terça-feira, 12 de novembro de 2019

Esquizoyoga e o yoga de rua


Schizo, Maya, Avidya, Viveka, Mantra, Yoga.

Do grego schizo, desagregação, separação.
A personalidade dividida.
No sânscrito avidya, ignorância, a ilusão de separação, o mergulho na dualidade.
Yoga, unir (tudo é Brahman), mas na condição comum (doente?) nos percebemos separados, isolados.

Observando as oscilações mentais, quem de nós estaria livre de se perceber schizo?
Yoga é a cessação das oscilações mentais (citta vritti nirodha).

O estado de yoga, é o estado de integração.
A vida do ser humano comum, sejamos honestos, é uma vida de desintegração.

Quando fazemos yoga estamos em busca de algum nível de integração, centramento, de viveka (clareza mental) que nos faça ao menos perceber que em geral estamos mergulhados em padrões mentais de repetição e repetição, separação e autoafirmação esquizóide da separação, ... dispersão.

De perto ninguém é normal.

Um grande professor de yoga brasileiro, nosso querido Hermógenes, resumiu:

"Deus me livre dessa estranha doença chamada normalidade"




Ser normal, numa sociedade mergulhada na ignorância, é uma verdadeira doença, que ele chamou de normose.

Comecemos então nossa jornada partindo desse reconhecimento inicial:

Assumo a loucura. Parto em busca de alguma integração no meio disso tudo.

A equipe do Yoga de Rua se reuniu para assitir o filme "Nise: o coração da loucura".



Nise da Silveira, inaugurou uma nova etapa da psiquiatria. Começou a se comunicar com as pessoas internadas no manicômio e inaugurou o esforço de "escutar" o que as pessoas estavam comunicando através de seus desenhos, suas pinturas. Uma linguagem diferente, a expressão do inconsciente, através da arte. Com a inspiração da teoria de Carl Gustav Jung sobre os arquétipos, Nise percebeu certos padrões de expressão, o círculo, as mandalas, como um trabalho do inconsciente em busca de uma integração, o ser em busca de integração de Si.



Cá estamos nós. Praticantes de yoga na mesma trilha.


E na rua estamos nos abrindo cada vez mais a esse esforço de escuta de nós mesmos em contato com nossos alunos. Alguns estão chegando para as aulas em "crise" e nessa expressão estamos buscando escutá-los e nos abrir para acolhê-los. O que estão nos dizendo em seus expressões: a dança, o grito, a agressividade, o estar de fora da roda, a sensualidade?



Algumas questões foram lembradas e estamos pensando a partir delas:

1- o yoga de rua é um projeto voluntário e temos esse limite de tempo para um contato mais frequente com os alunos.Cabe uma pergunta: de onde vem o dinheiro, o sustento material na sociedade em que estamos? Por que o trabalho, muitas vezes o mais importante e útil que fazemos, não tem remuneração nos termos do acordo coletivo de nosso mundo? Sair da loucura não é tão simples!
Como estabelecer vínculos afetivos, com o pessoal que ainda tá morando na rua, capazes de dar conta e continuidade desse acolhimento e escuta? As vezes um voluntário só está no projeto de quinze em quinze dias. Da mesma forma temos dificuldade em termos esse tempo para um encontro periódico para discussão dos casos em equipe. Ainda assim, a equipe está bem disposta a ter mais rotinas de encontros e reuniões.

2- estamos juntos para a prática de yoga e talvez a expressão simbólica desses inconscientes vão precisar de outras ferramentas/linguagens... precisamos nos abrir para o fato de que possivelmente a yoga não seja o ponto final de relização dessas pessoas que nos chegam ao projeto. A humildade de sermos só uma estação, um lugar de passagem.

3- Estamos nos perguntando quais as metologias do universo da yoga podem ser mais apropriadas para essa entrada na loucura para o caso específico das pessoas que vivem nas ruas? Que formas de prática de yoga são possíveis ali, são necessárias? As conversas em roda, que outras formas de encontro/expressão? Num universo tão simbólico como as mitologias (que estão por trás dos asanas...) estamos pensando... quem sabe uma série de yoga não é na verdade uma grande contação de história... quem sabe o teatro desoprimindo... a dança... a música, os mantras... como terapias coletivas...

4- existem situações de risco envolvidas, para nós e todo o grupo e isso aumenta a nossa responsabilidade de estar na condução ali de um grupo onde podem surgir situações de violência. As pessoas estão confiando de que estamos criando um espaço seguro e de repente, as pessoas do proprio grupo começam a representar ameaças... surge o medo no grupo e precisamos pensar a respeito disso.

Que paradigma é esse?

Yoga é desapego. O sofrimento é apego. Apego é sofrimento. As fortes paixões. As fortes frustrações. Praticar yoga é uma forma de fortalecer-se para abrir mão das projeções e fantasias e encarar o real a partir de um lugar de maturidade e plenitude.

