quarta-feira, 13 de maio de 2020

Dentro e Fora


Caminhamos, caminhamos e vimos passar por nós três meninas correndo. Elas iam com muita alegria, balançando os braços, quase que dançando, mas ao mesmo tempo com muita pressa.

"Onde vocês estão indo, meninas?"

"Estamos indo atrás do vento, queremos ver até onde ele vai."

Entraram por uma trilha que subia a montanha... então resolvemos ir também. Perdemos as meninas de vista, certamente fomos mais lentos que o vento. Caminhamos pela floresta e lá pelas tantas comecei a ficar em dúvida se as meninas eram reais ou frutos da imaginação. Passadas algumas horas chegamos ao topo. Ao fim da trilha, estávamos numa imensa pedra sobre a qual andamos até acharmos um bom lugar para sentar e descansar. À nossa volta a floresta, o penhasco e a vista de um horizonte que parecia infinito, o céu límpido e azul. Pássaros destemidos voavam na imensidão do céu. Aqui, um silêncio profundo permeado pelo som de grilos, pássaros e algum ruído da cidade que ainda chegava até nós. Mas o silêncio era mais alto.

Então ficamos ouvindo o silêncio e resolvemos praticar um pequeno exercício meditativo, proposto pela Ana.

Já fizemos isso da outra vez. Com base na respiração... fomos nos conectando com a terra e os demais elementos da natureza, estabelecendo uma conexão com nossas próprias raízes da vida.

Nesse momento da Jornada ainda precisamos um pouco mais desse respiro.

Estamos olhando para processos muito profundos, virando nossas perspectivas de cabeça para baixo, é natural que fiquemos desestabilizados. Olhamos para nossa história de vida e as doenças que tivemos. Estamos investigando de diversas formas as relações entre os sintomas, as partes do corpo onde se manifestam e como tudo isso tem a ver com nossa vida emocional.

E cada um a sua maneira, abrindo mão das soluções de rotina e investindo na observação.

Observação de toda a complexidade do campo que envolve nossa vida. As relações, a forma como nos abrimos e nos defendemos, observando as polaridades que permeiam nossa mente em conflito, a afetividade e a sua falta, desde o útero, passando pela infância, temos conversado sobre nossa relação com o morte, nascimento e morte e o que somos nisso tudo, sempre retomando as sensações do aqui e agora.

Meditar é importante para ir e voltar... voltar e ir...

E à medida que vamos tomando consciência dos nossos jogos internos e, em alguma medida integrando, aceitando, observando de novo, "coisas" acontecem a nossa volta, pequenos milagres acontecem... e também algumas relações estabilizadas se tencionam. E precisamos observar mais e mais. E ir vivendo com o que surge nesse processo.

Autoconhecimento é muito mais trabalhoso do que ir a médicos e tomar remédios. Muito mais trabalhoso do que culpar as pessoas e as circunstâncias externas pelos nossos males. Mais trabalhoso também do que aderir a um grupo, uma ideologia que descreve o mundo de uma tal maneira que define os amigos e os inimigos e também a projeção das culpas para fora de nós.

E a jornada da travessia está sendo uma caminhada em grupo e ao mesmo tempo um caminho muito pessoal, muito singular. Cada um em sua investigação, com apoio de algumas pistas... mas entendendo que quando falamos em nossa relação com a saúde, não estamos simplesmente buscando curas dos sintomas.

Não é uma busca de mais uma estratégia de poder, controle e garantia contra as doenças. Mas sim "conseguir entrar em contato com o caminho singular de cada um entre sintoma, doença, desequilíbrio, herança e integração e sair do conhecido e se aventurar na criação. E isso não vamos encontrar em nenhum livro, nem curso, nem doutor. Está dentro de cada um de nós." (texto da Ana em mensagem no grupo)

Por isso vamos reestabelecer esse contato com a gente e exercitar esse movimento de ir e vir... ir ao mundo e voltar para, então, ir de novo.

