terça-feira, 16 de junho de 2020

Liberdade, radicalidade, amor e vacuidade na educação


Há alguns anos venho observando as conversas sobre liberdade.

A luta de classes: adultos versus crianças.

A luta nas classes.

Luta no interior do adulto diante da luta das crianças.

Quanta luta!

"Bota na aula de luta que resolve!"

Quando comecei a gostar do imenso desafio que é estar à frente de um grupo de crianças e estar, de algum modo, ajudando-as...

Desde lá, já me encantavam ideias revolucionárias sobre educação.

Um dos primeiros revolucionários que li, foi um que criou uma escola onde as crianças e os jovens tinham a liberdade de escolher o que fazer. Inclusive a liberdade de nada fazer. E ele mostrava os maravilhosos resultados. Mesmo que não estivesse em busca desses resultados.

Ele dizia assim: gostaria antes de ver a escola produzir um varredor de ruas feliz do que um erudito neurótico.

Liberdade sem medo.

Depois conheci vários outros revolucionários. Cada um com um tom. Mas o certo é que dá pra fazer diferente no campo da educação. E dá pra ver com clareza que não fazemos diferente, enquanto sociedade, porque... bem... porque aí tem coisa... é complexo demais isso... multidimensional.

Se a gente não se pre-ocupa, cria um bom ambiente, um bom adulto preparado pra não atrapalhar, as crianças vão, por seu próprio interesse, fazer suas buscas, trilhar seus caminhos.

Quem somos nós, adultos? Preparados ou não. E como nos vinculamos na relação com as crianças?

No último encontro da jornada vi que a radicalidade poderia ir mais longe do que eu jamais havia pensado. E é por isso que me animei a escrever. Pra trazer as lacunas abertas de meu corpo.

Radical.

Radicalismo não é extremismo, nem fanatismo. É ir lá na conexão com as raízes.

Sempre busquei as raízes das coisas.

Quando comecei a pensar achava que, ao ver as causas históricas das contradições da vida social, eu estava indo às raízes. Bom, então temos que fazer uma mudança nas estruturas que compõe a história... depois fui indo às raízes das raízes... e a raiz de toda a raiz é viver com raízes nesse real. Isso é uma jornada e tanto.

Mas no encontro de ontem ouvi uma radicalidade que me pareceu ainda mais profunda, mais anterior.

Ouvi uma conversa assim:

O que você deseja para a seu filho?

Que ele seja feliz.

Ótimo, pensei eu. Mais um do time. Já abriu mão de querer escolher a profissão do filho. Já abriu mão de escolher e tentar pre-definir tanta coisa pro filho. Tá resolvido.

Mas não tá.

Você consegue abrir mão de desejar alguma coisa pra ele? Inclusive abrir mão que ele seja feliz?

Essa pergunta... nos pegou. E fez ver que as atitudes de uma criança estão presas nesse campo de demonstrar a felicidade ou a infelicidade para os pais... conflito. A raiz da raiz do conflito está no desejo.

E a pergunta me trouxe ainda outra:

Abro mão de ser pai? De tê-la e vê-la como filha?

"Vossos filhos não são vossos filhos, lembra a poesia de Gibran, são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma"

O poema já foi escrito. Resta-nos vivê-lo.

O que significa pensar em termos de pai e filho?

O que está pre-determinado nessa relação?

O que vem implícito nisso?

Que jogo de poder?

O que o inferior tem que fazer para agradar o outro, para obter o reconhecimento do superior?

As sensações corporais agradáveis de ter sido reconhecido, acolhido, visto por ele (ao agradar ou ao desagradar, o que é diferente mas é o mesmo)... são essas as sensações que buscamos em tudo que fazemos vida a fora, tanto quanto evitar as sensações que vieram de não ter sido reconhecido, acolhido ou visto...

"Está na cara que o medo está na medula..."

As buscas "inconscientes"...

E aí a gente fala de liberdade na educação mas nunca se perguntou sobre as coisas que estão nas raízes dos vínculos, nunca olhamos pra isso.

Ana nos fez ver o esforço que a criança passa a ter que fazer para ser feliz para atender o desejo do pai. Mas felicidade não vem com esforço.

E nem a amplitude genérica embutida no desejo dele ser feliz... garante a liberdade para o outro, a liberdade para a relação, a liberdade para mim.

Preciso abdicar de qualquer intenção.

Inclusive da intenção de ter a garantia de que abdicando da intenção isso trará qualquer grau maior de liberdade.

Abdicar das intenções por princípio.

Quando desinvisto de querer que minha filha seja feliz, libero-a para ser o que for que ela possa ser, e que já é, ao invés de desenhar um caminho para ela trilhar seja para me agradar ou desagradar, sendo feliz ou não.

Liberdade para que ela componha totalmente a sua história de vida. Que é na verdade o que vai acontecer, quer eu faça ou não exercícios aqui. Cada um comporá sua própria história. Aqui a gente só está se alinhando ao fato.

Posso olhar essa pessoa que aqui está... não com o filtro que me faz ver uma filha? Mas uma pessoa a mais que está aqui com a gente? Vivendo, assim como nós, adultos... vivendo.

Não estou contradizendo Hellinger... ainda vamos integrá-lo nisso. Mas é preciso antes fazer desabar a torre das visões estabelecidas.

Só posso ver o outro como pessoa se abro mão de qualquer expectativa sobre ele... mesmo que seja a mais nobre e a mais livre... abro mão de desejar que ela seja livre para ser ela mesma... isso vai dando um nó na cabeça... vai trazendo a percepção da vacuidade.

Não sou. Não és.

Para onde vai o emocionar encantado, aquele encanto de ver "minha" filhinha fazendo isso ou aquilo? Posso viver sem essa emoção? E ainda assim amar o outro? Será que o amor não é o que virá justamente quando me desfizer dessa emoção que tem posessividade em seu fundo?

O ato educativo de uma vacuidade em relação a outra vacuidade.

Isso é revolucionário demais?

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