terça-feira, 5 de maio de 2020

Nascimento da Jornada

Começamos oficialmente a Jornada da Travessia.

E eu convido você a fazer essa caminhada junto comigo.
Durante 3 meses vamos ter os encontros com a Ana, com os eixos temáticos, saúde, educação e trabalho. Serão três encontros por semana, segundas, quartas e sextas.
Proponho uma conversa entre nós através de três textos por semana.
Para mim é uma alegria, um momento de verdadeiro amor, poder escrever. Especialmente desse jeito... tendo você aqui comigo. Não é uma escrita individual. É uma conversa. E essa percepção de que, no momento da escrita eu não estou sozinho mas estou na companhia de quem lê, eu a trago há muitos anos, desde que comecei a escrever, e com a leitura dos livros de Machado de Assis e do jeito que ele se dirigia aos leitores, conversando com eles. Para mim, escrever é uma forma de encontro.
Eu escrevo para ser lido... escrevi anos atrás.
Hoje estou diferente de ontem, mas percebo que há uma intuição que permanece intocável. Estamos juntos aqui por intermédio das palavras que nos entrelaçam. E não pode haver a pessoa que escreve sem a pessoa que lê.
Isadora Duncan dizia que nunca dançava sozinha. Sempre teria um "outro" dançando com ela.
Então essas palavras que vão aqui... em um nível muito real, são nossas.

Agora, quero explicar o que vamos fazer aqui, como vai ser esse caminho.
Essa série de textos nascem a partir dos processos que vão surgindo no decorrer da jornada da travessia. Não necessariamente vão conter os pontos que forem falados em cada manhã com a Ana. Essas ligações vão existir. Mas não será um resumo das conversas. São desdobramentos desses encontros e como reverberaram e como transcorreram por aqui.
Portanto, três textos por semana, descrevendo processos, convidando caminhos, criando através da escrita, e da leitura.

Uma outra coisa: não sei exatamente quando você está lendo essas linhas, pode ser inclusive que seja num tempo muito futuro. Não tem problema. Essa travessia acontece a todo momento. Creio que uma das coisas que estamos tocando aqui é essa dimensão da temporalidade e da atemporalidade. E as inversões e paradoxos da esfera do tempo.
Ana lembrou que a molécula de oxigênio que respiramos hoje, é a mesma que aqui está no planeta Terra há milhares de anos...  como é a passagem do tempo para essa molécula que agora entra em seus pulmões, e que por isso passa fazer parte da composição do que você considera o seu corpo? De quantos corpos essa molécula de oxigênio já foi parte? De quantos líquens, bichos, em que águas de rio ela desceu? De quais pessoas ao longo da nossa história humana, de quantas espécies de humanos anteriores e contemporâneos aos sapiens... isso tudo é tão incomensurável... para mim me faz sentir parte de toda essa imensidão e abre comportas libertando-me da sensação reduzida de quem sou e do que sou capaz.

Ontem a Gabriela olhando para a imensa cachoeira nos disse: olha como somos fortes! E olhando para a paisagem de pedras e florestas em que estávamos: olha como somos bonitos! E eu também pude olhar para dois pequenos insetos numa pequena e bela florzinha do mato: dois minúsculos seres ali entre a penugem branca de um núcleo vermelho de uma florzinha do mato à beira do rio... me perguntei o que estavam fazendo ali, se conversavam, se namoravam, e como entendiam dali, a linguagem do rio. Sentei para meditar e ouvir o rio, e ali se misturaram a areia e as pedras, as águas do rio, o ar na presença do céu, a fogueirinha que fizemos para aquecer e para ritualizar o aniversário da Gabi... os quatro elementos se misturavam e o fogo também me consumia... eu já não era eu... e os dois insetos ainda estavam ali... quem são esses dois amigos na penugem da flor? E agora estou aqui com você nesse texto e me pergunto quem é você e quem somos nós senão aqueles dois insetos conversando na pequena flor vermelha e branca.

E as palavras... quantas palavras já foram ditas ao longo da nossa história, quantas construíram, quantas desconstruíram... e essas aqui que estamos usando agora... são apenas uma repetição... são uma recomposição... quem está falando agora? Quem você está, na verdade, ouvindo?

