terça-feira, 30 de junho de 2020

Geração coca-cola delirante



É tudo um sonho.

Espelho, espelho meu...

Existe alguém, no mundo, mais bonito do que eu?

Olhei no espelho e ele me falou:

Sou forte. Para me enfrentar é preciso ser valente.

Eu sou prepotente, arrogante e tenho orgulho, valor. Superior a todos a minha volta gosto de olhar as fraquezas dos outros para sustentar a minha auto legitimação.

É assim que eu sou.

Existe o certo e o errado. Eu sei o que é certo. Minhas opiniões são absolutas.

O conhecimento é importante para mim. Sei que sei. E o que não sei, sei que posso saber. Por isso estudo tanto. Se eu não souber não tenho valor. Não reconheço o valor de quem não sabe. Quem não sabe, precisa aprender.

Quero saber, quero possuir, quero ser. Mais, mais, mais. Sempre mais.

Sou crítico. Falo uma coisa e vivo outra. Tenho visão estreita, não me importo. Vejo com facilidade o que me deixa em meu lugar cômodo. Mas não enxergo o chão da minha casa.

Não sinto culpa. Culpo a todos os que não seguem minhas palavras.

Não sou eu que engraxo meus sapatos.

Falo em aberturas e não vejo minhas fechaduras.

Não vejo outras culturas e falo em diversidade. Reduzo tudo a mim.

Falo de amor e sou indelicado.

Sou contra a delicadeza, a ternura, a bondade, acho isso tudo conversa de gente fraca.

Minha regra oculta é ferir. Meu ódio sutil se destila ao tempo da propaganda de estar bem.

Sustento a minha doença falando em saúde. Proponho cura e afundo em sofrimento.

Sou fruto de uma propaganda que faço de mim mesmo. 

Vejo o desleixo do outro, mas não vejo o meu próprio desleixo, nem o descaso, nem o descuido.

Escudo. 

Sustento relações de opressão, falando em liberdade

Critico os gurus porque sou o maior dos gurus.

Sou uma farsa. E digo que sou uma farsa e gostam de me ouvir dizer isso. 

O que critico está em mim. Critico as religiões e sou cheio de moralidades. 

O certo e o errado são um peso para mim. Nas coisas simples.

No palco sou herói da liberdade, em casa sou patrão.

Mais um.

Sou a falsa espiritualidade. 

Cultivo a indelicadeza, uso as palavras do outro contra ele. Crio o meu próprio jogo, onde a grande câmera sou eu mesmo, o Grande Irmão está em meus olhos.

Tento controlar tudo e todos. E se falo em confiança é para que confiem em mim e entreguem seus segredos para, quando for a hora, usar como armas contra eles. E assim vivo por cima.

Não consigo estar por baixo. Falo que não há alto nem baixo, mas assim falando busco o alto. Desprezo o baixo.

Excluo. E sustento o amor restrito aos seletos que jogam o jogo e permanecem na família.

Minto. 

Omito, o que é a versão polida da mentira.

Sustento tanto esforço falando em abrir mão de esforço.

Sou a contradição em pessoa.

Aprendi a escutar. Desaprendi a escutar. 

Falo sozinho e acho certo!

Socorro. Um pequeno vírus em mim pede socorro.

Acendo as luzes mas pressinto os fantasmas escondidos atrás do armário. 

Tormenta.

Tenho medo e falo da falta de medo. Para ver se despisto o medo. Inutilmente. 

Sou um buscador. Não me contento. Continuo buscando. Esperança é o lema com que me engano.

Não vejo nada nem ninguém acima de mim.

Destronei Deus e me entronizei no altar da consciência.

Humildade é palavra que risquei aqui de casa. Só entra pela porta dos fundos com aqueles que aceitam me servir.

Fiquei na infância filosófica da crítica prematura. 

Não leio nenhuma escritura sagrada. 

Creio em mim todo poderoso. Criador do céu e da terra.

Me vejo livre. Mas sou do tamanho da tela na qual apareço.

Me orgulho de não ter preço. Mas pago uma alta conta para sustentar minha empáfia.

Sou como o girassol que acha que a montanha só existe por ele.

Sou como a montanha que acha que criou o girassol.


Sou coca cola. Sempre coca cola.

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