quinta-feira, 16 de julho de 2020

Sessão prática de meditação da vacuidade


As mãos unidas em prece. Gesto de profunda reverencia. Gesto de união, união do lado esquerdo e direito... As mãos se unem no centro. Gesto de centramento.

Experimente deixar um espaço entre as palmas. As pontas dos dedos estão unidas, as extremidades da palma estão unidas, mas cria-se um espaço interno. Como quem segura uma jóia rara entre as mãos unidas. Um convite à entrada na caverna interior. Uma alusão a vacuidade. Os polegares se dobram e a ponta de cada polegar toca mais ou menos na base do indicador.

Isso. Esse é o gesto da tradição tibetana. Com eles estamos aprendendo a meditar na vacuidade.

As coisas não são o que parecem ser.

Tomamos as coisas como reais, uma realidade existente em si mesma. Tomamos as coisas como existindo independentemente de nós que as vemos, sentimos.

Mas a verdade última é a vacuidade, o vazio de existência inerente.

Na conversa entre a Cuca e o professor isso foi exemplificado com a bicicleta. Na percepção do professor a bicicleta tinha existência inerente. Cuca o fez ver o vazio da bicicleta. Depois de desmontar a bicicleta viu que não havia nada que pudesse ser chamado de bicicleta. Não há bicicleta. Ao mesmo tempo há bicicleta. Esse é o paradoxo. Existe e não existe. "Ser e não ser" eis a verdadeira questão e não "ser ou não ser."

Não é que a forma não existe e só existe a vacuidade.

Como no sutra do coração: "a forma não é outra coisa senão a vacuidade. A vacuidade não é outra coisa senão a forma."

Cuca poderia ter perguntado se a bicicleta é a cor, se é a utilidade, se é marca da fábrica, se é o material de que foi feita, se é a memória afetiva do seu dono... nada. Não se pode encontrar a bicicleta.

Para fins didáticos dizemos assim: existe enquanto uma realidade convencional. Mas se olharmos com profundidade, ou seja, com a mente clara, veremos a vacuidade de todas as coisas.

Enquanto realidade convencional, podemos dizer que há sim causas e condições, existe uma base de imputação para podermos dizer bicicleta, maçã e Cuca.

Mas quando, analiticamente, procuramos a verdade da bicicleta, da maçã e da Cuca, encontramos que não há bicicleta, nem maçã, nem Cuca. Essa é a verdade última.

E também podemos ampliar e dizer com a mente convencional que há dor, apego, raiva, corpo, mente, eu, vida, trabalho, dinheiro, filhos, amigos, morte... e toda a nossa vida tal como a conhecemos de forma convencional.

Mas se olharmos profundamente, não há dor, nem apego, nem raiva e assim por diante. Ou melhor, há e não há. Há enquanto realidade transitória, sujeita a impermanência. Mas enquanto realidade última é vazio de existência inerente. Existem juntos o vazio da bicicleta e a bicicleta enquanto realidade convencional sujeita a mudança e a toda variedade de percepções subjetivas.

Portanto o caminho proposto aqui é: mudar a mente.

Ana tem dito na jornada: estamos em vias de nos tornar um outro ser humano.

Aqui vamos tocar no princípio do princípio da mudança.

O professor resolveu ficar na Vila XI aquele dia.

Depois de caminhar com a maçã na mão por um tempo. Comeu a maçã. Estava deliciosa. E esqueceu-se completamente da ideia da vacuidade. Só voltou a pensar em vacuidade quando sentiu o vazio em seu estômago. Depois de um breve lanche, o grupo o convidou para uma sessão de meditação.

Nós estamos tão entranhadamente submersos na realidade convencional que precisamos treinar a nossa mente para poder alcançar a verdade última.

Caminharam até uma grande rocha que oferecia uma fenda como entrada. Ali na entrada, as famosas bandeirinhas coloridas do Tibet: azul, branco, vermelho, verde e amarelo. Entraram na caverna que convidava ao silêncio. Era delicioso estar ali dentro. Um frio que emana das paredes da pedra. O lugar estava arrumado com assentos de almofada e cadeiras. Havia cobertores para cada meditador poder se cobrir em caso de frio. Havia um altar com imagens da tradição tibetana, pequenas estátuas de Buda e de Bodisatvas, elementos de oferenda. Um lugar muito espiritual.

Sentaram-se e ouviram a condução:

Vamos começar com um exercício preparatório.

Deixem a coluna ereta. Fechem os olhos e respirem naturalmente e observem 3 ciclos respiratórios.

Agora com o indicador da mão direita tape a narina esquerda e inspire suave e profundamente pela narina direita. Depois tape a narina direita e exale pela narina esquerda. Faça isso 3 vezes para nos purificarmos de toda a energia de apego que acumulamos.