Dessa vez o exercício vai ser assim:

Vamos fazer de olhos fechados. Mas como você precisa ler aqui a condução, vai fazendo pausas. Lendo e praticando um pouquinho de cada vez. Vai funcionar. Ao final se você quiser faz tudo de novo de olhos fechados.

Comece observando a respiração. Perceba um pouco como está sua respiração.

Em seguida perceba seu corpo.

Sentindo a moldura do corpo. Sinta especialmente a fronteira entre o dentro do que você normalmente entende como você e o que está fora, o que deixa de ser você.

Perceba agora o ambiente onde você está. E sempre volte a sentir seu corpo.

Amplia a percepção do seu ambiente para toda a sua casa. E depois, volte a sentir você.

Daí sinta o bairro onde sua casa se localiza. E volte para você.

A cidade onde você está. Você.

Amplie agora para o estado. E então, você.

Perceba o país. Você

O continente. E você e suas sensações internas.

O hemisfério onde esse país se encontra. E quando perceber o hemisfério, continue também sentindo o seu interior.

Perceba agora todo o planeta Terra. E volte a sentir dentro de você.

O sistema solar, perceba o sol e os planetas do sistema solar. Você

O universo infinito. perceba o infinito.

Fique um pouco nessa percepção.

Então perceba você e vem retornando passo a passo.

O sistema solar. A Terra. O hemisfério. O continente. O país. O estado. A cidade. o bairro. A casa. o ambiente onde você está.

E, com a presença da sua respiração aí, perceba essa relação entre você e o que está fora. Entre o que você sente que é dentro e o que você sente fora...

Quando olhamos para fora percebemos as coisas da nossa maneira, uma maneira muito particular. E é comum a gente querer que o que está fora nos veja como nos vemos. Mas além dos elogios, surgem críticas, perspectivas diferentes.

Nesse momento perceba que o que vem de fora não define o que você faz. Críticas ou elogios não mudam sua natureza. Há uma integridade em você. Uma marca, um direito, uma legitimidade de nascença. Você está em relação, mas não é moldado de fora.

Não se deixe determinar pelo que vem de fora.

Você é.
Eu sou.

E assim... aos poucos abrimos os olhos. Voltando a observar a respiração olhamos a nossa volta e novamente aquela paisagem: a rocha sob nossos pés, a floresta, o penhasco, o infinito. Sentimos que fomos ao infinito, um movimento como o vento que as três meninas lá em baixo buscavam. Abraçar o mundo como o vento. Mas ao mesmo tempo sem sair do lugar: pedra.

Então me levantei e fui até o penhasco. A altura me encheu de temor e coragem. Pensei nas três meninas... para onde teriam ido?

Cheguei a pensar que, em sua ânsia de seguir o vento, transformaram-se em vento e foram para além do penhasco...

Dentro de mim uma voz dizia: Vai! Tente!

Olhei para o alto e percebi que agora o céu tinha nuvens. Três. Três lindos flocos de nuvem.

De que matéria são feitos nossos sonhos? Quem somos nós nessa imensidão?

Ali diante da imensidão e do penhasco e das nuvens e do céu e da rocha e da água que vi sair pela rocha formando um rio caudaloso lá embaixo contornado pela floresta... senti o calor do sol que a tudo iluminava e tocava também minha pele. Meu coração ficou tão aquecido que eu não conseguia pensar em outra coisa a não ser em minha filha e na conversa que tivemos mais cedo. Eu contando de uma histórias que vivi anos atrás, antes mesmo de conhecer sua mãe e ela: "Papai, onde eu estava?"... "Eu não sei".

Fiquei ali diante da imensidão me lembrando do olhar de mistério de minha filha que, de tão jovem, está mais ligada ao mistério do antes do que do depois... insondável para ela o que para mim era simplesmente vida... e as nuvens, ali no alto, testemunhando o meu olhar de mistério e a minha pergunta íntima... "para onde eu vou?"

Então, das nuvens, choveram sementes.

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