Mas a rua tem um enigma. Ali as pessoas romperam os laços. Não se desapegaram. A frustração, o sofrimento do convívio foi tão grande que a rua foi a estação final de um longo processo de mal estar nas relações.

Descontinuidades. Perdas. Angústias. Abandonos. Expectativas. Saudades. Morte. Vida. Sentido de vida.

Tudo está em carne viva.

"Prefiro não falar sobre isso."

Então o yoga de rua precisa propor um caminho de volta:


Uma schizo yoga vinculativa, uma yoga do encontro afetivo libertador.


Afeto.
Afeto.
Afeto.

Marca do trabalho da Nise da Silveira e de Paulo Freire, o educador popular.



A vinculação.

A rua é solidão.
Yoga é vinculação.

A imagem do iogue isolado, meditando... é uma imagem exterior, um estigma limitado.

O que o iogue em solitude está fazendo é o extremo da vinculação em plenitude com todos os seres... a deusa Mãe, que é a totalidade de todos os seres... ver o divino em todos os seres. Estação final da comunhão cósmica.

Até chegar à divina solidão que é união... temos um percurso.

Começa resgatando os fios do investimento afetivo que ficaram caídos no chão...

Reconstrução de afetos. Novos e antigos afetos.

Yoga de rua começa com a vontade de encontrar um amigo, uma amiga.

Criar laços.

Saber de ti.

Falar de mim.

E aqui há um risco muito maior.

O perigo de gostar das pessoas e se vulnerabilizar, o perigo de, por fim, acabar amando alguém.

O diferencial no diálogo com alguém em crise é o amor.

Amor, no sentido absoluto da palavra amor, que significa não pressupor saber do outro o que é melhor pra ele, amor no sentido do reconhecimento do mistério insondável do outro e da escuta sensível, pelos poros, do que o outro está expressando, amar do verbo amoral. 

Yoga é plenitude, o tempo eternidade (pra alem de todos os limites) ,o espaço infinito (pra além de todas as fronteiras), é salvação-libertação pra além de toda dualidade.

Estamos todos em exílio, em maya, na rua da amargura... e nessa mesma fase de ruptura e descontinuidade com o real... nosso trabalho aqui com yoga é reconstrução de nós mesmos e o outro é a ponte para o caminho que conduz ao centro de mim mesmo.

Deus, revela-Me.

Hari Om!
Gam Ganapataye Namah!

sábado, 12 de outubro de 2019

Yoga, sexualidade, violência, política, amor


Ultimamente eu só tenho escrito por necessidade.

As pessoas anseiam por amor.

Quem me dera pudesse escrever pouco. Poesia. Expressão profunda e ambígua. Aberta. Misteriosa como todo sentimento. Inacabada. Ainda alcanço essa imprecisão.

Debaixo do viaduto íamos começando mais um encontro do yoga de rua. Eu, cerca de doze pessoas que moram nas ruas e muitos outros em volta. Dia de chuva. Se não estaríamos sob a árvore do parque. Mas hoje era ali, no turbilhão de vento frio, chuva, carros e buzinas e pessoas dormindo, pessoas passando e nós ali.

A professora ia chegar. Fui começando as apresentações. Cada um fala o nome e o nome do outro e do outro e do outro (dificil pra quem fica por último) e esse exercício de memória sempre deu bons frutos em nossas rodas.
Depois abri se alguém queria falar ou tinha perguntas antes de começarmos a prática.
Filosofia do yoga antes da professora chegar. Da outra vez yamas e niyamas nos renderam ótimas reflexões.
Uma senhora que vinha pela primeira vez perguntou: o que é yoga?

O que é yoga?

Quando acordei de manhã na casa de meus pais em Niterói a primeira reação foi: puxa, está chovendo acho que não vou tão cedo, o corpo está precisando de descanso, senão posso acabar adoecendo, vou deixar pra chegar mais tarde e aproveitar para estar com meus pais mais um pouco aqui, tomar café da manhã com calma com eles. E vou aproveitar que acordei tarde pra tirar um tempinho para meditar. Quando sentei para meditar a primeira resposta que o silêncio me trouxe foi: você precisa ir, de que vale essa meditação aqui isolado, vá lá, e faça desse encontro com as pessoas a sua meditação... e... que importa o corpo?

O que é yoga?

