segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Um jeito de declarar meu voto



André Andrade Pereira


(No encerramento do grupo de leituras dos livros do Swami Vivekananda)


Eu nasci em 1979. Então tive uma infância num período em que a abertura política estava já acontecendo aqui. Lembro aos 10 anos de ver a primeira eleição da nova democracia, lembro de conhecer pessoalmente Brizola, Lula e de acompanhar diariamente o horário eleitoral gratuito que era feito com muita criatividade. Lembro bem das emoções de esperança dessa época. E não sei bem pq mas na adolescência eu "maratonava", repetidas vezes (pq meu pai gravava em VHS), a série Anos Rebeldes e uma série estrangeira sobre o nazismo que não lembro o nome. Mas eram novelas que davam aspectos bem cotidianos dos anos de ditadura no Brasil e do nazismo na Alemanha. Meus pais eram professores. Então eu cresci meio que formando valores de uma esperança na democracia mesmo sabendo de suas fragilidades. Acabei indo estudar economia e política antes de me apaixonar pelas religiões e espiritualidade. Digo isso pq o meu sentimento é de uma certa obviedade de que os totalitarismos são a pior coisa que podemos viver enquanto sociedades modernas. Esses filmes davam um retrato cotidiano dessas épocas. E uma coisa me chamava atenção. É de que o fascismo dava um falso poder às pessoas mais fracas. E perseguiam as pessoas fortes e ousadas. E incitava a crueldade nos sentimentos coletivos. O filme 1900 (Novecento) do Bertolucci tb mostrou isso numa familia da Hungria (é um filme muito forte. Eu não recomendo).

Então uma coisa que posso dizer hj pras crianças  quando vejo atos de violência gratuita (estou falando de meninos de 7 anos quando são cruéis com meninos de 3 anos). Eu procuro dizer a eles: "ele é menor que vc. Forte não é quem bate. Forte é quem PROTEGE os mais fracos."


Eu misturo essas reflexões aqui pq vejo assim o pano de fundo emocional dos fascismos. Lá na adolescência vi tb aquele curta chamado "A onda". Isso ficava bem claro. O professor simulou isso na escola. Foi um lição incrível. E quem entrou na onda foi justamente o pessoal de baixa auto estima que subitamente se viu ganhando poder participando de algo que parecia grandioso. Com aqueles valores de nacionalismo, disciplina militar, essas coisas...

Essa inversão de valores está aí hj em dia numa cegueira inacreditável. 

Ao longo da leitura dos livros do Vivekananda fiquei com essa pergunta de fundo: Se ele estivesse aqui hj o que ele estaria falando? Ele não viveu as grandes guerras e esses movimentos totalitários do século XX. Ele não viu a ascensão da atual extrema direita numa associação com fanatismo religioso cristão e com estruturas perversas das milícias armadas nas periferias. Nossa! Acho que suas ideias sobre pluralismo religioso e sobre fortalecer o humano diria muito aqui hj.

E aqui estou aos 43 convivendo com pessoas na família e nas ruas que sei lá pq mas não tiveram aquele background que eu tive lá nos meus anos de juventude com aquelas séries e filmes que me formaram. Aí as pessoas parecem não ver. É tão óbvio. Tão óbvio. Tão óbvio. Penso nos iluminados olhando pra nós. São tão óbvias nossas delusões. 

E isso não vai acabar nessa eleição de domingo. Mesmo com a vitória do Lula. Pq as ideologias de extrema direita, com fanatismo cristão e estruturas de milícias estão por aí no mundo todo e dominaram os corações de quase a metade aqui. Meu orientador na ciência da religião se chamava Zwinglio Motta Dias. Ele era pastor presbiteriano e nas suas aulas de protestantismo já anunciava que o novo fanatismo religioso, que é um emocionalismo, não traria bons frutos pra humanidade. Espiritualidade não deveria ser resumida a transes emocionais. A junção disso com política num cenário econômico pauperizado é trágico. 

Isso fala de um momento de fraqueza do povo mas tb de descaso histórico pq é a própria miséria que dá lugar a isso tudo. 

Swami Vivekananda despertou o espírito dos indianos que mais tarde venceram a colonização. Krishnamurti e Thomas Merton falaram fortemente contra os absurdos das guerras e a crise da civilização. Onde uma voz assim aqui?


O lema de Vivekananda era: levante, desperte e não pare até que a meta seja alcançada!

O meu tem sido  misericórdia, misericórdia, misericórdia!


Daí minha história foi um pouco assim... se é que dá pra falar da própria história. A cada vez a gente relê a própria história. Mas eu cresci num ambiente muito politizado. E depois fui indo pra espiritualidade. 

Agora pra onde vou?

Não sei.

Nesse caminho encontrei um mestre espiritual. Ele é uma pessoinha cheia de paz e muito pé no chão. Quase não fala comigo sobre espiritualidade. Quer saber como tá minha vida. O trabalho. A família. Minhas obrigações como pai. Ele me fala do concreto da vida. Onde todos viemos viver. De uma maneira ou de outra a vida é feita de retornos e volto a me ocupar de temas de pesquisa do tipo: como se governa um país? No concreto. Se eu fosse presidente como eu faria?


Ouvir o Lula esses dias na live de 1 milhão me tocou muito quando ele disse pro entrevistador que ele deveria entrar na política.

Então não sei o que vai ser daqui pra frente. Há tanto a fazer na prática em nossas vidas e a nossa volta. Estou aberto. A tudo. Menos a ser mestre espiritual que é um negócio que é muito distante do meu estofo emocional e espiritual. E vejo umas pessoas na espiritualidade se encaminhando pra se tornar mestres, fazendo uma imagem mansa, umas falas abstratas que podem ser mal interpretadas pq na confusão dos espíritos, vc fala A e tem gente pra entender B. Isso não é pra mim. Acho que são falsos mestres. Não se posicionam com medo de perder lucros e seguidores.


Também não fico tentando convencer as pessoas do óbvio. O máximo que posso fazer essa semana é colocar um adesivo no peito e declarar meu voto, como fez a Fátima Bernardes. 

Eu vou votar no Lula, 13, domingo que vem. 

Declarar isso essa semana por aí é o melhor que posso fazer. 

E se alguém, que no fundo no fundo é uma outra versão de mim mesmo, pensa diferente, silêncio e... misericórdia!


Teresópolis, 23/10/2022.