terça-feira, 31 de maio de 2016

A não-ação como ação política. O que é?



"O sábio age sem nada fazer e ensina sem nada dizer."

Essa palavras paradoxais do Tao Te Ching intrigaram muita gente ao longo dos séculos.

É a sabedora da ação pela não-ação.

Aparentemente sugere o abandono do mundo, deixar as coisas como estão; evoca o silêncio e seu poder de ensinar as inutilidades da agitação humana em sua eterna luta contra as mudanças da vida.

Tudo muda.Tudo tem um fluxo natural. O mundo é a eterna dinâmica entre as forças Yin e Yang... sofrem aqueles que tentam controlar seu movimento. Sábio é aquele que não interfere. Que adere ao fluxo.

Daí já se pode perceber o sentido oculto do pensamento chinês.

Uma ação sintonizada com o movimento natural do mundo, uma ação que acontece na conexão com o Tao.

Penso no surfista que desce a onda... há nele um movimento que é todo em sintonia com o movimento da onda. Ele precisa perceber, sentir, aprender mesmo o movimento do mar e ter a sabedoria de acompanhar esse movimento, incluir a força do mar no cálculo do seu movimento... e assim, sentindo o mar, ele flui... e quanto mais sabe da onda, mais livre são seus movimentos... quem vê de fora percebe a harmonia entre o surfista e o mar... seu movimento parece sem esforço... mas todo seu esforço e concentração estão em manter seu equilíbrio em harmonia com o movimento da onda. Assim os pássaros planam, as brancas nuvens percorrem o céu e o bambu dança com o vento, as marés acompanham a lua, o rio segue seu curso montanha abaixo, as folhas caem das árvores, a vida brota do solo, os bebês choram com fome, as crianças brincam com suas imaginações... assim, diz-se na linguagem do livro chinês, o homem sábio conduz sua vida.

Não é uma completa inação. Mas uma ação sábia.

A sabedoria repousa na profunda percepção do sentido da vida, na conexão com seu fluxo.

Quando o homem não escuta esse sentido, ele se atropela. E assim o faz quando segue seu desejo de poder e riqueza, ou quando é movido pelo medo.

A crise da civilização que vemos hoje vem da desconexão com o sentido natural da vida. Ela é marcada pelos excessos.As consequencias colhemos em nossos dramas sociais, em nossos desafios ecológicos e no mal-estar emocional.

Por isso, podemos dizer que o verdadeiro sentido da ação no mundo precisa nascer da interioridade. O movimento revolucionário, capaz de mover-nos para uma revolução civilizatória, começa com a escuta silenciosa de si mesmo e da reconexão com o sentido natural da vida.

A não-ação é a ação não egóica. Profundamente amorosa, a ação que não tem nenhum vestígio de interesse pessoal:

"Parir e nutrir,
ter sem possuir,
agir sem expectativas,
conduzir e não tentar controlar:
Essa é a suprema virtude."

Despojado do desejo de ter e poder, o homem pode ser o que é. Retomar sua naturalidade.
Assim, sem desejar ser líder, ele se torna exemplo. E o mundo começa a seguir seu curso.

Olhando para nosso mundo hoje, vemos os desequilíbrios expressos nas desigualdades econômicas, na destruição da vida, na violência contra os mais fracos, no ódio da intolerância... o caos sempre tem origem na pretensão de saber mais, ter mais, ser mais que o outro.

Todos acabam se tornando vítimas de um sistema desequilibrado onde dificilmente a pessoa consegue encontrar um trabalho em sintonia com seu propósito de vida. E o mundo vai mal quando as pessoas não realizam aquilo para o qual vieram realizar. Isso se torna um ciclo vicioso, uma catástrofe. Temos menos artistas do que deveríamos e temos mais burocratas do que precisamos. Paga-se pouco ou quase nada para trabalhos essenciais, como um lixeiro ou professor de música, e paga-se muito por trabalhos inúteis como o especulador do mercado de dinheiro, ou de terra.

Mas percebe-se também uma guinada para um outro mundo possível. Ela é quase imperceptível. Ela é silenciosa, não se anuncia nas grandes redes de comunicação. Está nas atitudes e escolhas de pessoas que estão se tornando mestres de si mesmas. Uma atitude de estranhamento diante do sistema e de sua propaganda oficial. Uma silenciosa mudança de consciência que se expressa em atitudes cujo centro é a nova civilização que virá. Uma outra civilização... sugere o sonho humano... com centralidade no coração, na escuta da vida, harmonia com a natureza... despojada das ambições do ego, centrada no amor, na reverência a tudo que é vivo.

Já tem muita gente ensaiando esse novo tempo. É como um curso invisível. O mundo segue para frente, mas há um deslocamento para outra direção... e a consciência humana está se deslocando, se descolando do sentido visível do velho mundo. Para onde vamos? É difícil descrever como será o mundo quando cada um se tornar mestre de si mesmo, autêntica e verdadeiramente livres.

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