domingo, 27 de janeiro de 2013

Alan Watts, a chegada do zen no ocidente


Li uma biografia de Alan Watts, escrita por J.C.Ismael em 1986. Eis um resumo reflexivo:

Um pensador ocidental com a bússola interior apontada, desde cedo, para o oriente.

Nascido em 1915, Alan Watts foi um dos principais divulgadores do zen budismo no mundo ocidental.
Inglês, após o primeiro casamento emigrou em 1938 para os EUA, onde se naturalizou e fez fama, com suas conferências, entrevistas na TV, livros e presença sempre carismática e bem humorada. Um show-man que influenciou a geração beatnik e o movimento hippie. Seus livros eram best sellers e a fonte de contato dos jovens com a antiga tradição do zen budismo que vinha sendo divulgada no ocidente por Suzuki. Um pensador polemizador e uma vida polêmica, especialmente no que diz respeito a suas ideias e práticas de liberdade sexual, bem como as experiências e conselhos no uso de drogas para alterar a consciência (tais como o LSD). Watts viveu e pensou o zen um pouco à sua maneira, diferentemente das escolas e mosteiros zen, com suas disciplinas de meditação e regras de comportamento. Mas mesmo diante das acusações de incoerências pessoais, Allan Watts foi um divulgador e uma fonte de inspiração para um mundo que precisava de seu grito de alerta.

Watts falava do aprisionamento ocidental à cultura materialista do consumo e ao labirinto do "medo de sentir medo." Buscar segurança num mundo em contante mudança é a causa da loucura que vivemos.

"Uma sociedade com base no anseio de segurança não é mais que um concurso de retenção da respiração, em que todos ficam tensos como um tambor e vermelhos como uma beterraba."

Imagine uma sociedade que para fugir do medo gera ainda mais stress? Isso é bem atual.

Entretanto Watts não queria uma importação do oriente como cópia de hábitos e ritos, mas uma orientalização do cristianismo despindo-o da carga pesada de racionalizações teóricas e de rituais sem uma simbologia viva.

Porque o que é o zen?

Um caminho espiritual influenciado pelo budismo e pelo taoísmo onde se busca a realização do satori (iluminação) através da vivência consciente do momento presente, o 'aqui e agora'. Mas para isso é preciso que a pessoa se desvencilhe de todos os bloqueios que a separam da experiência autêntica do real.

O ego é o principal inimigo (como ensinava Buda), e seu artifício é a racionalização, o pensamento através de palavras e conceitos, que buscam constantemente a segurança ao responder as perguntas: quem sou? Que caminho é esse? Como serei livre?

Um círculo vicioso: quem deseja ser Buda, nunca será. Só quando se abandona o desejo, mesmo o de se iluminar, é que a iluminação pode acontecer. Para ser livre, é preciso então desenvolver o não-pensar (taoísmo). Ou seja, a vida autêntica, a vida espontânea, simples e livre só pode ocorrer através dessa experiência direta que transcende o jogo neurótico do pensamento que busca definições, amarras, explicações. Experiência direta: "o som da chuva não precisa de tradução" (Morimoto).

A liberdade do zen é a vida cotidiana vivida sem tensões e especulações cerebrais: "quando tenho fome, como; quando tenho sono, durmo", diz um antigo aforismo zen.

Diz Watts, "O que nós esquecemos é que os pensamentos e as palavras são convenções e que é fatal tomá-los muito a sério... Palavras e medidas não proporcionam vida; simplesmente a simbolizam. Em vista disso, todas as 'explicações' do universo expressas através da linguagem são circulares e deixam as coisas mais importantes e essenciais sem definição e sem explicação."

Um dos mais famosos métodos do zen é o uso do koan. Uma espécie de anedota, ou diálogo, em que o mestre busca ajudar o estudante a romper a lógica racionalista. Alan Watts, em suas conferências e apresentações na TV gostava de usar esse recurso como por exemplo esse poema:

"Tenho as mãos vazias, mas observai a pá na minha mão; vou andando a pé, mas estou montado em um touro. E quando passo sobre a ponte, vede, não é a água que corre, mas a ponte que flui."

Essa linguagem paradoxal (mãos vazias, com pá na mão; a pé e montado no touro) não esconde um sentido oculto ou um enigma. É simplesmente uma estrategia para quebrar o pensamento que gira em círculo vicioso e nos aprisiona na ilusão. O koan busca "o despertar de um sentido interno que permite ao individuo uma visão do autêntico funcionamento das coisas" (Suzuki). Perceber para além do intelecto. Um caminho para despertar a intuição. A ilusão do intelecto nos impede de viver, porque ficamos divididos. E isso significa uma crítica frontal a toda a filosofia do ocidente.

"A filosofia especulativa, como a conhecemos no ocidente, é quase inteiramente um indício da mente dividida, do homem procurando situar-se fora de si mesmo e da sua experiência para poder verbalizá-la e defini-la... a mente indivisível, entretanto, acha-se livre dessa tensão de estar sempre tentando situar-se fora de si mesma e encontrar-se em toda parte, menos aqui e agora."

A busca pelo oriente é, portanto, a tentativa de salvar a filosofia e com ela a civilização ocidental decadente que adoece em suas ilusões consumistas e cientificistas. A própria espiritualidade ocidental (cristã) pode experimentar uma revitalização no contato com o zen e as filosofias orientais.

"O budismo - e o mesmo se pode dizer de certos aspectos do hinduísmo, vedanta, ioga e taoísmo - não é uma cultura, mas uma crítica da cultura, uma permanente revolução não-violenta ou 'oposição leal' à cultura a que está ligado."

Assim como Thomas Merton, Alan Watts valoriza o papel dos contemplativos no mundo. E participa desse debate acerca da tensão entre ação e contemplação, especialmente num mundo que começa a questionar um tipo de ação que leva mais a guerra e ao progresso material do que a um sonhado mundo melhor. A espiritualidade mística dá um frescor às religiões, uma autenticidade que o apego ao dever e aos ritos não alcançam:

"Com a realização da união com Deus, os homens não tem mais necessidade de provar a si mesmos que estão salvos, ficando mais fácil para eles amarem-se uns aos outros, de forma autêntica e sincera e sem qualquer sentimento de inibição. Demonstrarão amor, consideração e misericórdia pelos outros de forma autêntica e sincera não porque isso seja bom, não porque tal conduta lhes assegure estar levando uma vida cristã, mas porque a vida contemplativa lhes dará consciência da presença de Deus em todos os seres humanos (...)"

Outro método para apontar o caminho zen (já que não se pode ensinar o zen, nem mesmo explicá-lo) é o riso. Estratégia constante do bem humorado Watts. Gostaria de encerrar essas citações com uma reflexão, bem no espírito zen, de Christmas Humphreys sobre o riso:

 "Nada existe para ser encontrado; então, por que o esforço para encontrá-lo? Encare a vida com despreocupação, porque ela flui à sua volta e, se você for sagaz, estará fluindo também, cheio de felicidade. Abandone tudo que o preocupa e continue abandonando. Ria, ria ainda mais, mas se não puder rir, descubra o que o impede."


2 comentários:

  1. Fico satisfeito de ver Allan Watts, um velho conhecido meu, através de leituras, desde os anos 1970, ser trazido à tona novamente, e justo por alguém cujo pensamento é compromissado, mas voa livre sem amarras: André Andrade Pereira.

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