segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Yoga liberdade e sociedades modernas

Em nosso grupo de estudos de Patanjali homenageamos o poeta Thiago de Mello lendo  Os Estatutos do homem.

Em seguida nasceu essa reflexão.

Sobre o poema do Thiago de Mello, me chama muita atenção a data dele. Parece realmente uma resposta muito profunda ao momento político em que ele vivia. E que resposta! 

Daí hoje fiquei pensando em como os yamas e niyamas poderiam ser lidos nessa chave de incompatibilidade entre a liberação humana e o nosso modo de vida social hegemônico. 

Yamas

Ahimsa não violência. Se houvesse ahimsa os Estados não teriam exércitos (quem quiser um texto belíssimo leia a carta que Gandhi escreveu para o Hitler)

Satya verdade. Se houvesse satya não haveria segredos de Estado ou segredo industrial. 

Asteya não roubar. Não  haveria propriedade privada e a gente também não roubaria dos animais.

Brahmacharya - não haveria um corpo de homem ou mulher em outdoor e propaganda pra vender produtos.

Aparigraha não acumular. Não haveria fome. Não receber presentes... não haveria financiamento eleitoral.

Niyamas

Sauca limpeza... Não haveria poluição dos rios, do ar, da terra, dos mares... Não haveria corrupção nos Estados nem nas empresas.

Santosha contentamento - não haveria a busca desenfreada por mais e mais... seria o fim do consumismo que move os mercados. Não haveria tanta doença causada pelo estresse e nem tanta farmácia.

Tapas - disciplina, esforço... esse tem, até demais. Mas com outros objetivos.

Svadhyaya  auto estudo identificação com o ideal espiritual. Se houvesse, a educação não seria tão focada no exterior e se voltaria para o interior. E não haveria o culto aos famosos e às  celebridades.  Os ídolos sociais não são os verdadeiros santos.

Ishvara pranidhana entrega a Deus. Qual Deus? Nosso mundo cultua ídolos muito bem. Somos bons fanáticos de deuses feitos a nossa imagem e semelhança  Mas Deus... esse em geral é assassinado.

O que nos resta? O amor e a inocência dos poetas e místicos. Ter a clareza que nossas sociedades são calcadas em valores estruturas anti-yoga, anti-liberdade. Resta-nos seguir. Tudo isso passará e eu, passarinho. 

Lembrar que aqui é um sonho e nosso caminho é para acordar dele. Esse mundo é um jogo de Deus. Então vamos ter de jogá-lo. 

Vem jogar mais eu mano meu.










quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Pravrajika Vivekaprana Who am I? Tradução em rascunho


Uma busca individual

Este é um caminho de busca individual e é disso que temos medo. Não queremos estar sozinhos. Como indivíduos, precisamos alcançar e entender nossas experiências, o que significa que não podemos fazê-lo coletivamente; não podemos fazê-lo em grupo nem com mais ninguém. E _isso_ é um problema. Vejam, todo mundo é sozinho, mesmo na vida diária. Mais e mais pessoas estão sentindo-se solitárias, isoladas, e incapazes de se comunicar. O mundo a nossa volta está se tornando incrivelmente perigoso e não sabemos o que vai acontecer em seguida; então, dizer que é essencial andar sozinho nesse caminho, que as respostas não serão encontradas de outra forma, traz à tona uma imensa responsabilidade, para a qual não estamos preparados. A vida, tal como está, vem nos trazendo isolamento, e então dizer que essa busca só pode ser feita a sós é como pedir para pularmos do penhasco. 