Quando comecei a responder à senhora... pontapés!
Um moço entrou em nossa roda e começou a dar pontapés em um de nossos alunos.
Na mesma hora me levantei para me colocar entre os dois. E assim apartando a briga fomos vivendo esse caos que ninguém compreendia.
Nesse ambiente violento, de gritos, as informações foram chegando: ele tentou me estuprar enquanto eu tava dormindo, disse uma jovem. Ele se masturbou olhando pra minha namorada, disse o rapaz. Falei para o então meu aluno: corre, vai embora daqui, foge. Ele não me ouviu. Depois de um tempo, no momento de uma nova investida do rapaz, dessa vez me seguraram para que eu não atrapalhasse mais: deixa eles, professor, estuprador tem que apanhar mesmo.
E assim me aquietei tentando me acalmar enquanto via a briga dos dois, que dali foram para o meio da rua cada um com uma ferramenta maior que a do outro.
Então alguém do grupo sugeriu: vamos fazer o Om.
E assim ficamos entoando o Om.
Quando as pessoas da roda se distraíam, alguém do grupo dizia: concentra no Om. Visualiza a luz chegando para eles dois, para os envolvidos na briga enquanto fazemos o Om, disse mais um. Concentra! Om, Om, Om.
A briga parou.
O menino voltou.
Senti medo que depois de tanto segurá-lo ele pudesse vir tirar satisfações de mim.
Om.
Ele passou direto e foi pro canto dele junto de um grupo grande de amigos que estavam deitados num dos cantos ali do chão.
A professora chegou e fomos conversar. Contamos pra ela o que aconteceu. E voltamos a pergunta:

O que é yoga?

Diante do que vivemos, o que é yoga?

Então o moço acusado de estuprar vinha voltando. Ai não, essa não, de novo, falamos.
Então um dos meus outros alunos, abriu a mochila e tirou uma tesoura lá de dentro, pronto para usar como arma contra o "estuprador".
Mais uma vez me levantei e falei emocionado e num tom secreto com ele: não, você não. Você tá na pista também. Não se meta nisso. Você não.
Ele se segurou, se reprimiu com tanta força que ficou ali sentado, tremendo de raiva, chorando cabisbaixo.
O moço só veio pegar as coisas dele e foi embora.
Ficamos aliviados.

O que é yoga?

Voltamos a pergunta.
Yoga é autocontrole.
É não estuprar ninguém. Isso significa nem mesmo forçar a namorada a transar quando ela não quer.
Isso apesar de óbvio soa como uma verdade necessária de ser lembrada nessas nossas rodas.
Autocontrole das pulsões sexuais. Respeito a vontade de outro.
O grupo falou um pouco sobre isso. Existem asanas que ajudam a esse autocontrole: paschimottanasa, sarvangasana, a professora falou que iria mostrá-los durante a prática que faríamos em breve.

O que é yoga?

Começamos também a olhar para a forma como em geral acusamos e condenamos os outros. Nessa hora um dos participantes, aquele que havia tirado a tesoura da mochila e ainda estava muito nervoso, contou-nos que sua vida na rua começou justamente quando não conseguia mais suportar o contexto em que vivia em casa. Disse que sua filha foi violentada e essa foi a maior dor da sua vida. E vendo o sofrimento de sua filha depois do ocorrido, resolveu ir para a rua, "à caça" do estuprador.
Diante desse relato uma pessoa tentou fazê-lo ver que além de não ser bom para ele, também não era bom para sua filha...
Mas ele estava fechado para qualquer argumento. Estava ardendo com o calor de suas memórias.
Então fizemos assim: ficamos de pé, todos ficaram em pé, nos demos as mãos e ficamos bem pertinho uns dos outros. E dissemos algo assim: quando a gente está dentro da fogueira, a gente precisa sair da fogueira e se jogar na água para sobreviver. Depois a gente pode tentar fazer algo para apagar o fogo. Da mesma maneira quando a gente está no fogo de emoções muito fortes, precisamos sair desse calor intenso para depois pensar com tranquilidade.

O que é yoga?

Eu não tenho palavras para te dizer nessa hora. Diante da tua dor, mas quero te convidar a uma oração. Um dos meios de sair da fogueira e resfriar a mente é através da oração. Vamos colocar tudo isso que você nos contou diante de Deus. Existem formas de se relacionar com Deus. Vou falar de algumas, de um jeito que eu tenho feito. Vou partilhar com vocês. Eu falo assim:

Deus, Criador, aqui estou, criatura. Aqui estamos todos nós. O Senhor é o criador, há de dar um jeito em tudo isso que o senhor criou. Então nós entregamos nas tuas mãos todas essas situações de sofrimento e injustiça, assim como a chuva cai sobre bons e maus, e o sol brilha para justos e injustos.

Deus, Pai, Deus, Mãe, aqui estamos teus filhos. O senhor cuida como um Pai, uma Mãe, cuida de seus filhos. Com o máximo de atenção e responsabilidade pelo bem estar deles. Se ocupa de nosso crescimento. Possamos nos sentir seguros sob o teu olhar. Que possamos nos sentir em casa.

Deus, Mestre, aqui estamos aprendizes. Tudo que nos acontece é caminho de aprendizado. Para sermos mais parecidos com o senhor.

Deus, Amigo, aqui estamos amigos teus. Tem coisas que a gente só fala pra um amigo, tem segredos... só para um amigo abrimos nosso coração...