Agora troque. Com o indicador da mão esquerda tape a narina direita e inspire suave e profundamente pela narina esquerda. Depois tape a narina esquerda e exale pela narina direita. Faça isso 3 vezes para purificar-se de toda a energia de raiva, aversão que possa ter acumulado.

Agora respire 3 vezes por ambas as narinas purificando-se da ignorância. Por ignorância entendemos o erro de percepção, achamos que as coisas são como elas nos aparecem, confundimos a realidade convencional com a realidade última.

Tendo feito esse primeiro exercício respiratório, vamos fazer uma visualização.

Visualize o Buda (ou um mestre de sua preferência) a sua frente. O Buda vivo, sentado a sua frente. Ele está aí para ajudar você em sua meditação, para ensinar você a meditar.

A pessoa que conduzia, vocalizou um mantra que o professor não conseguiu entender bem. E continuou:

Então do centro entre as sobrancelhas do Buda emana uma energia (como uma raio laser) de cor branca e toca em você no centro entre as suas sobrancelhas. Essa luz purifica você de todo sofrimento causado por ações corporais. E essa luz percorre todo o seu corpo.

Agora da garganta do Buda sai um feixe de luz vermelha que penetra a sua garganta e percorre todo o seu corpo e purifica todas as suas ações verbais. Quase todas as nossas ações verbais são miseráveis. Mas agora o Buda e você as purifica.

Dessa vez do centro do peito do Buda vem um feixe de luz azul que penetra o seu peito e percorre todo o seu corpo purificando suas ações mentais.

E por fim você percebe os três centros emanando os três feixes de luz ao mesmo tempo, preenchendo todo o seu corpo com as três cores: branco, vermelho e azul. E você fica recebendo esse influxo e purificando seu corpo, suas ações de fala e sua mente.

Agora o Buda que está a sua frente vai ficando bem pequenino, bem pequenino e vai repousa no alto da sua cabeça. Dali ele desce pelo centro energético do seu corpo e vai ficar no centro do seu peito. E aí com essa presença você vai começar a meditar. A sua consciência é una com a consciência de Buda.

Vamos agora praticar a meditação da vacuidade tendo como referência o eu. Vamos meditar na vacuidade do eu.

Procure se lembrar de uma situação em que o eu ficou proeminente em você. Um momento de raiva, ou vergonha, ou prazer, um momento em que a necessidade de aprovação ou reconhecimento foi grande... seja o que for, que você possa sentir a presença desse eu.

Mantenha essa sensação de existência inerente do eu. É tão forte que o eu parece realmente existir.

Se o eu realmente existe ele terá de existir de uma das seguintes maneiras: ou como corpo, ou como mente, ou como a união do corpo e da mente ou como algo separado do corpo e da mente. Não há outra possibilidade. Contemplemos um pouco essa afirmação até que nos convençamos de sua validade. Então vamos examinar uma a uma.

O eu não pode ser o corpo. Senão não faria sentido dizer "meu corpo". Portanto o corpo é algo diferente do eu. E não faz sentido dizer que o eu é o corpo.

O eu não pode ser a mente. Senão não faria sentido dizer "minha mente". Não faz sentido portanto dizer que o eu é a mente.

O eu não pode ser a união do corpo e da mente. Porque uma coisa que é "não eu" somada a uma coisa "não eu" não pode resultar em eu.

Por fim resta-nos examinar se o eu é algo separado de corpo e mente. Se imaginamos nosso corpo se diluindo no espaço, nossa mente se dissolvendo no ar... resta algo que possa ser chamado eu? Não. Portanto o eu não é algo separado de corpo e mente.

Tendo examinado as possibilidade da existência inerente do eu, percebemos que o eu não existe de forma inerente. Onde antes aparecia tão vividamente um eu, agora percebemos a ausência do eu. Essa ausência é a vacuidade, a verdade última.

Procure perceber essa imagem da vacuidade do eu pelo máximo de tempo que for possível.

Vamos ficar 24 minutos em silêncio. Fique atento. Se precisar retome a consciência da respiração.

E volte a concentrar-se na vacuidade do eu.

Caso perceba que está meditando numa vacuidade ampla, num vazio genérico, retome o argumento para que a meditação tenha como foco o objeto que estamos negando sua existência inerente.

Tendo dito isso, a pessoa que conduzia o grupo disse: começou.

E o grupo ficou em silêncio.

O que se passou ali é muito difícil e pouco útil descrever.

Ao final da prática o professor continuou a ver o mundo do mesmo jeito. Mas de vez em quando é como se algo se insinuasse em seu olhar, em sua perspectiva das coisas: parece que uma espécie de sombra interna das coisas ganhasse luz e as coisas como apareciam ficassem na sombra. É vazio e é forma... e assim ele gostou da ideia de continuar praticando e ver onde chega sua mente ao longo desse novo treinamento.

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