de descobrir o que e ação.

Que e ação? É fazer alguma coisa. Toda ação implica uma relação. Não há ação isolada. A açao, como ora a conhecemos, está em relação com a ideia. Decerto, a ideia e a execução dessa ideia é uma coisa excelente no domínio da tecnologia, mas se torna um empecilho quando se trata de compreender as relações. As relações se alteram constantemente. Vossa esposa ou vosso marido não e sempre a mesma pessoa. Mas, por causa de vossa indolência, de vosso desejo de conforto, segurança, dizeis: "Eu o conheço bem ou a conheço bem; ele ou ela é assim". Desse modo "fixastes" a pobre mulher ou o pobre homem. Vossas relações, pois, são de acordo com uma imagem ou ideia, Dessa imagem ou ideia do estado de relação provem a ação. Prestai atenção a isto, por favor. Não conhecemos outra especie de ação: "Eu creio", "Eu tenho princípios", "Isto é correto", "Aquilo é errado", "Assim é que deveria ser" — e agimos nesta conformidade. O homem é violento; sua violência se mostra na ambição, na competição, em brutal agressividade — reações próprias do animal — e também na chamada disciplina, que é repressão, etc. Dessa base é que agimos, e por isso há sempre conflito na ação.

Dizemos que ação deve obedecer a um padrão, distinguir o certo do errado, em conformidade com certos princípios e crenças, com a tradição, as influencias do ambiente e a cultura em que somos criados. A ação, portanto, conforme a vemos, e no que respeita a nossa vida, é regulada por uma determinada imagem, padrão ou fórmula. E tal fórmula, imagem ou ideia até hoje não resolveu nada, neste mundo, nem politica, nem religiosa, nem economicamente. Não resolveu nenhum de nossos problemas fundamentais. Entretanto, continuamos a insistir em que essa é a única maneira certa de agir. Dizemos: "Como podemos agir sem pensar, sem ter uma ideia, sem seguir, dia por dia, uma certa rotina?". E, assim, aceitamos o conflito como a norma da vida — o conflito resultante de nossas ações, de nossa maneira de vida, de nossas relações, de nossas ideias, de nossos pensamentos. Eis um fato incontestável; Tendes uma ideia, um principio, vossa crença no hinduísmo, etc., e estais agindo em conformidade com essa tradição, dentro dessa estrutura; desse modo, não pode deixar de haver conflito. A ideia, "o que deveria ser", difere do fato, o que é. Isto é muito simples. Dessa maneira temos vivido ha milênios. Ora, existe outra maneira de vida — uma vida de ação e de relações, porém sem conflito, ou seja, sem ideia?

 Prestai atenção. Vede primeiramente o problema. "Problema" — que significa esta palavra? Um desafio. Todos os desafios se tornam problemas, porque não sabemos "responder". Aqui está um problema, o problema do mundo, um desafio que vos e lançado, e não conheceis nenhuma outra maneira de "responder" a esse problema, senão a velha maneira: ajustamento, imitação, repetição, firmação de hábitos; e consoante essa maneira de vida repetente, imitativa, habitual, agis. Essa maneira "habitual" de vida é o que chamais "ação", e essa ação tem causado caos e sofrimentos inenarráveis na mente e no coração humanos.

Tal é o fato obvio. Dai podemos prosseguir. No digais depois que isto não é um fato, não vos iludais a este respeito. Se o analisardes, penetrando bem fundo em vós mesmos, vereis que ele pode ser formulado muito simplesmente: Tendes um prazer e desejais a repetição desse prazer (um prazer sexual ou de outra especie qualquer) e ides levando pela vida esse prazer, na memoria ou no pensamento; e tal prazer, tal pensamento, vos impele a ação; e nessa ação há conflito, há dor, ha aflição; estabeleceu-se o hábito e de acordo com ele agis.

Ora, existe outra maneira de viver, totalmente diferente, ou seja o viver que e ação? Quer dizer, "escutastes" muito cuidadosa e atentamente a maneira como tendes vivido ate hoje e sabeis de tudo o que ela envolve. Escutar integralmente significa ver, ouvir, examinar o problema em seu todo e não apenas em suas linhas gerais. Quando escutais o barulho daqueles corvos com a mente quieta, atenta, sem interpretar, sem condenar, sem resistir, isso significa estardes escutando integralmente. Estais escutando o som total: não o som produzido por um corvo. Do mesmo modo, se souberdes "escutar" integralmente o problema da ação, esse problema com que já estais bem familiarizado; se souberdes "escutar" a maneira como estais vivendo (procedendo da ideia para a ação), tereis então a energia necessária para escutar outras coisas. Mas, se não "escutastes" integralmente vossa atual maneira de agir, não tereis a energia necessária para seguir o que agora se vai dizer.