Deus Amado, aqui estamos amantes... queremos ansiosamente nos unir a Ti, aqui estamos cheios de desejo de amor, para nos fundir em Ti, que nos completará.

Deus, criança divina, aqui estamos, contemplando a tua pureza, dá-nos olhos de ternura para perceber tua presença em todas as coisas...

O que é yoga?

Depois desse momento de oração, combinamos de seguir com a prática de asanas. A professora começou a conduzir o grupo. Nesse tempo, fui lá conversar com o casal de jovens. Estavam lá no canto, com garrafinhas na boca, cheirando solvente, se drogando. Converso com eles que me parecem ainda mais duas crianças indefesas na rua. Sugiro que denunciem o rapaz. Ficamos ali um tempo conversando na medida do possível.

O que é yoga?

O que levam as pessoas a viver nas ruas? Para além da miséria econômica, a fragilidade dos laços sociais... que elementos da cultura que nos envolve a todos... que tipo de pressões um homem sofre, por exemplo, que fica pesado demais e não consegue dar conta e vai pra rua em busca de alívio e liberdade?

Quanta dor se torna impossível de suportar? E onde está a força de suportar? Que base emocional pode ser reencontrada por essas pessoas para se equilibrar e ter decisões sábias diante de desafios tão grandes?

O que leva alguém a perder o freio de seus impulsos e cometer atos de violência sexual? Que base de emoções essa pessoa precisa encontrar para fazer sentido a ela deter-se? Quem podemos ser para essa pessoa? Em que medida, nós como projeto que se volta a população em situação de rua pode se constituir como a base de afetos capaz de acolher esse homem, por exemplo, num processo de reconstituição do equilíbro da mente e reconstrução de suas próprias escolhas?

As pessoas anseiam por amor.

Lembro de Jesus dizendo: os sãos não precisam de médico, mas os doentes, não vim chamar os justos, mas os pecadores...

O que é yoga?

segunda-feira, 15 de julho de 2019

O poeta está vivo depois da meditação






Baby, compra o jornal
E vem ver o sol
Ele continua a brilhar
Apesar de tanta barbaridade
Baby, escuta o galo cantar
A aurora dos nossos tempos
Não é hora de chorar
Amanheceu o pensamento
O poeta está vivo
Com seus moinhos de vento
A impulsionar
A grande roda da história
Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo
Com seus moinhos de vento
Se você não pode ser forte
Seja pelo menos humana
Quando o Papa e seu rebanho chegar
Não tenha pena
Todo mundo é parecido
Quando sente dor
Mas nu e só ao meio-dia
Só quem está pronto para o amor
O poeta não morreu
Foi ao inferno e voltou
Conheceu o Jardim do Édem
E nos contou
Mas quem tem coragem de ouvir
Amanheceu o pensamento
Que vai mudar o mundo
Com seus moinhos de vento
* * *
Lembrei dessa música no último dia do retiro, vivido no M.u.d.a., em Piracaia-SP.
Lembrei dela ao fazer anotações no banheiro do meu quarto, às três e meia da manhã no último dia, depois de acordar de mais um pesadelo (de alguns que tive).
Baby compra o jornal e vem ver o sol, ele continua a brilhar apesar de tanta barbaridade...
No retiro, a presença das pessoas que moram na rua, nossos amigos do yoga de rua, trouxe para o campo coletivo, as memórias vivas de muita violência sofrida pelos companheiros. Armas, guerra, infância difícil, solidão...
E o trabalho de conexão que é feito ali, é trabalho de inter-conexão, então todo o grupo mergulhou junto.
Baby, compra o jornal... onde lemos as noticias das vidas das pessoas. E foi também recebendo cartas-noticias das pessoas do sul da Asia que Thich Nhat Hanh em Plum Village meditou sobre tantas violências no mundo, terminando por escrever seu poema, Por favor, me chame pelos meus verdadeiros nomes.
Apesar de tanta barbaridade, o sol continua a brilhar. Aquilo que permanece ao turbilhão de emoções que entramos diante de tudo isso... o que permanece... só o que permanece é a impermanência, a vacuidade. Baby, vem meditar, vem ver a vacuidade. Vem ver, vem experimentar a transitoriedade dos fenômenos, vem ver de perto as ilusões de nossa mente... vem ver o real...
Aliás o sol foi elemento que apareceu em nosso dia a dia de muito frio lá. Aquecer-se ao sol, no silêncio das horas, era parte do nosso cotidiano. O sol nos aquecia e iluminava a paisagem tranquila de grama e morros, céu azul, árvores e pássaros, onde treinávamos a olhar e ver miragem em todas as coisas, ver que tudo é como um sonho.
Também tinham galinhas no sítio, caminhando soltas por lá, e galos cantando todos os dias. Seu canto anuncia a chegada de um novo tempo pra gente. Não é hora de chorar... lembro aqui da instrução na técnica Alexander, inibe as reações... inibe o choro e volta pro corpo, integra tudo isso e vê o que vem... integração, abertura...

