domingo, 14 de junho de 2020

Aquietar e falar


Silêncio. Silêncio. Silêncio.
Pulsar. O pulsar e o silêncio. O silêncio e o pulsar.

Silêncio ruim, silêncio duro, “Cala a boca!”
Quanta palavra presa... Quanta ferida aberta...
Silenciamento. Invisibilidade.
"Ninguém veio ao mundo para ocultar-se."
Fala que cura, fala que liberta. Explosões de fala.
Fala, fala, fala.
Se abre, se mostra, se ama.

Silêncio. Silêncio. Silêncio.
Ouço o som do silêncio.
Silêncio bom, silêncio em paz. “Fica mais um pouco, não precisa dizer nada, só fica.”
Quanta presença boa. A natureza. A pessoa amada. Eu comigo mesmo.
Silêncio que cura, que organiza, que recomeça.
Palavras são tangentes. O centro é silencioso.
Se olha, se cuida, se ama.

Fala atenta. Nobre palavra. Nobre silêncio. Presença.
Fala dispersa. Tagarelice. Mente agitada. Fugas.

Tento o silêncio e ouço a profusão de pensamentos agitados.
Não existe silêncio!
Eckhart Tolle: tem sempre um ruído, como um rádio ligado. Você pode fazer silêncio, mas tem sempre um ruído no fundo.
Percebo em desespero: não existe silêncio! A tagarelice não para!
Os ruídos são as interferências do mundo ambiente no mundo próprio.
Ouço vozes. Quantas vozes insisto em carregar? 
Biopoder, biopolítica. Servidão.

“Vai ao coração. Lá reside tua mente.”
Olha as crianças! Como brincam silenciosas.
Como de repente explodem.
Como de repente riem.
Como de repente conversam.
Como de repente calam... mudança... mudança... mudança.
Sem transições.
Qual o segredo?
Em mim, percebo as mudanças, mas há uma força que não se rende ao fato. E fico remoendo, ressentindo, recriando, antecipando... ruído, ruído, ruído... o drama, a história, a imaginação, a ficção, a projeção... eis o alimento da mente dispersa.

Inibir a ação mental que não se rende ao fato. Render-se ao fato. Como simplesmente esquecer a ficção, a imaginação, o roteiro, o sentido, as explicações e repousar no fato? É tão arriscado perder todo o drama... nele sou o protagonista de um épico, onde as maldades são justificáveis, os atos heroicos são exaltados... Será que nunca vai acabar esse drama?

Uma história: Vem alguém. Vem alguém. Alguém concreto vem. A mente inteiramente atordoada, perdida em si mesma, em meio a seus próprios fantasmas. Mas alguém vem. Quantas vezes um encontro concreto já me tirou do infinito de confusões? O encontro. O real. O concreto. A diferença. O conflito, o incômodo. O espelho, o incômodo, a revelação. Sim, está em mim também. Sim sou eu. E de novo volto para mim: olho, afino, decanto. Trabalho, reconheço, libero-me. Surge um espaço de criação, uma brecha de pensamento livre, um vazio para uma ação. A liberdade num lampejo. Mas e o outro? A mente insiste. Deixe o outro em seu caminho próprio. E de tudo isso, algo vai se processando, os fantasmas da mente, a concretude das ações, das falas, das leituras, dos encontros, até que nova brecha vai se abrindo. Uma nova revelação. Um novo estado. Um novo vínculo com o mundo. (Se não tivesse o encontro, o conflito, a fala, mesmo que tagarela, não haveria esse deslocamento e essa revinculação com o mundo. O outro me abre portas de vinculação com o mundo, com o território do sistema mais próximo a ele, mais presente em seu cotidiano. E me aproximo. Dói a dor de dar-me conta de meu pequeno mundo de outrora. Dói e me move). E de novo o silêncio. A calma. Momentânea eu sei. Mas um respiro de calma. Contemplo, escrevo, converso. Escuto melhor agora. Vem alguém? Não tenho pressa que venha agora. Porque agora que aqui cheguei já não preciso de alguém. Se vier, sorte. Se não vier, sorte também. Agora me sinto em comunicação com o mundo inteiro. Comunicação: muni é silêncio em sânscrito. Comunicação é silêncio em comum. Estou pronto para o amor.

A mente no coração é silenciosa.

A escuta do silêncio. A escuta do som. O ritmo.

Quem não tem ritmo é porque não sabe escutar.

Escuto. Mesmo o silêncio escondido no gesto verbal do outro. Escuto.

Postura de aprendiz: primeiro e último asana.

Encontro no silêncio. Encontro silencioso. Como amantes:

“Teresa, quando você entra em oração o que você fala com Deus?”
“Eu não falo. Eu escuto.”
“Ah é? E o que ele te fala?”
“Ele não fala, ele escuta. Não sei se você consegue entender. Mas é o máximo que consigo explicar.”

Neste silêncio em que escrevo ouço as vozes do mundo. Não mais perturbam minha mente. Ouço a beleza e a tranquilidade do mundo não humano. Ouço o amor dos humanos (they are really saying: I love you). É o que move cada um. Ouço a bondade, sem ruído. Percebo e recebo o amor de todos. Eu honro todos os seus ancestrais. Eu honro a sua existência. E assim, e só agora, estou pronto para falar.

Falar como expressão de uma presença. Aqui estou. Junto a essas palavras.

A fala presente. Assim como ando, ando. Assim como respiro, respiro. Assim como falo, falo.

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