Afinal, para se compreender qualquer coisa necessita-se de energia, e para investigar uma coisa totalmente nova é necessária uma grande abundancia de energia. Mas para terdes essa energia e preciso que tenhais "escutado" — sem condenar nem aprovar — o velho padrão de vida. Precisais tê-lo "escutado" totalmente, quer dizer, tê-lo compreendido, ter compreendido a futilidade de viver dessa maneira. Após terdes "escutado" a futilidade de tal padrão, estareis livre dele. Tereis então percebido, não intelectualmente, porem profundamente, a inutilidade de viver daquela forma; tereis então a energia necessária ao investigar. Se não tiverdes tal energia, não podereis investigar. Isto é, negando aquilo que causou a presente aflição e conflito, a cujo respeito já falamos, essa própria negação e ação positiva.

A este respeito, vou estender-me um pouco mais. Perguntamos: "Existe outra especie de ação na qual não haja conflito, ação não iterativa, uma forma sempre repetida de prazer?" — Para averiguá-lo, temos de examinar esta questão; Que é o amor? Não vos ponhais num estado sentimental, emocional ou extático! Nós vamos investigar. O amor é, necessariamente, negativo. Ele não é pensamento, O amor nunca é contraditório — mas o pensamento é. O pensamento, que é uma reação da memoria, baseada nos instintos animais — pois esse é o mecanismo do pensar — é sempre contraditório. E sempre que ha uma ação oriunda do pensamento, tal ação, que e contraditória, acarreta conflito e aflição, E, ao investigardes, ao examinardes se existe alguma outra atividade não produtiva de dor, de ansiedade, de conflito, deveis achar-vos num estado de negação. Compreendeis? Para investigar, examinar, cumpre achar-vos num estado de negação; do contrario, não podeis examinar. Deveis achar-vos num estado de "não saber"; do contrario, como examinar?

O modo de vida a que estamos habituados e o que se chama o "modo positivo", porque podemos experimentá-lo, praticá-lo dia após dia, repetidamente, baseados na imitação, no hábito, no seguir, no obedecer, no sermos treinados pela sociedade ou por nós mesmos. Tudo isso é atividade positiva, onde há conflito e aflição. Continuai a escutar, por favor. E quando o negais (o modo de vida positivo), esse mesmo processo de negá-lo, o mesmo "processo" de lhe voltardes as costas, é um estado de negação, porquanto não sabeis o que vem depois. Isso, decerto, não é complicado. Intelectualmente, parecerá complicado; mas não e. Quando voltais as costas a uma coisa, o caso está liquidado.

Dizemos agora que o amor é negação total. Nós não sabemos o que ele significa. Não sabemos o que significa o amor. Sabemos o que é o prazer, o qual confundimos com o amor. Onde está o amor, aí não está o prazer. O prazer, é obvio, resulta do pensamento. Olho uma coisa beta; o pensamento entra em cena e começa a ocupar-se com ela, criando uma imagem. Observai isso em vós mesmos. Essa imagem vos proporciona um. enorme prazer, a proposito daquele espetáculo e do sentimento que provocou; e o pensamento dá a esse prazer nutrição e continuidade. E na vida familiar isso se chama "amor", mas nada tem que ver com o amor. Só se está interessado no prazer; e onde está o desejo de prazer, encontra-se a continuidade no tempo. "Escutai" bem isso. O amor, ao contrario, não tem continuidade, porque o amor não é prazer, E, para se compreender o que é o amor, para nos acharmos nesse estado, a negação é necessária — a rejeição do positivo. Certo? Podemos prosseguir?

Vede, senhores! quando dizeis que amais alguém — vossa esposa, vosso marido, vossos filhos, isso implica o que? Despojai-o de todas as palavras e sentimentos e emocionalismos e considerai objetivamente esse amor. Quando dizeis: "amo minha mulher, meu marido, meus filhos" — que é que isso implica? Essencialmente, prazer e segurança. Isto não é cinismo. São fatos. Se amáasseis deveras vossas esposas e vossos filhos (deveras, e não apenas para fruirdes o prazer de serdes membro de uma família, de um grupo restrito, insignificante, e terdes a possibilidade de vos satisfazerdes sexualmente e de dar largas ao vosso egotismo) — teríeis uma educação diferente; não faríeis vosso filho interessar-se unicamente na aquisição de aptidões técnicas, não o ajudaríeis apenas a passar nuns exames estúpidos, de pouca valia, a fim de obter um bom emprego; haveríeis de educa-lo para compreender o processo do viver em seu todo — não apenas uma parte, um segmento/um fragmento desta imensidade que é a vida. Se amasseis verdadeiramente o vosso filho, nunca haveria guerra; faríeis o necessário a esse respeito. Quer dizer, não teríeis nacionalidades, nem religiões separativas, nem castas — todos esses absurdos deixariam de existir.