Para mim esse movimento é como um nascimento. Ana iniciou a jornada falando sobre o nascimento. E da alegria que cada nascimento é, para ela. E de como ela olha hoje para as pessoas e sente a alegria de ver em cada pessoa, uma pessoa que nasceu. E de assim olhar as pessoas com essa emoção alegre. E aqui comigo no momento em que me ponho a essa tarefa de usar a escrita como ferramenta de criação, sinto essa força de um nascimento, com sua originalidade, emoção, transcendência, singularidade, composição com tudo o mais e todos os demais. Portanto quando me sento para escrever abro meu olhar para a vida, me alimento e me comunico como todos, incluindo aqueles que jamais lerão esses pensamentos, é um mistério. E também sou leitor de mim, leitor da vida, e leio essas palavras como quem absorve a seiva da vida, o néctar de um dom.
A escrita é um dom.
O dom de escrever.
Dom não é simplesmente um saber fazer. Mas uma expressão de si.
A escrita não é o dom. As coisas que fazemos... é o como vamos fazer que revela nosso dom, uma particularidade, uma originalidade, um toque sem igual.
Assim como muitas outras ações a escrita é uma ferramenta. E através dela eu caminho transbordando quem sou, através dela eu me desvelo, eu sou.
E comunico algo. Algo muito profundo. Que no corpo humano corresponde às profundezas do mar, o dentro sem nome. E você que lê não é simplesmente a testemunha curiosa lendo sobre alguém. Você sente junto. Mergulha junto. Acessa em si, esse algo que também te move.
Porque toda vez que alguém expressa o dom, o dom em nós desperta e vibra.
Isso não leva a uma homogeneidade, pelo contrário, é o próprio caminho da manifestação da singularidade e da diferença, em sua riqueza abundante e multiforme.

Então a jornada começa como um nascimento.
A escrita em mim... nasce um escritor.
Isso é tão intenso, e real, e verdadeiro que não tenho palavras.
O escritor que se cala diante da alegria de não ter o que dizer e de deixar que o dito seja o não-dito.
O fim da escrita é o silêncio.

A imagem que me vem quando penso esse renascimento é como se eu tivesse tido muitas vidas anteriores e me dedicado a escrita por muitas vezes. E o que faço agora é um recomeço. Com alegria transbordante desse reencaixe.

Na expressão do dom em mim, sou parte da sustentação para que você expresse o dom em você.
Ana fala do eu e o outro. Ou seja, na multiplicidade de criações, interpretações e pontos de vista não é o eu ou outro, como era nos modos competitivos de vida. Se um tem razão, por lógica, o outro estaria errado. Não, não. Tampouco é um pouco do meu e um pouco do outro, como era nos tempos da política de conciliação de interesses. Não. O que ela fala é que agora somos o eu e o outro. Ambos. Numa composição em que um não anula ou outro. Mas formam um jogo de soma infinita. A infinidade de possibilidades das composições que abrem espaço para a manifestação do dom em cada um.

Então, amiga, amigo, aqui nessa conversa através do texto, o convite não é para você divulgar para outras pessoas quando acha legal, ou ficar com raiva quando acha que discorda. Não existem essas possibilidades. O convite é para ler. E o que virá daí é algo absolutamente imprevisível. E será tanto mais imprevisível se ao invés de simplesmente ler com os olhos, você ler com o umbigo, com a barriga e as costas. E guardar-se um tempo no coração. E depois deixar derramar até a ponta dos dedos dos pés e das mãos. Estar aqui agora não só você mas todo o seu passado e seu futuro, trazer todos os seus ancestrais e descendentes e seus amigos e aqueles que você considerava inimigos. Ler de forma a estar com sua inteireza. Até que não seja mais você. Mas o dom. O algo.

Uma vez eu aprendi que para escrever bem um texto é importante ter um foco. Tratar de um assunto mais especificamente. Estou disposto a desaprender isso. Creio que estamos falando de muitas coisas ao mesmo tempo. E inclusive sei que você está pensando coisas que nem estão escritas aqui... então, para mim o texto é simplesmente um pretexto para um outro texto.

Que se apresentará por escrito ou não.

Boa jornada!

2 comentários:

  1. Minha maior dificuldade em escrever, falar era manter o foco, rsrsrs. As brincadeiras de imaginar sempre levaram minhas ideias para além do início e que delícia experimentar, viver essa relação de sentir,ler, escorregar,passear nas palavras com os pensamentos ou não. Continuarei acompanhando seus escritos.

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