terça-feira, 14 de novembro de 2017

Yoga de Rua e Amor: preparação para o segundo aniversário.

Olá queridos,
quero de coração agradecer por cada um que está aqui envolvido nesse coletivo.
O yoga de rua é um coletivo onde cada um dá o que tem, o que pode, e no fim das contas percebemos que nossos alunos ficam felizes com o resultado. E nós também.
Então eu aqui agradeço pelos benefícios que o yoga de rua traz para mim, um lugar de prática gratuita de yoga, que é como eu gosto de praticar e sinto uma imensa coerencia. Acho que o néctar espiritual, a transmissão dessa fonte mais pura da riqueza eterna que vem de Deus, acontece sempre num contexto outro que o das transações comerciais. Isso é coerente com o que meu coração diz, quando por exemplo, olho para os mestres do passado, todos aqueles que eu considero mestres, como Jesus, Buda, rishis anônimos da floresta, Francisco na Toscana, Teresa em Calcutá, Paramahansa Yogananda e seus mestres, Sri Ramakrishna, Ramana Mararshi... transmitiam seu amor e a sabedoria de seus corações gratuitamente. E não é que não exigiam nada de seus discípulos, mas, a entrega e a seriedade no caminho nada tinha a ver com dinheiro. Até outros mestres que admiro e que souberam usar a relação das pessoas com o dinheiro como parte da exigência na relação, Gurdjeff, Osho, Lacan... transcenderam essa coisa toda e só estavam jogando o jogo na relação com seus seguidores. Então sinto a maravilha de estar num projeto que sobrevive de doações. E fico, internamente, sonhando, com uma forma de viver assim... uma coerencia societal na ecologia do amor... assim como o sol se doa ao brilhar e a lua, e o mar, e as árvores, servem a Vida na Terra sem cobrar nada... quem sabe um dia possamos viver assim como humanos, uma sociedade sem dinheiro? Penso no yoga de rua como um coletivo que possa vibrar na coerência desse tempo possível. Uma outra economia, assim como uma outra política, ou seja, uma outra gestão coletiva.
E quero agradecer também porque através do yoga de rua a gente está conseguindo, de uma maneira mínima que seja, fazer o amor chegar até as pessoas que passam por situações imensas de desamor. Nossos amigos que estão na rua... duro destino!... as condições da rua são de pouco amor, as relações são hostis demais... e, quando olhamos para o passado deles, vemos um histórico de muito desamor. Não que sejam vítimas... mas olhos e vejo pessoas muito traumatizadas nas suas relações afetivas, especialmente familiares. E aí, através do yoga de rua, conseguimos de alguma maneira criar laços, sorrir juntos, saber o nome das pessoas e permitir que essas pessoas que estavam em grande solidão e indiferença, possam conhecer outras pessoas e assim, aos pouquinhos sinto que as feridas podem ir sendo curadas. É maravilhoso quando chego na roda, ou mesmo antes, no café, e as pessoas perguntam pelos professores, se vem, como estão, etc.
Então agradeço, por mim e por eles, que são parte de mim.
E agradeço a parceria porque sozinho eu não poderia ajudá-los, nem uma centésima parte do que em grupo conseguimos.
Se formos falar na presença espiritual que o Divino faz cair como chuva em nós ali nas práticas, aí mesmo só tenho a agradecer porque isso eu não poderia mesmo produzir. Sou, assim como todos, um vaso que tenta receber e perceber a graça. E agradeço ao Divino em nosso nome.
Então eu venho refletindo sobre a natureza do nosso grupo, desse projeto. E de como ele se torna, pelo menos para mim, um lugar de prática espiritual, de exercício mesmo do amor, naquela coisa mais básica que é olhar minhas sombras ao lidar com o diferente e, de alguma maneira, perceber e trabalhar em mim mesmo, a cegueira do meu coração ao ainda acreditar que estamos separados. Isso vale quando olho para as pessoas marcadas pela rua, com seus temperamentos explosivos, magoáveis, sua timidez, seus vícios escancarados e seu aspecto corporal mesmo, seus fortes cheiros, a sujeira de seus pés e suas posturas que tendem a arquear ao chão e isso vale igualmente quando entro em relação com os membros do coletivo, que chegam para servir, que sempre encontram portas abertas e, cada um do seu jeito, traz uma maneira de olhar as coisas, um jeito de ser, um estilo pessoal, um jeito de pensar, uma forma de demonstrar seu comprometimento e tudo isso vai me fazendo perguntar ao meu coração: por que julgar tanto? Por que não simplesmente amar as pessoas?
