quinta-feira, 19 de março de 2015

É tudo um grande milagre mesmo...


Essa história que vou contar aconteceu agora pela manhã.
Minha irmã viajou e fiquei de cuidar do meu sobrinho de onze anos, levá-lo na escola, dormir na casa dele, etc.

Chegamos, eu e minha companheira, na casa dele ontem a noite.
Ele estava jogando video-game e era quase meia-noite.
Muito além do horário que se espera de um pré-adolescente estar dormindo para acordar as quinze para as seis no dia seguinte.
Minha companheira, que é uma excelente educadora, olhando a cena o que fez?
Sentou-se no sofá, começou a ver o jogo, um lindo cenário com personagens de lego e Harry Potter, e então ficou ali a fazer comentários, a se divertir com o menino.
Ela dava gargalhadas com ele na sala enquanto eu arrumei a cama, e me preparei para dormir.
Quando vi, ela já estava jogando e se dando gargalhadas com ele.
Então quando eu saí do banho ela disse: bom, vou tomar banho, minha vez.
E então ficou tudo bem. Já era hora mesmo. Todos fomos dormir, embalados pelo calor da empatia, amizade, sem tensões... Quando um adulto se faz presente e adentra o mundo dos jovens e crianças, tudo fica mais fácil.
Botamos os três celulares para despertar e acordarmos bem cedo no dia seguinte.

No entanto, só as sete e quarenta e cinco da manhã eu olho o relógio.
Meu sobrinho ainda estava dormindo. Devia estar no sétimo sono.
Perdemos a hora da entrada na escola.

Acordei-o e ele disse que depois de sete e dez já não deixam mais entrar.
Deixei-o dormindo mais um pouco.

Comentando com minha companheira, juntos começamos a nos perguntar por que uma escola que se afirma libertária é tão inflexível quanto ao horário de entrada.

Deixei meu sobrinho dormindo e fui com ela até o metrô. Afinal estava na hora dela trabalhar também. Não deu tempo para tomarmos café juntos e fiquei um pouco triste por isso. Mas... nós é que acordamos tarde. Tudo bem. Aceita.

No caminho do metrô, um morador de rua amigo meu estava bem sujo, mal-cheiroso, com uma barba gigante. Estava muito transtornado. Xingando e pedindo comida de forma agressiva.
Ele sempre é um pouco nervoso, do tipo: dá comida pro pobre! tô com fome! Mas hoje ele estava demais, porque estava fazendo movimentos bruscos com os braços, gritando e falando palavrões.

Descemos as escadas, deixei-a no metrô e fiquei, ali da roleta, olhando-a ir embora, como sempre gosto de fazer. As despedidas merecem todo o nosso tempo. Mesmo que em dias de pressa, acho que vale ficar um minutinho vendo o meu amor andando pelo corredor do metrô e olhar para trás e trocarmos um último adeus.

Subi do metrô e lá estava o senhor. Assim que o vi ofereci: vamos tomar café?
Afinal, perdi a companhia da mulher, mas meu amigo estava ali precisando comer.

Pediu-me três pães na chapa e um café com leite. Três pães! Acho engraçado esse jeito dele pedir o que quer, sem humildade.
Custou-me sete reais e cinquenta. Mas achei que tudo bem. Afinal, gastaria um pouco mais do que isso com o meu amor.

Entreguei a ele. E ele me abençoou.

Fui andando até a escola do meu sobrinho. Pensei em passar lá e perguntar se seria possível que meu sobrinho chegasse atrasado, até porque após a aula teria uma atividade extra de teatro. E ele havia me dito que não poderia entrar nem para isso. Perder aula tudo bem, mas eu não queria que ele perdesse o teatro. Aí eu me sentiria realmente culpado.

Então comecei a andar em direção a escola.
Só que comecei a imaginar as pessoas da escola me dizendo que não seria possível e dando todas as explicações burocráticas, etc.
Fui ficando com raiva só de imaginar e foi crescendo a vontade de dizer que meus filhos não vão estudar nessa escola que se diz muito libertária etc. E fui sendo tomado dessa corrente de pensamentos negativos e desse emoção raivosa.

Dei-me conta que estava criando uma realidade de violência. E comecei a pensar: espera, não quero dar vazão a essa emoção. Quero uma outra alternativa.

Então me veio a ideia de que a gente cria a nossa realidade.

E que eu poderia começar a fazer afirmações positivas.
E assim fui andando e falando: essa escola do meu sobrinho é uma escola libertária, é uma escola acolhedora.
E uma emoção gostosa foi tomando conta de mim. Uma leveza no corpo, um leve arrepio, uma presença positiva. E continuei: chegando lá, serei recebido por uma pessoa amorosa, acolhedora, que vai saber compreender a situação, que vai encontrar uma solução.