Os moinhos de vento, Cervantes, D Quixote, seus devaneios, ilusões. Estudamos a mente em sua ignorância, apego e raiva. Roda da Vida. Circulo de vida e sofrimento, vida e sofrimento. A grande roda da história. O poeta aqui é mais um prisioneiro. Cá estamos presos. Por mais que se tente mudar o mundo com bons pensamentos e boas intenções, é sempre a mesma historia, em círculo.
Então voltamos o olhar para dentro. Apegos, aversões, preferências, gostos, indiferenças, insensibilidades, lembranças, obsessões, agitação, decepções... que bom que você não precisa ser forte o tempo todo, seja pelo menos humana... olhar tudo, tudo, tudo o que te surge. E acolher. Perceber tudo como parte de si. A força e a fraqueza que te fazem a cada instante. Sem idealizações, sem moralismos, sem julgamento, de papas e seus rebanhos. Atitude zen. Ouça sua mente como quem ouve os sons, como quem vê os objetos. Todos os seres são suas mães. Frase de Buda. E todas as coisas que chegam, incluindo os pensamentos são o que te fazem. Então seja isso. Perceba-se sendo feita a cada instante por tudo isso, de fora e de dentro. Perceba-se sendo o que você já é. Agora. Seja pelo menos humana: simplicidade zen. 
Mergulha aqui, observando a dor e a sua raiz e vê como todo mundo é parecido. Medita então nessa equanimidade entre o eu e o outro. Todo mundo quer a mesma coisa: evitar o sofrimento e ser feliz. Você quer sair do sofrimento e ser feliz. Então não há motivo para você querer ser melhor e mais importante do que ninguém. Tenha apreço por todas as pessoas, tanto quanto você tem apreço por você.
Quem é agradável a você, pode ser desagradável a outro, quem te é desagradável pode ser amada por outros. Não há motivo para aumentar as qualidade de uns, amplificar os defeitos de outros, ser indiferente a ninguém. Tenha apreço por todos. Tenha uma atitude calorosa e amigável por todas as pessoas. Deseje que todos os seres possam ser felizes.
Nu e só ao meio dia... nos vejo ali em silêncio debaixo do sol... vivendo processos sem se distrair com conversas e passatempos (o silêncio é essencial em retiros assim) é muito, muito, muito tentador mesmo cair na lamentação e ficar remoendo as dores pessoais. E sentir-se vítima de tantas coisas... mas o fato é que eu não sou tão importante... o eu mesmo nem existe... daí o amor... "só quem está pronto pro amor!" Essa reviravolta... sair de si e ver o outro...  Amor a todos os seres... esse é o verdadeiro amor.
Nesse retiro fomos juntos ao inferno das dores humanas, das complexidades estruturais de nossa sociedade.
Mas, há que se admitir, fomos também ao Édem. Os momentos de paz mental, no cultivo de verdades simples, como apreciar o outro, reconhecer a impermanência de tudo... e ainda, perceber a vacuidade do corpo, e do eu...
Vacuidade. Que é isso?
Todas as coisas são vazias de existência inerente.
Tudo está interconectado, vinculado.
Sentimos isso de várias maneiras.
Deitados em semi-supina, ouvindo as instruções da técnica Alexander, por exemplo. Sentir no corpo que o corpo é um organismo vivo, de células, bactérias, vírus... moléculas, partículas... nada sólido. Sem fronteiras. Uma pulsação, totalidade.
Meditando na inter-existência de todas as coisas. Em mim, está o meu pai e minha mãe, e os pais de cada um deles e assim por diante... em mim está o alimento, e tudo que está presente também na existência do alimento (o sol, a nuvem, a chuva, quem plantou...), e em mim está o ar que respiro agora, e agora o ar que saiu já não faz de mim outro... mudança, mudança, mudança...
Meditando na vacuidade... as cosias nos aparecem como existentes, mas se olharmos bem são como miragens... por trás do nome e forma, o vazio de existência inerente... perceba o vazio do seu corpo, perceba o vazio do eu. Você sentiu vergonha, medo, raiva, o eu se intensifica, você procura o eu, e ele desaparece.
Moinhos de vento... miragens... depois de ir ao inferno e voltar, de ir aos jardins do édem... o poeta agora traz um novo pensamento, que vai mudar o mundo... aqui os moinhos de vento estão nesse mundo, esse mundo é uma miragem e esse pensamento novo, pós inferno e édem muda porque não muda, muda porque desfaz a solidez, mostra a existência e não-existencia, a existência vincular de todas as coisas...
Inter-existência é vacuidade. Vacuidade é vínculo. Numa dessas idas ao édem, meditando sobre a morte, percebi que Jesus quando se aproxima do dia de sua morte, convida os amigos para um jantar e ritualiza... seu corpo agora é o pão. E hoje os cristão comem esse pão, e Jesus está em todos eles. Vacuidade e amor... minha carne está em toda parte e é alimento de todos os seres. Assim como, em mim, vivem todos os corpos de todos os seres... 
O poeta não morreu... o poeta somos nós.


