domingo, 12 de julho de 2020

Passatempo amoroso


Vento.

Som das folhagens.

Vozes ao fundo. Criança, senhora, pássaros.

Vento.

Bailar das hastes.

Pássaro voa.

Montanha parada. Céu parado. Nuvens paradas. Corpo sentado.

Sol ameno.

Corpo na paisagem.

Venta.

Não há nada a fazer.

Nada a acrescentar.

Estabilidade no mundo material e no mundo espiritual.

Minha mente. Palavras.

Será possível pensar sem palavras?

Lanço palavras como o vento lança o ar.

Palavras inúteis.

Qual a utilidade do vento?

Penso isso e as palavras ficam plenas de uma legitimidade, não por terem uma utilidade a priori, mas porque elas vão. Seguirão seu curso, chegarão a algum corpo.

O mundo das palavras é diferente do mundo sem palavras.

Imagina o mundo sem vento, sem os deslocamentos das grandes massas de ar.

O vento leva o pólen e o mundo já não é o mesmo.

Para o gavião, o vento é plataforma de um voo sem sair do lugar. Será um passatempo? Um ato de amor entre o gavião e o vento?

Onde as palavras tocarão?

Que parte do corpo elas alcançam? O que deslocam?

Onde chega em você essa palavra?

Sua mente. Seu corpo. Seu mundo. Seus ventos.

O amor. O nosso amor. O nosso ato de amor.

E, apesar da distância que nos separa, por causa da nossa distância: esta carta de amor.

Não há nada a fazer. Sentir o amor. Pensar, desejar, sentir, nutrir-se de amor.

Preenchamos nossas vidas com passatempos amorosos.

Eu te escrevo esta carta e te peço um gesto de amor.

Um gesto. Seja qual for. Que seja nascido em ti no mesmo lugar de onde nasce esta carta em mim.

Não há nada que possa ser feito a não ser isso.

Tomada de consciência, introspecção, mergulho no presente.

Unidade da vida humana: emoções, pensamentos, necessidades corporais e desejos.

Sem sacrifício, sem esforço, sem compensação... unidade.

Penso a emoção da ação do desejo.

Sinto o desejo do corpo e digo a palavra: amor.

Fazemos justiça a nós mesmos?

Estou me dando aquilo que mereço?

Em nosso mundo de instituições, o Estado, o emprego, o chefe fazem nascer o castigo, a culpa, a vigilância, a vergonha.

Em nosso mundo de vergonha, vigilância, culpa e castigo, faço nascer o chefe, o emprego, o Estado e todo o mundo institucional.

Vento. O vento desloca e por isso uma das primeiras medidas dos governos é fazer parar o vento. Por isso trabalha-se em locais onde o vento não possa atrapalhar.

O vento desfaz cidades, escritórios, governos.

Vento.

Cada ser pode ser aquilo que é.

Ação desprovida de intenções subjetivas.

Justiça perfeita.

É tempo de amar.

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