sábado, 19 de junho de 2021

Uma só

Por quantos retiros de silêncio terei de passar até que eu possa te ouvir outra vez?

Por quanto tempo meus olhos precisarão ficar fechados até que eu possa te ver uma única vez?

Quantas noites escuras, quantos desertos, quantas estações, quanto tempo enredado em ilusão até que a luz da tua presença venha me acordar?

Quantas palavras ao vento, quantos lamentos, quanta secura, quantas gotas de passageiras euforias, até que enfim o teu amor me oceane?

Quantas guerras, cruzadas, ditaduras, quantas esperanças, guerrilhas, rebeliões terei de enfrentar, liderar e sofrer até que minha mente resolva aquietar em tua humilde casa?

Quantas horas de espera para que me abras a porta de casa, até que teu convite sussurre em meu ouvido: 'entre, você está em casa'?

Quantos passos, quantas jornadas, longínquas viagens, até que me perca e me ache de novo e te descubra sempre a meu lado?

Amor. Amor. Amor.

Disseste-me que me bastava abrir o coração. 

Quantas palavras desperdiçarei em sutis poesias até que um silêncio ainda mais suave me faça sentir que me dás a mão?

Por que não me calas a voz com a doçura de teus lábios?

Por que não apaziguas essa saudade com o pousar de tua mão em meu peito?

Por que não me vens tu até este leito acariciar meus cabelos e me guiar para um sono sem sonhos na direção do infinito?

Por que me deixas sem paz a espera daquela paz prometida em teu olhar?

Tu que me amas tanto.

Tu a quem amo tão pouco.

Ouve! O coro de minhas irmãs e irmãos já se ergue em tua direção e percebo-te dançando entre nós.

Diga uma só palavra e rompa esse duro silêncio de minha solidão. 

Uma só que me faça curar desse amor insatisfeito.

Uma só que me faça voar e dançar no céu do teu amor.

Tu danças em meu peito. Livre! 

Tu danças em meu peito. Infinita! 

Tu danças em meu peito. Danças a vida e a morte!

Tu danças em meu peito. Sou teu!


sábado, 12 de junho de 2021

O que colore a minha alma?

A experiência de Ser.

Algo acontece que me traz uma experiência de que sou mais do que pareço, e de que estou conectado a algo maior, e de que há um transpor do nível comum de consciência para uma consciência mais ampliada (como ir para fora de um quarto fechado). Mais calma e intuitiva. Mais em paz. Mais amorosa e quase angustiada em compaixão pelo mundo. Mas sobretudo em paz.

Como pode minha mente produzir um pensamento que me arrepia? Que é isso?

E quando esse pensamento é dito em voz alta? Aos 21 anos foi quando tive a minha primeira experiência de oração. Como é isso de quando me dirijo a um Tu, algo se acende em mim?

De onde vêm as lágrimas de emoção ao meditar no amor? Sentir-se absolutamente amado. Graça e misericórdia.

Que são essas coisas? Quem somos?

Que tipo de ligação é essa entre o interior (pensamento) e algo mais (a vida, o todo, o sentido, o doador de sentido)?

Uma vez uma lágrima desceu-me dos olhos ao comer um bolo de Natal.

A emoção de cantar junto. O que é tudo isso que promove algo em meu interior? O estudo, a abertura de uma nova compreensão interna que arrepia os cabelos. A ação social que une, que promove amor.

Há tantas coisas que me encantam. Que me apaixonam. Mas o que colore a alma é algo além do sentimento. Além do sentir amor. Além do sentir o outro. Além do sentir o nós. O nós que nos liga a um sentido. A um enredo da história humana sobre a terra. 

O humano, a casca da árvore. O tronco cascudo da árvore é só uma casca de árvore. Mas o que é a casca da árvore quando eu a chamo Deus? E me dirijo a um Tu.

Será tudo isso um auto engano? Será tudo isso um mistério científico a ser estudado? Ou será tudo isso um mistério a ser adorado?

A abertura ao desconhecido.

Encarar o aberto. O medo. Medo de um gozo. Não suportar o gozo desse amor e me perder. O roçar do sagrado. Como o rio que beira a margem. Não exatamente a poesia, não as palavras, mas o algo que ela toca. E da qual me retraio.    

E então a própria melancolia dramática de não me submergir nesse mar. A melancolia de não ser esse amor. 

A falta, não de um amor comum, mas de não me reconhecer o próprio amor maior. A angústia da ausência de paz. A paz que se insinua, que vem de visita, que me desafoga por instantes.