quinta-feira, 20 de junho de 2019

Eles me receberam em sua casa: a rua



Uma visita prometida

Essa visita já estava prometida com nossos alunos do projeto yoga de rua. Vou dormir na rua com vocês, vamos fazer uma vigília de meditação... Onde? eles perguntavam. Não sei, onde vocês estiverem eu vou.
Nessa terça feira, 18 de junho, fui até o Refettorio Gastromotiva, onde há uma janta às 18hs para as pessoas em situação de rua envolvidas com diferentes projetos parceiros do restaurante. Deixei mochila, dinheiro, celular numa casa amiga e fui só com roupas de frio, um documento, umas frutas e dois livros, um sobre Shiva e um dicionário de sânscrito.
Rodrigo estava na fila e o Sávio já estava lá dentro. Ambos perguntaram a mesma coisa: vai ser hoje?
Sim. E logo já assumiram a liderança.
Depois do jantar estavam na porta me esperando. Pra onde você quer ir? Pra algum lugar meditar, encontrar o pessoal. Não, não, vamos ali no Farol da Lapa (uma igreja que serve janta), você vai andar com a gente pra saber como é a nossa vida. Vocês vão comer de novo?! Eles riram. Vem com a gente. Aqui eu sou o Swami.

A inspiração espiritual - Deus onde estás?

Rodrigo quis dizer que ele seria o guia. Nos últimos dois fins de semana tínhamos ido ao arati da ordem Ramakrishna. Sob a liderança do Swami Nirmalatmananda aquele grupo celebrava o ritual sagrado e meditava em meio a muitas canções e aos tradicionais hinos compostos por Swami Vivekananda, o discípulo de Ramakrishna que iniciou a ordem monástica que hoje conta com milhares de centros e obras sociais em todo o mundo. Aqui no Brasil, Swami Nirmalatmananda é um verdadeiro diretor espiritual dos devotos, e os guia com um coração muito amoroso.
Ramakrishna adorava a Deus na forma feminina de Kali, a deusa mãe, todo-misercordiosa e cujo mistério atrai as pessoas mais simples... a deusa negra, nua, usando uma guirlanda de cabeças e dedos, de pé sobre o corpo de Shiva, com a língua de fora... cultuada em crematórios, é a personificação da destruição e do terrível, que anuncia sua presença naquilo que é belo tanto quanto naquilo que parece feio aos nossos olhos. Deus está na flor, mas também no verme do solo. Kali-Ramakrishna, nos lembra a onipresença de Deus sem esquecer nenhuma criatura, nem mesmo a menor das partículas. Tudo é Deus. E nessa inspiração caminhei nas ruas até meus amigos em busca dessa revelação, Onde estás? Na noite, no medo, no abandono, na violência social, nos ratos e baratas, na sujeira, na embriaguês, na fome, onde estás?

Comida não falta!

No Farol da Lapa o ambiente era mais denso. Um culto batista, misturado a muita gente falando junto com as senhoras que citavam a Bíblia, pessoas alcoolizadas, um amigo doente no chão. As pessoas tinham ido no Gastromotiva e estavam ali para comer de novo. E decidi ajudar a arrumar as cadeiras enquanto o pessoal ia pra fila.
Enquanto comiam, aproveitei para conversar com um amigo doente deitado no chão. Febre, dor de garganta. Escutei-o e então propus de aplicar uma técnica japonesa do toque nos dedos. Ficamos ali em concentração. Ele descansou bastante.
Conversei com outras pessoas e ao final Rodrigo e Sávio me levaram adiante. Passando na Lapa, me mostraram a janta da Igreja Universal. Ao ar livre, mais uma janta! Eu já tô cheio, disse Savio. Mas tem gente que ainda vai comer mais. Vamos pra Cinelândia. A gente vai dormir lá? Não, lá é a sala. Rimos. O quarto a gente te mostra depois. No caminho, percebi que Rodrigo escolheu entrar numa esquina.  Sua atitude impassível expressava aquela certeza intuitiva de ir no caminho certo.  Adiante, caixas de papelão. Pegaram alguns. Era a minha cama! Olha, costuma não ter aqui esses papelões, o pessoal da reciclagem pega mais cedo. Foi um presente divino pra você, me disseram. Andávamos assim, com esse espírito de paz, de graça, de estarmos acima das dificuldades, na presença de Deus, no estímulo da fé.