Infelizmente, os professores modernos continuam a apontar para fora e fornecem o consolo de que as respostas virão de lá. Muitas pessoas então se juntam e criam uma atmosfera; uma atmosfera especialmente criada pela figura central e ele ou ela dá a liberdade de encerrar o capítulo da vida mundana; as pessoas são encorajadas a revogar sua responsabilidade em prol da figura central e a participar de uma atmosfera em que elas não precisam se sentir responsáveis. Desse modo as pessoas se sentem livres para curtir algo criado especialmente por elas sem nenhum senso de responsabilidade. É mais fácil esquecer em um grupo, e fingir que não há nada com o que se preocupar. Mas pergunte às pessoas o que é isso que eles estão esquecendo e elas nem mesmo saberão.

Isso explica porque a Vedanta atrai tão pouca gente. Mas qualquer outro caminho não satisfaz também. A verdade é que se atmosferas artificiais são criadas, elas não podem ajudar a irmos até a raiz do problema. A insatisfação continua no momento em que voltamos a encarar a vida. O primeiro passo em tentar superar esse senso de insatisfação é talvez reconhecer nosso papel nesse jogo da vida.

Pravrajika Vivekaprana "Who am I? An enquiry" p. 2-3

Como somos responsáveis?

Não gostamos de reconhecer que _escolhemos_ entrar em nossas experiências e portanto somos responsáveis pelas causas e pelos efeitos. Nem mesmo reconhecemos que fazemos isso, e continuamente colocamos a causa fora de nós e nos sentimos vítimas dos efeitos. Negar nosso papel não ajuda. É isso que tem desafiado a humanidade. Eu gosto sempre de dar o exemplo do engarrafamento. Uma vez que pegamos a estrada ou resolvemos sair de carro, temos de aceitar que fizemos uma escolha de estar ali. Amaldiçoar os outros motoristas ou se perguntar porque eles estão ali não é a solução! Estar ali é nossa escolha; então a causa é nossa e o efeito também é nosso. Uma vez que entramos nessa, temos três opções a nossa disposição: amaldiçoar os outros, enfiar a mão na buzina sem parar e sentir a frustração de ser uma vítima; tentar se tornar o policial e organizar o trânsito; ou se concentrar em prosseguir no caminho e tentar sair do trânsito o mais rápido possível, tão eficiente quanto possível, e reconhecer que todos estão ali para fazer o mesmo. Todos estão em busca de um objetivo. 

Negar a existência do caos não é a solução. 

Houve uma época em que as pessoas saíam do engarrafamento simplesmente "fugindo". Mas nessa era, onde podemos ir? A vida não termina simplesmente saindo da estrada fugindo do engarrafamento. A chave está em compreender nosso papel, estar consciente de por que nós agimos e só então a atividade vai nos deixar. Nós não precisamos nos arrancar da ação. É importante aceitar a responsabilidade de estar ali, de ser uma simples engrenagem da roda, e  então trabalhar para nossa saída dali. A Realidade é uma, a Verdade é uma, e essa vida é um laboratório para realizar esta Unidade. Precisamos ver a vida como uma aventura. Só assim vamos perder nossa resistência.

Esta vida nos dá pares de opostos: não pode haver escuridão a menos que haja luz. E todos os pares de opostos são parte deste mistério chamado Maya. Nós também usamos o termo Maya como um bode expiatório. Proclamamos a vida como uma ilusão e justificamos nossa fuga. Assim também escolhemos ser vítimas, e tentamos nos absolver de nossa responsabilidade.

Pravrajika Vivekaprana

Who am I? An enquiry p.4-5

A resistência interior aos conceitos básicos

Sempre nos voltamos aos livros antigos. Sabemos que há alguma grande Verdade que temos a descobrir ou tomar consciência. Sabemos que temos de estar no controle e repetidamente somos avisados de que o conhecimento está dentro de nós. Na Índia pelo menos, há livros que claramente nos mostram que em última análise a responsabilidade é nossa. No Bhagavad Gita, Sri Krishna mostra a Arjuna que ele tem a capacidade, e o conhecimento, e ele precisa fazer a escolha se ele está pronto de aceitar o desafio ou não. Mas mesmo com o Bhagavad Gita, mesmo quando aceitamos que ele contém a sabedoria, não estamos prontos para ir muito profundo nela. O principal obstáculo reside em não reconhecermos nossa situação; em não perguntar por que as coisas são como são, e então procurar uma saída.