Está visto, pois, que o pensamento não pode, em circunstancia alguma, criar um "estado de amor". O pensamento só e capaz de compreender o que é positivo, e não o que é negativo. isto é, como se pode, por meio do pensamento, descobrir o que é o amor? Impossível. Não se pode cultivar o amor. Não podeis dizer: "Exercito-me todos os dias em ser generoso, bondoso, delicado, cortês, em ter consideração para com outrem". isso não cria amor, pois e ainda ação positiva ditada pelo pensamento. Por conseguinte, só com a ausência do pensamento é possível compreender-se o que é "ser negativo"; nunca por meio do pensamento. O pensamento só e capaz de criar um padrão e de agir em conformidade com esse padrão ou formula. Por isso, há conflito. E para se descobrir uma maneira de viver isenta de todo e qualquer conflito, a todas as horas, deveis compreender esse amor que é negação total.

Senhores, como se pode amar, como pode haver amor, quando há atividade egocêntrica, seja na forma de virtude, de complacente respeitabilidade, seja na forma de ambição, de avidez, inveja, competição — tudo isso "processos" positivos de pensamento? Como amar, em tais condições? Impossível. Podeis afetar amor, empregar a palavra "amor", mostrar-vos muito emocional e sentimental, podeis ser muito leal; mas nada disso tem alguma coisa que ver com o amor. Para compreenderdes o que é o amor, tendes de compreender essa coisa positiva que se chama "pensar". Assim, em virtude dessa negação chamada "amor", vem uma ação da mais alta positividade porque não cria conflito. Afinal de contas, é isto o que todos desejamos: Viver num mundo onde não haja conflito, onde haja realmente paz, externa e internamente. Precisais de ter paz, senão sereis destruído, Só na paz pode a bondade florescer. Só na paz se mostra a Beleza. Se vossa mente está sendo torturada, se está ansiosa, se é invejosa, se é um campo de batalha, como podeis ver o que é belo? A beleza não é pensamento. Nenhuma coisa criada pelo pensamento é Beleza.

 Para descobrirdes uma ação não baseada em ideia, conceito, formula, deveis "escutar" toda aquela estrutura, vê-la, compreendê-la integralmente; pois por essa propria compreensão ficareis livre dela. Estará então a vossa mente num estado de negação, que não significa acrimonia ou cinismo; ela estará vendo a futilidade de viver daquela maneira e, portanto, porá fim a ela. Quando se põe fim a uma coisa, começa a surgir o novo. Mas nos temos medo de pôr fim ao velho, porque desejamos traduzir o novo em termos do velho. Percebeis? Se verifico que não amo realmente minha família — e isso significa não ser responsável por ela — estou então livre para conquistar outra mulher ou outro homem; isso, mais uma vez, é "processo" do pensamento. Por conseguinte, o pensamento não é a solução.

A pessoa pode ser muito inteligente e erudita; mas, para descobrir uma maneira de agir totalmente diferente, que traga felicidade a sua vida, ela deve compreender o inteiro mecanismo do pensar. E, pela própria compreensão do que é positivo — o pensamento — a pessoa entra numa dimensão diferente, de ação, a qual é, essencialmente, amor. Quer dizer: Para investigar, a pessoa deve ser livre; de contrario, não pode investigar, não pode examinar. E o caos e a confusão atualmente reinantes no mundo requerem um reexame completo, não segundo as vossas condições, as vossas fantasias, prazeres, idiossincrasias, ou os compromissos que assumistes. Tendes de pensar na questão de maneira inteiramente nova.

E o novo só pode surgir da negação e não da asserção positiva do que foi. E só pode tornar-se existente o novo quando ha aquele vazio total, que e o amor real. Descobrireis então, por vós mesmos, o que é a ação isenta de conflito em todo e qualquer momento; essa é a renovação de que a mente necessita. Só quando a mente se tiver renovado por meio do amor, o qual é a total negação (isenta de sentimentalismo, devoção ou obediência) da maneira de vida ditada pelo pensamento positivo, só então poderá ela construir um novo mundo, um novo estado de relação. E só então estará capacitada para ultrapassar todas as limitações e ingressar numa dimensão totalmente diferente.

Essa dimensão é uma coisa que não ha palavra, nem pensamento, nem experiencia que seja capaz de descobrir. Só quando se nega totalmente o passado, que é pensamento, só quando o negais totalmente em cada dia de vossa vida de modo que nunca haja um só momento de acumulação — só então podeis descobrir por vós mesmos uma dimensão onde se encontra a suprema felicidade, uma dimensão independente do tempo — uma coisa inatingível pelo pensamento humano.

Bombaim, 2 de marco de 1.966.

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