Meditação na sala

Sentados nos bancos da Cinelândia, invisíveis às pessoas no seu corre-corre, enquanto outros assistiam o jogo do Brasil, ficamos ali meditando, lendo trechos de Swami Vivekananda no livrinho que ele havia sido presenteado la no centro Ramakrishna, domingo. Lemos trechos como esses:

"Desde o mais elevado Brahman até o verme mais inferior, e até o mais diminuto átomo, em todas as partes está o mesmo Deus, o Todo-Amor. Amigo, oferece mente, alma e corpo aos seus pés. Estas são suas múltiplas formas ante ti. Desprezando-as, aonde buscas a Deus?"

"Este é o ponto essencial de toda devoção - ser puro e fazer o bem aos outros. Aquele que vê Shiva no pobre, no fraco, no doente, adora Shiva realmente, mas é apenas incipiente a veneração daquele que vê Shiva só na estátua. Shiva fica mais satisfeito com quem ajuda e serve a um pobre vendo nele o próprio Shiva e sem pensar em sua casta, credo ou raça, do que com o homem que o vê somente na igreja e nos templos."

Rodrigo propôs uma meditação que ele gosta. Esfrega-se uma mão na outra para energizar e então afasta um pouco uma mão da outra e fica assim sentindo a energia. Ficamos assim por um bom tempo. Rodrigo tem interesses esotéricos, técnicas de cura, trabalhos com energia. Gosta de ler sobre os mestres da humanidade e seus poderes de realizar milagres. Nesse dia me falou sobre a provável iniciação de Moisés nas tradições do Egito Antigo.

Encontro com um grupo de caridade

Vamos lá. Agora vamos para o quarto. Caminhamos até o prédio da Defensoria. A lua estava alta e convidava a uma caminhada contemplativa. Lugares mais silenciosos, percebíamos o ar mais fresco, carregado da maresia da Guanabara. Olha lá a carreata. Mais comida? Tinham uns 5 carros que traziam quentinhas ao pessoal que dorme ali. Sentimos uma energia muito boa no ambiente, a presença do amor. Uma alegria. Rodrigo começou a cantarolar uma música espontaneamente. Chegamos mais perto e me ofereceram bolo e um cobertor. Finalmente, agora eu tinha o papelão como cama e um cobertor para me proteger do frio da noite!

Sugeri ao Sávio e ao Rodrigo que cantássemos uma música para eles, em retribuição ao bem que nos faziam. Nós cantamos um mantra para Rama, Sita e Hanuman. Pelo que percebi, houve um certo constrangimento de ambas as partes. Nós ficamos com vergonha. E as pessoas não se entregaram a escuta. Estavam ali para doar, não esperavam receber. Não estavam abertos.

Lembrei de quando comecei a servir quentinhas na rua há uns 20 anos. Uma vontade de ajudar, misturada a timidez, sem saber o que dizer, como se fosse preciso dizer algo, uma palavra amiga, algo que ajudasse a pessoa. Dessa vez eu estava, de certa forma, disfarçado. Já havia tido a oportunidade de viver isso. E realmente, estando do outro lado, sinto uma certa invisibilidade. Na conversa com as pessoas sinto que elas não nos ouvem. Querem falar coisas, palavras que acabam soando vazias. Mas nem nos olham direito.

Foram fazer uma prece de encerramento entre eles. Eu olhei e nos chamaram para participar. Uma prece espírita. Que falava de um despertar para o recomeço de vida das pessoas. Essa prece calou fundo no inconsciente do pessoal.  No fim uma senhora disse que eu parecia filósofo. Falei que não era filósofo mas que já dei aula de filosofia. Mas hoje dou aula de outras coisas. E ela disse: o importante é não parar de estudar. Ela não se deu conta de que se dou aula... e estou na rua... como é isso? que tipo de aula é, onde é? Não me ouviu.

Saímos caminhando felizes e com esse constrangimento do encontro. Sim, foi bom. Mas reconhecemos a distância que nos separa. Nós dissemos a eles que íamos meditar e se quisessem vir conosco... Eles nem disseram que não nem que sim. Só estranharam. Falamos do yoga de rua, divulgamos o café. Sim. Agradeci em meu coração pelo cobertor, pela brecha de disponibilidade em seus corações. Por estarem ali fazendo o seu melhor, uma presença semanal que vai fazendo diferença.

O que estamos fazendo?

Fico pensando nas distâncias quase intransponíveis... e de como para quebrar essas distancias é que estamos com o yoga de rua, ampliando vínculos, fazendo os retiros com o pessoal e percebi que era chegado esse momento que então estava vivendo... dormir na rua.
Achamos um lugar silencioso para dormir. Montamos as camas, deitamos, mas... mosquitos... Tem muito mosquito aqui! Vamos voltar pra Cinelândia! Rimos da situação e voltamos a caminhar.
Esses meninos são muito amigos, muito parceiros um do outro. Uma aceitação tranquila das necessidades de cada um. Uma legitimidade real do outro.