Se ouvimos um ensinamento e reconhecemos que precisamos praticá-lo, ainda assim queremos resultados imediatos. Nós não entendemos o tipo de luta e compromisso requeridos para a prática. Não compreendemos que estamos trabalhando com um instrumento - o sistema corpo-mente, que possui o resíduo de bilhões de anos de tendências. O esforço para nadar contra esse tipo de corrente nos exige uma tremenda determinação e vontade. A mente imediatamente resiste. Então dizemos que tudo é superstição e que não acreditamos em nada. Negamos os conceitos de renascimento, karma e luta. Negamos até mesmo a tendência universal e o desejo de viver e evoluir. Negamos que tendo chegado a esse nível de existência humana é possível compreender o caminho e cumpri-lo; nós encaramos a máxima resistência dentro de nós mesmos.

O fato interessante é que apesar desta resistência, estamos na Índia, mesmo hoje, muito mais seguros de que nós sempre damos um jeito de voltar suficientemente ao "normal", apesar das turbulências e desastres que possam nos atingir. A graça salvadora é que o pano de fundo da compreensão tradicional ainda está aqui mesmo que na superfície tentemos negar tudo como superstição. Em nosso subconsciente está que a reencarnação é uma verdade; karma é um fato, e nós criamos tendências a medida em que vivemos nesse mundo de espaço, tempo e causalidade. Essas crenças mantiveram a civilização indiana seguindo em frente até o momento atual.

Mas, se e quando essas verdades se perdem então nos tornamos presas de uma teia de medos invencíveis. A perda desses conceitos básicos tem consequências de longo prazo. Mesmo no nível físico da existência, a menos que saibamos o princípio subjacente, nossas mentes não percebem as implicações do efeito. Por exemplo, quando os ataques terroristas aconteceram em Mumbai em novembro de 2008, as imagens foram imediatamente mostradas em todo o mundo e houve uma transformação instantânea no espaço-tempo mental das pessoas, em diferentes graus, em diferentes partes do mundo. A imagem visual tem um grande impacto em nosso espaço-tempo mental e nós não sabemos como lidar com os medos e a atmosfera mental que essas imagens criam.

Swami Vivekananda tenta explicar que precisamos retornar a raiz, compreender a meta e seguir em frente. Karma e reencarnação são conceitos vivos e vitais e eles explicam a vida em sua profundidade. Precisamos trazer esses conceitos ao nível consciente de modo que possamos lidar com a vida. Precisamos reconhecer o desafio, aceitá-lo, e compreendê-lo. Precisamos encarar a tendência básica, raciocinar sobre de onde ela vem, e então escolher o curso de ação. E se nós compreendermos, então poderemos seguir adiante com humildade e senso de renúncia.

Pravrajika Vivekaprana

"Who am I? An enquiry." p. 5-8

O significado de renúncia

Um dos mais básicos equívocos que temos quando lemos esses livros é com relação à ideia de renúncia, _vairagya_ . Diz-se que sem _vairagya_ não é possível mover-se adiante nesse caminho. O conceito de _vairagya_ , entretanto, é mal compreendido. Estes livros não estão pedindo para renunciarmos à vida. A vida é um fluxo, logo, não podemos, de forma alguma, estar duas vezes no mesmo lugar. _Nós já estamos renunciando a tudo à medida em que seguimos_ mas não estamos conscientes disso porque não temos controle sobre o ímpeto da vida que se tornou involuntário. A própria mente está nos importunando e tornando possível que deixemos as coisas para trás. Isso por si só é uma forma de _vairagya_ .  O tempo faz com que seja impossível que nos agarremos a qualquer coisa.