Então o processo está sendo maravilhoso. E estou descobrindo caminhos de gratidão e de admiração pela riqueza e pelo potencial de cada um. É maravilhoso trabalhar num projeto com parceiros dos quais sou fã, a quem gosto de me colocar como aluno ali e aprender tanto.
Estamos caminhando para dois anos de vida. No dia 14-12-2015 foi a "experiência piloto".
Temos alguns aprendizados. Dá até para abrirmos uma roda para trocar esses aprendizados.
Aqui, nessa pequena carta, quero dizer de um que considero a essência da essência.
Descobrimos que para dar certo precisa de amor.
Esse é um trabalho essencialmente de amor.
O que quero dizer?
Tem que vir pra se doar.
Passo 1 do amor: o amor universal: olhar as pessoas com aceitação incondicional. Ou seja, ter olhos de ver Deus no outro. Esse é o amor que acontece dentro de nós. O sentimento de amor que move uma atitude de abertura e amor por todos os seres. Na verdade, aqui reside o Ser em sua manifestação. Você, aí dentro, é Amor. Então, seja você. Livre da armadura construída na história de vida. Então, bem vindo ao caminho de cura. Deixar a armadura cair e vibrar a essência amorosa que somos todos. E isso nos leva ao passo seguinte...
Passo 2 do amor: o amor concreto, nas relações: criar laços, vínculos de afetividade. Relação de amor. Envolve presença, interesse pelo outro, conhecer o outro. Bem vindo ao campo perfeito para esse exercício. As pessoas que vivem nas ruas estão no fundo do fundo do fundo do poço. A "rua" é o último passo que o sujeito dá na vida após uma longa história de rupturas afetivas. O lugar da solidão é a rua. Então aqui mora o maior desafio do projeto. E aqui você é convidado a amar.
Dar aulas. Amar.
Participar das aulas. Amar.
Conversar com as pessoas. Amar.
Estar ali em silêncio, em paz. Amar.
Fotografar. Amar.
Preparar o alimento. Amar.
Servir o alimento. Amar.
Em casa, meditar em beneficio dos alunos. Amar.
Orar, orar, orar muito pra que a luz possa finalmente se fazer na vida dessas pessoas. Penso nesse momento no jovem C. que tem toda uma questão familiar complicada, veio pra cidade grande, foi preso, saiu, nos encontrou, teve esse caso de amor com a gente, mas agora anda sumido, vem de vez em quando e mal consegue ficar nas aulas, e quando fica, fala muito... qual a situação mental dele nesse momento? Eu não posso desistir de acreditar que através do projeto ele pode tornar-se saudável e feliz. Nós conhecemos a sua essência. Seu coração bom, sua pureza... a polícia conhece a armadura dele. Então o que mais a gente vai fazer por ele?
Tudo que te faça entrar em relação com as pessoas. Amar.
E mesmo num trabalho pelo projeto como divulgação, cuidar das finanças, etc. Você pode fazer isso com envolvimento afetivo, olhar as fotos, ver os alunos, vibrar por eles, acompanhar a evolução de alguns deles. Amar.
Participar das reuniões da equipe e descobrirmos coletivamente formas de "tocar" as pessoas. Amar.
Então acho que esse é o grande aprendizado.
Me lembro que a Bárbara fez um belíssimo trabalho enquanto passou pelo projeto.
Qual a marca da Bárbara? Amor. Ela começou frequentando todos os dias, sempre que podia. Depois  assumiu a turma de segunda-feira. Vinha toda semana. Quando não conduzia a prática estava ali na coordenação.
Eu participei das aulas dela. Excelentes. Era diferente porque tinha mais ênfase em pranayamas. No início me perguntei se isso daria certo, se os alunos acompanhariam tantos exercícios sentados de respiração... o tempo passou e algo aconteceu... a turma sempre perguntando por ela. O que ela fez? Criou laços. Se doou.
Amor.
É disso que essas pessoas mais precisam.
Vem doar. Vem se doar. As pessoas precisam muito do que você tem debaixo da armadura.
Elas não precisam de nada nada nada do que você tem a oferecer a partir da armadura.
Mas se você puder usar a armadura que, nesse momento, é o que te faz caminhar, para vir para cá, e quem sabe mostrar ao menos seus olhos por sob o elmo... talvez a alquimia desse encontro possa te fazer deixar pouco a pouco a armadura de lado e acostumar-se a ser amor.
Assim o Yoga de Rua faz dois anos.
Um convite para o amor.

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