Dormir sob a luz da amizade

Estamos quase chegando na praça e o Rodrigo novamente teve aquela liderança enérgica. Aqui! Vamos dormir aqui. Era na calçada em frente a um restaurante. Começaram a abanar o chão com seus papelões (é assim que varrem) quando Sávio disse com espanto: aqui uma vassoura! Sim. Não tínhamos percebido ainda. Justo li onde escolhemos dormir, havia uma vassoura, como que esperando por nós. Mais um presente divino. Rimos de alegria por tantos presentes.
Deitamos. Meditei ali em profunda emoção. Senti que de algum modo, assim como Sávio e Rodrigo estavam sendo meus protetores, me hospedando em seu ambiente de vida, eu estava também sendo importante para eles. Pedi em meu coração que eles pudessem ter uma boa noite de sono.

Meditei até ficar com bastante sono. Meus companheiros já estavam dormindo. Então me deitei. Lembro de acordar muitas vezes. Barulho de ônibus passando. Uma baratinha que subiu na minha mão tirou meu sono por mais tempo, especialmente pelo medo dela voltar. E de outras vezes, acordei para me virar, por causa da dor de dormir de lado no chão duro.

Quando acordo, em quem eu penso?

Quando senti que acordei de vez, o primeiro pensamento que me veio foi a imagem dos professores da capoeira que iríamos encontrar logo mais. Senti profunda emoção por esse vínculo. Sávio especialmente é um capoeirista experiente e apaixonado. Vive fazendo capoeira, cantando as músicas. Soube que seu pai é capoeirista lá no Ceará. E então quando acordei ali no escuro da madrugada, veio-me a imagem dos professores. Pensei nessa maravilha desses projetos! E que o essencial mesmo é que as pessoas possam se vincular ao ponto de que a esperança seja criada no coração de quem acorda de manhã. Como é bom acordar de manhã e saber que vou encontrar essas pessoas! Isso dá um tremendo sentido pra se levantar.

Andei até a praça para ver a hora na estação do VLT. Tudo estava muito silencioso e eu temia que ainda fossem umas 2 da manhã. 4:15. Ufa, já está na hora. Então segui minha rotina diária de praticas matinais. Os meninos acordaram depois das 5 e já era hora mesmo porque o fornecimento do restaurante já estava chegando. Eu ainda estava terminando de recitar um sutra em sânscrito.
Bom dia!

Banheiro, caminhada e Surya Namaskar

Caminhamos. Fomos até o aeroporto Santos Dumont usar o banheiro. No caminho encontramos outros amigos que iam e vinham de lá. Dali caminhamos pelo aterro. Pudemos contemplar a cidade amanhecendo. Rodrigo nos guiou numa saudação ao sol, na grama do aterro. Lemos noticias de  jornal na banca do Largo do Machado e finalmente chegamos no ambiente do café, na São Salvador.

Como vai ser?

Cansaço, fome, sede. Tudo isso é até suportável. Depois dessa pequena experiência na rua sinto que o pior da situação de rua não é a rua em si. Mas a mente. O que se passa na mente, as memórias daquilo que leva as pessoas a rua, sua ruptura de vínculos, suas incertezas de para onde caminhar, seus enganos e desilusões nesse caminho de vida. Cuidar dessa mente...

Na prece em grupo lemos de como Jesus orou no Getsêmani. Essa passagem fala da intensidade da angústia e da intensidade da oração. "Apareceu-lhe então um anjo do céu que o fortalecia. Estando angustiado, ele orou ainda mais intensamente; e o seu suor era como gotas de sangue que caíam no chão." Essa intensidade de esforço de conexão com Deus que Jesus ensina. Não é pouca coisa!

E quando eu estava ali e me ocorreu que a leitura não foi lá muito útil para as pessoas, me chega um senhor e pára do meu lado e diz: posso alugar seu ouvido por um minuto? Eu falei: por dois. Ele então cantou uma versão musicada dessa passagem de Jesus. E eu pude olhar seus olhos. Como essas pessoas são maravilhosas! Na capoeira eu estava sem forças, cansado. Como são fortes esses meninos!

Lorena, nossa fotografa oficial há anos, estava lá e pedimos para fazer essas fotos e registrarmos esse dia. Fizemos capoeira, yoga, almoçamos juntos. E nos despedimos. Quando quiser, pode voltar. Sávio falou.

Penso nessa nossa amizade. Desde o primeiro retiro penso nisso. Como vai ser essa amizade com pessoas que moram na rua? Como é isso de nos encontrarmos eu voltar pra casa e meus amigos ficarem na rua?

Pra completar as coincidências, ao escrever esse texto me dei conta que 18 de junho de 2005 foi quando começamos o projeto dos cafés da manhã. Essa ida a rua para dormir com meus amigos foi uma bela forma de celebrar o aniversário. Uma bela forma de dar início a algo novo. O que será que vem por aí?