Podemos tomar uma posição positiva de que estamos procurando por liberdade, logo tudo isso a nossa volta precisa ir; podemos deixar ir na medida em que a liberdade não se encontra nesse nível compulsivo. Por outro lado podemos tomar um sentido muito negativo de que a religião está nos pedindo para renunciar, quase como  se nos fosse realmente possível segurar qualquer coisa! Ninguém diz que não devemos ter uma casa, que não devemos comer ou não devemos possuir roupas! A essência está em quanto nós queremos nos agarrar a tudo isso e por quanto tempo!

Pravrajika Vivekaprana 

Who am I? An enquiry p. 12


Fé e Prática

Os sábios descobriram que este mundo, onde temos experiências, não é a realidade absoluta. É uma certa superposição e precisa ser removida, como a cobra vista na corda. As perguntas feitas foram: como nós percebemos Brahman como o Universo?  Como percebemos o Atman como este corpo e mente? Como, por que e quando começamos com essa percepção? Eles também afirmaram que porque não entendemos, permanecemos presos na teia. A meta, portanto, é a liberação final e os meios para alcançar a meta precisam passar pela experiência direta. Nas religiões tradicionais, eles dizem, tenha fé, tome um método (por exemplo um _mantra)_ e pratique.


Hoje, porque não temos fé, nós fazemos perguntas. Então, uma vez que compreendamos, precisamos ter um método e precisamos praticar com uma fé baseada nesta compreensão. Esta fé está conectada à prática. Não está conectada a nenhum dogma. Sri Shankaracharya refere-se à fé baseada no entendimento como a verdadeira _bhakti_ . Não pode haver _bhakti_ sem prática e sem prática não haverá nenhuma experiência direta.

Pravrajika Vivekaprana "Who am I? An enquiry" p. 30


Sri Shankaracharya diz que através de _tapasya_ ou austeridades, e através da realização de certos ritos poderemos alcançar nossa meta. Quem pode ser mais austero que os seres humanos? Estamos literalmente queimando nossa energia, trocando energia o tempo todo. Estamos num estado constante de _tapasya_ ! Existem bilhões a nossa volta e seu sofrimento não está sendo camuflado. Podemos ignorar isso? Estamos sendo forçados a encarar a realidade e sentir o sofrimento dos outros; estamos, de forma crescente, sendo forçados à empatia e a sentir compaixão. Essa é a _tapasya_ da atualidade. Isso nos aproxima do "Eu sou". Precisamos interpretar esses conceitos antigos em termos modernos. Se a referência a _tapasya_ aqui é  meramente fazer penitência na floresta então não se aplica a nós. 

Em seguida vem a ideia de agradar a Deus, a propiciar Hari (o Senhor). Como podemos fazer isso? O que é isso que vem a agradar Deus? O conceito é repleto de significado. O que ou quem é esse Deus? Isso implica numa completa participação em nos doar cem por cento para a busca da Auto-realização, portanto, agradando a realidade última, que "Eu sou". _Então Eu sou meu Primeiro Professor._ 

Pravrajika Vivekaprana 

Who am I? An enquiry p.37-38


A luz interior

  

"Um objeto não é percebido (visto) em parte alguma sem a ajuda da luz."

Sem iluminação nada é visto. Mas quem é o iluminador? Estamos iluminando nossas experiências ou é uma luz emprestada? Nós já vimos que cada um de nós está iluminando o mundo com sua luz interna. Os pensadores antigos dizem que se queremos _mukti_ , liberdade, então devemos abandonar a objetividade. Se criamos um filme, e estamos adictos a ele, temos que reconhecer a adicção como um problema auto-criado. Externalização _(pravritti)_ é a natureza mesma de como o corpo e a mente funcionam. Mas "Eu sou" não pode ser externalizado. Se levamos a sério essa aparente _pravritti_ ,  nos tornamos completamente divididos.

Pravrajika Vivekaprana 

"Who am I? An enquiry" p.44