domingo, 26 de abril de 2015

Professor de ver o céu



Numa dessas visitas a escola pública eu estava ainda testando que tipo de atividades seria bom fazer com as crianças.
Havia recebido a permissão da coordenação e das professoras de ir para a escola sem uma atividade definida, estar ali simplesmente, escutando, vivendo, estando presente e vendo o que acontece.

Me lembro da reunião com as professoras. Eu, no meio da roda, conduzindo uma prática simples de meditação. Inspirar, expirar. Inspirar, expirar. Trazer a observação à respiração e ficar no momento presente.  E também tem aquela que, para ajudar a unir mente e corpo respiramos e recitamos mentalmente "inspirando o corpo se acalma, expirando sorrio, pousado no momento presente, sei que esse momento é maravilhoso." É muito simples e muito eficaz. Ao final, as professoras foram muito gentis e eu perguntei: "posso vir a escola para não fazer nada?" Apesar da estranheza da proposta, todo mundo podia entender que não se tratava simplesmente de não fazer nada. Mas era esse nada criativo, esse estar presente no aqui e agora e ver o que se pode fazer sem a pressão controladora de conteúdos e ordens, mas um fluir que pudesse ser ao mesmo tempo prazeroso e educativo com as crianças.

E assim aqui estou, na escola. Ando pelos corredores. Vejo as crianças e às vezes elas me param e perguntam: "tio, você é professor de educação física?" ou "tio, você é professor de artes?", "o que você faz aqui na escola?" Gosto de deixar essas perguntas sem resposta. Não quero me fechar em uma identidade. Quero deixar a porta aberta às possibilidades. No geral, olho para elas, sacudo os ombros, e digo coisas assim: "pode ser", ou, "sou professor de tudo", ou ainda devolvo a pergunta: "depende, o que você quer aprender?"

Vez ou outra elas me chamam, "tio, vai lá na nossa sala" aí eu vou e faço algo com elas. Música, ritmo, respiração, alongamento. Às vezes vamos para a quadra e depois de um pouquinho de atividade conduzida, deixo-as brincar do que querem, pique-pega, pique-ajuda, ou coisas do gênero de corrida, interação social e emoção. Deixar a criança brincar livremente me parece bastante educativo nos dias de hoje. Há um grande desenvolvimento pessoal no simples brincar.

Elas adoram subir nas goiabeiras da escola. As duas únicas árvores à disposição que ficam bem num cantinho, próximo à quadra.

No início eu deixava. Gostava da ideia que li sobre a Escola do Tagore, na Índia, onde as crianças podem interagir livremente com a natureza e subir nas árvores. Mas ali na escola é proibido, e logo apareceram as inspetoras dando bronca nas crianças. E eu não podia ficar ali na escola num contexto de briga com a direção. Gostaria de fazer vistas grossas e deixar as crianças serem felizes. Mas sinto que preciso estar em parceria com a direção da escola, para que ela esteja em sintonia comigo, e, principalmente, para que as crianças não fiquem confusas sobre o que podem e o que não podem fazer.

O único lugar de natureza... Nessa escola não tem parquinho, não tem brinquedos do tipo escorrega, gangorra ou balanço que as crianças tanto gostam de se esbaldar na hora do recreio. A estrutura física dessa escola é bastante concreta, teto alto, muitas paredes, pouca janela, a alimentação é feita no mesmo espaço do recreio, o que deixa as crianças bastante confinadas. Quase nenhuma área que dê para ver o céu. Mas tem as goiabeiras...

Um dia, voltando de uma atividade experimental numa sala onde a atividade ficou bem confusa, fiquei um pouco desnorteado. O que eu vim fazer aqui, afinal? As crianças ficam muito presas e quando eu fui na sala e perguntei o que de legal elas queriam fazer a turma ficou um caos, cada um fazendo um milhão de coisas ao mesmo tempo e não conseguimos organizar uma conversa para coletar as ideias delas. Não conseguimos ouvir uns aos outros. A conquista da liberdade não é tão fácil quanto se possa imaginar.

Fui para a quadra e comecei a andar e me perguntar o que eu podia fazer ali. Dirigi-me ao refúgio das goiabeiras. Sentei ali embaixo delas. Deitei-me no chão e comecei a contemplar o céu azul acima da copa das folhas verdes da árvore. E ali, relaxando a respiração e o corpo, foi que me meio a ideia: é isso! trazer as crianças pra cá! traga as crianças para verem o céu!

E fui numa primeira turminha, busquei seis crianças por vez, brincamos um pouco na quadra e no final: céu! Sentar nas escadas que levam à quadra ou deitar no chão mesmo e simplesmente olhar o céu. As crianças gostam de ver as formas das nuvens e fazer esse algo tão diferente na escola que é deitar no chão ao lado dos amigos para não fazer nada. Isso é muito emocionante para elas.

Agora quando me perguntam o que eu faço ali, eu posso, quando me dá vontade, responder assim: "Eu? Eu sou professor de ver o céu."

E ainda sonho com astronomia: "povo que não vê estrelas não tem utopias."

Um comentário:

  1. André, lendo seu texto maravilhoso, lembrei desta palestra que assisti no TED:
    https://www.ted.com/talks/takaharu_tezuka_the_best_kindergarten_you_ve_ever_seen?language=pt-br
    Beijos

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