Nesse instante eu consegui reverter minha mente. Mudando o paradigma. Da competição para o amor. E comecei a silenciar e a caminhar em paz, sentindo confiança. E assim fui andando.

Em minha mente surgiu a imagem do senhor que fica na portaria. E mesmo que ele seja simpático, percebo que seria importante passar por ele, pois ele não conseguiria resolver a situação. De algum jeito, mesmo sem agendar, eu precisava ir até a secretaria. Entendi que essa intuição era importante ser seguida, como uma instrução estratégica para a coisa dar certo.

Chegando na escola, o moço do portão, mesmo tentando saber de tudo ali e me impedir de ir adiante, acabou deixando que eu fosse até a secretaria.

Na secretaria, elas disseram que normalmente a entrada é sete e dez e que só em casos médicos abrem exceções. Perguntei se elas não poderiam abrir uma exceção hoje. Elas disseram que elas não podem, que só quem faz isso é a coordenação. Pedi para falar com a coordenação e elas, dali mesmo, ligaram. E então...

A coordenadora... pelo telefone... liberou que eu levasse o menino às dez, na hora em que começam as aulas após o recreio.

Ela liberou! Sinto que todos na secretaria respiraram um ar de surpresa...

Que alegria! Voltei correndo pra casa.
Agora o próximo desafio. Acordar o tourinho que dormiria facilmente até a hora do almoço.
Entrei novamente no paradigma negativo. Ele pode querer me xingar, dizer que tá com sono, que não quer ir, vai inventar uma doença etc.
E de novo usei o método: reverter o estado mental. Afirmações positivas: ele vai acordar, vai ter um dia feliz, vai acordar bem disposto, etc.

Cheguei ao lado da cama. E a primeira coisa que me veio a mente: a oração do pai nosso. E assim comecei: pai nosso que estais no céu... e agradeci por um novo dia de vida.

Ao fim da oração ele se espreguiçou. Uau! Funciona.

Esperei ele sentar-se e fui falando que tinha uma notícia maravilhosa, que ele nem ia acreditar de tão boa...

Tomou banho e se animou a estar com os amigos, ir para a escola, etc.

No caminho paramos para um café na lanchonete.
E aí, só para completar a prova de que... (nossa!!!) quando o dia é lindamente abençoado é como um bolo com recheio e cobertura! Então a cobertura aconteceu ali. Perguntei se o suco de fruta do conde era da fruta ou polpa. Era da fruta, foi a resposta, mas pedi sem gelo, aí ele me disse que era gelado porque era da fruta que eles mesmos congelavam. Puxa, pensei, mas isso é polpa, né?

Antes mesmo que eu pedisse um outro suco, tipo laranja e tal, o suqueiro veio lá de dentro sorrindo e falou: mas se você quiser um feito na hora eu faço. E pegou as frutas que estavam ali e me fez um gostoso suco da fruta, batido na hora.

Então comecei a me maravilhar mais e mais dessa verdade linda da vida, de que a gente cria a nossa realidade. E compartilhando isso com o meu sobrinho fomos para a escola. 

E junto a esse sentimento de alegria e confiança em mim mesmo e na vida, comecei também a ter a certeza de que tudo isso não provinha só de mim.

Há um sopro... uma presença...
Chame como quiser: anjos, espíritos, deuses...
O fato é que o Amor esteve comigo essa manhã.
Seja através da minha irmã que viajou e está feliz à distância vibrando por seu filho e por todos nós.
Seja pela presença da minha companheira que me cerca de amor todo o tempo, que foi uma presença incrível junto a nós e que ao andar na rua comigo olhou o céu e disse: que dia lindo!
Seja pela presença misteriosa do mendigo sujo que me abençoou após os palavrões.
Seja pela presença desse algo que me fez instantaneamente oferecer café-da-manhã a esse homem que mal conheço.

Onde está esse mistério?
Não sei.
Como explicar esse dia?
Não sei.
De quantas fontes me vem esse amor que me cerca e cuida dos meus passos?
Não sei.
Quem é, na verdade, esse mendigo?
Não sei.

Mas para mim isso tudo é um grande milagre.
E fiquei feliz com tudo isso.
E amo a possibilidade de ser um escritor. 
E poder contar essas histórias e me comunicar com você que agora está lendo tudo isso.
Fico maravilhado com o milagre da escrita...
É tudo um grande milagre mesmo...

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