sexta-feira, 22 de novembro de 2013

O despertar para a felicidade, por Anne Frank



Sou apaixonado por essa menina.
Leio e releio o seu diário, com a ajuda dos meus alunos, a cada semestre.
E sempre vou às lágrimas. E gostaria muito de me encontrar com ela.
Ontem, na aula, foram destacados dois trechos.
E vejam que interessante!
Vendo o processo de amadurecimento de Anne, podemos perceber uma relação direta entre o despertar do desejo de união sexual e o seu despertar espiritual. Há muito que se fala sobre a relação entre sexualidade e o sagrado, tema tão empobrecido em nossa cultura cristã.
Aqui, na vivência dessa menina de 14 anos, escondida no anexo de um escritório de Amsterdã, fugindo da perseguição nazista, podemos perceber esse aflorar de desejos de comunhão e de transcendência, com toda a sua beleza e toda a sua alegria que o amor à vida desperta. Amar um menino, amar a natureza, amar a Divindade. Vejam só, a partir desses trechinhos destacados de seu diário (o diário mais lido em todo o mundo). E vejam quantas lições de amor, de reverência ao belo... verdadeiras lições do que seja uma verdadeira espiritualidade que eleva o humano...

"Quarta-feira, 23 de fevereiro de 1944

Querida Kitty,
(...) Lá fora o tempo está lindo e, desde ontem, sinto-me bem mais animada. (...) De meu lugarzinho favorito no chão, contemplo o céu azul e o castanheiro despido, em cujos galhos as gotinhas de chuva brilham feito prata, e as gaivotas e os outros pássaros a deslizar no vento. (...) E eu pensei: 'Enquanto existir isso, enquanto eu estiver viva e eu puder contemplar este sol e este céu sem nuvens, enquanto isto existir, não poderei ser infeliz'.

O melhor remédio para os que sentem medo, solidão ou infelicidade é ir para um lugar ao ar livre, onde possam estar sozinhos com o céu, a natureza e Deus. Só então a gente sente que tudo está como deve estar e que Deus nos quer ver felizes na beleza simples da natureza. Enquanto isso existir - e certamente existirá -, sei que sempre haverá consolação para todas as tristezas, sejam quais forem as circunstâncias. Acredito firmemente que a natureza traz alívio a todas as aflições.

Terça-feira, 7 de março de 1944

(...) No princípio do ano, minha segunda grande transformação, meu sonho [foi um sonho em que ela beijava um menino chamado Peter]. Com ele descobri meu desejo, não de ter uma amiga, mas um amigo. Descobri também a felicidade interior e a armadura de superficialidade e alegria que usava para me defender. Aos poucos fui me tranquilizando e descobri o desejo que tenho por tudo quanto é belo e bom.

À noite, quando me deito para dormir, ao terminar minhas orações com as palavras 'agradeço-vos, meu Deus, por tudo quanto é bom, amável e belo’, sinto-me invadida pela alegria. Então penso na sorte de estar escondida, em minha saúde e, com todo o meu ser, penso em Peter, na ‘gentileza’ de Peter e em tudo quanto está, ainda, embrionário, e a que nenhum de nós ousa dar nome ou tocar, em tudo que há de vir um dia: no amor, no futuro, na felicidade e na beleza que existe no mundo, na natureza, no belo e em tudo quanto é extravagante ou lindo.

Não penso nas misérias, mas em toda a beleza que persiste. Este é mais um ponto em que mamãe e eu não concordamos. ‘Pense na miséria do mundo e dê graças por não compartilhá-la’. Meu conselho é o seguinte: ‘Saia, vá para o campo, goze a natureza e o sol, vá para fora e tente recapturar a felicidade em si própria e em Deus. Pense em toda a beleza que ainda resta e você e à sua volta e seja feliz.’
Não aceito a ideia de mamãe estar certa. Como nos comportaríamos então, se passássemos pela miséria? Estaríamos perdidos. Ao contrário, descobri que sempre resta alguma beleza no sol, na natureza, na liberdade, em você mesma.

Você se encontra consigo e com Deus e retoma o equilíbrio.

E quem é feliz, faz feliz os outros. Aquele que tem fé e coragem jamais perecerá na desgraça.

Sua Anne."


Então, fica aqui o nosso convite: de mais abertura. Abertura ao amor, ao futuro, à natureza, ao anseio de transcendência e beleza que há dentro de cada um de nós. Amar é desfrutar a vida. O amadurecimento de Anne se dá junto a um embate interno com os valores de sua mãe, com toda a crise que essa adolescente genial viveu. E aqui, nesse choque de perspectivas, fica uma reflexão profunda porque põe em contraste dois paradigmas de vivência de espiritualidade: de um lado a espiritualidade da dor, do sofrimento, do castigo e da tristeza e de outro uma espiritualidade do prazer, da gratidão, do amor e da alegria. O mundo está massacrado pela primeira. Anne Frank nos faz um convite a um giro revolucionário: permita-se essa inversão também! Experimente gratidão! Seja feliz!

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