terça-feira, 14 de julho de 2020
Conversa sobre vacuidade
Um professor veio até a Vila XI muito curioso em busca de um aprendizado que jamais encontrara em suas andanças por universidades e laboratórios.
Teve a sorte de encontrar todos reunidos pois era quase a hora do almoço.
Sentou-se e começou uma conversa com uma alegre senhora que passa os seus dias estudando e praticando os ensinamentos da vacuidade.
- Qual o seu nome? - O professor perguntou.
- Aqui as pessoas me chama de Cuca. Mas veja, esse é apenas um modo de chamar, uma noção comum, uma expressão corrente, um simples nome. Sob esse nome não há um indivíduo.
O professor ficou encantado com aquela maneira analítica de falar e continuou o debate:
- Vocês estão ouvindo o mesmo que eu? Se posso compreender bem, ela está dizendo que não há indivíduos. Ora se for assim, quem está ali dentro da cozinha preparando o almoço que em breve vamos desfrutar? Quem plantou, colheu, transportou os deliciosos legumes que irão nos nutrir, se não há indivíduos?
Enquanto todos pensavam sobre suas perguntas ele continuou:
- Não há quem faça o bem, nem quem faça mal, não haverá quem colha os frutos da virtude ou do pecado. Sendo assim: quem pratica meditação? Se o que está dizendo é verdade não há ninguém vivendo aqui na Vila XI. Portanto, o que você está dizendo é um engano.
Então Cuca perguntou a ele:
- Professor, como o senhor chegou até aqui? A pé ou através de algum veículo?
- Eu vim de carro até a pousada. Cheguei ontem a noite. E hoje de manhã resolvi me exercitar e tomar um ar puro e vim de bicicleta.
- Ah... então aquela bicicleta ali é sua?
- Sim, disse o professor.
Cuca perguntou se o pessoal poderia mexer em sua bicicleta, já que na Vila XI o pessoal adora desconstruir e reconstruir as coisas. Ele concordou.
Tiraram o assento. E Cuca perguntou:
- O assento é a bicicleta?
- Não. O assento não é a bicicleta.
Tiraram os pedais e a correia.
- Os pedais e a correia são a bicicleta?
- Não, não são a bicicleta.
Tiraram a roda dianteira.
- A roda dianteira é a bicicleta?
- Não, tampouco a traseira.
E assim foram tirando parte a parte a bicicleta. O guidão, os freios... e Cuca ia perguntando uma a uma se aquela parte era a bicicleta e o professor sempre dizendo a mesma coisa: não, isso não é a bicicleta. Por fim não restava mais nada e Cuca disse:
- Professor, não vejo nenhuma bicicleta! Todos vocês aqui ouviram o professor dizer: "eu vim de bicicleta." Mas quando convidado a definir o que era a bicicleta não conseguiu demonstrar a existência da bicicleta.
Então todos se voltaram ao professor e perguntaram:
- E agora, o que o senhor tem a dizer?
- É verdade. É por causa do agrupamento das partes, do nome e da utilidade que a chamamos bicicleta. Mas isso é só uma noção comum, uma expressão corrente, um simples nome.
- Muito bem, professor. O senhor sabe o que é uma bicicleta. Da mesma forma é por causa dos cabelos, das unhas, da carne, dos dentes, dos ossos, dos pulmões, dos intestinos, do sangue, do suor, das lágrimas, da gordura e dos demais elementos do corpo, bem como dos agregados da mente que se forma a designação, a noção comum, a expressão corrente, que recebe o nome de "Cuca". Mas na realidade não existe aí um indivíduo.
O professor ficou maravilhado com a explicação. O almoço foi servido, todos se deliciaram e o professor ainda ganhou uma maçã de sobremesa que foi saborear enquanto caminhava sozinho pelo gramado.
Enquanto caminhava com a maçã o professor se perguntou se a maçã e tudo aquilo era real. Em seu coração sentiu que ali havia um aprendizado muito importante para sua vida pessoal bem como para toda a humanidade. Era estranho. Ele via a maçã e ela lhe parecia real. Ao mesmo tempo olhava e via que a maçã não era nem a casa, nem a parte interna, nem as sementes... não havia maçã! Havia e não havia... era como um sonho. Essa dupla realidade das coisas ainda iria lhe abrir uma nova visão das coisas.
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Gratidão por partilhar essa vivência riquíssima. Fez todo sentido em meu coração. Aprendizados.
ResponderExcluirquanto aprender/desaprender/aprender/desaprender...
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