sábado, 28 de maio de 2016

Revolução e Amor



Creio na revolução do amor. Um mundo de amor em substituição ao mundo do ódio e ao mundo da indiferença.
Penso que uma revolução política, hoje, seja filha do sentimento de amor ao humano.
Lendo sobre ética em Emmanuel Lévinas, percebo o sentido de responsabilidade diante de todas as misérias e sofrimentos existentes no mundo.
Surge a exigência de Justiça. Justiça como filha do amor, da preocupação pelo não padecimento do outro.
Daí surge o dilema ético entre a violência revolucionária e a violência da omissão ante a injustiça diária de um sistema que é brutalmente genocida.

Lembro que um pastor protestante, Dietrich Bonhoeffer, participou da resistência alemã anti-nazista e da trama que planejava matar Hitler. A justificativa era que numa carroça desgovernada, galopando para o abismo, alguém tem que ter a coragem de atirar no cavalo. Uma de suas frases era: é melhor fazer um mal do que ser mal.

A violência revolucionária integra o caos necessário entre uma ordem antiga e uma nova ordem.

Diante da evolução das mentalidades, surgem novas exigências, novos patamares éticos mínimos. As novas gerações já não aceitam mais a estrutura opressora que herdaram das antigas gerações. A nova geração começa a viver uma nova ordem em suas relações cotidianas. É uma ordem paralela. Independente dos centros de poder e do sistema hegemônico. Essa é a fase de preparação, é o cultivo do que será quando a ordem hegemônica ruir. Na medida em que essa ordem paralela começa a se expandir e começa a sofrer com a opressão do sistema hegemônico, surgem os questionamentos, aumenta a consciência das contradições do sistema vigente, seu descompasso com a realidade... e então surge a rebelião que faz desmoronar todo o sistema vigente.

A história mostra esses saltos evolutivos de uma estrutura política para outra. Carlos Marx mostrou que na base das revoluções burguesas (como a francesa, por exemplo) estava o interesse econômico dessa classe social emergente não contemplada no sistema feudal. E daí nasceu o capitalismo. Marx também profetizou o fim do capitalismo a partir de uma tomada de consciência dos oprimidos que buscariam a libertação para implantar uma economia sem patrões, onde cada um se desenvolveria plenamente em suas capacidades e talentos, com direito a tempo livre (o ócio criativo). Uma economia da abundância, da emancipação, da potência humana. Na "Ideologia alemã" ele descreve essa sociedade que denominou comunismo.

Inspirados nessa leitura, os movimentos socialistas fizeram história. O mundo ficou dividido entre os dois grandes sistemas durante o século XX. Apesar da inspiração ética vimos que o movimento se perverteu e os estados socialistas não trouxeram a sonhada emancipação humana, mas uma corrida competitiva nas mesmas bases industrialistas do capitalismo, com a mesma ferocidade da produção de armas, e com o mesmo descaso com a natureza. "Em nome da revolução"... foi uma bela desculpa para a nova exploração das massas.

O fim da União Soviética trouxe a expansão do capitalismo ao que se chama economia global, com o poder centrado nas grandes corporações globais, no mercado financeiro internacional, que mantém a exclusão social a nível local, e sustenta as elites locais como aquelas que se alinham à cartilha do poder central, o pensamento único.

Então podemos dizer que hoje o sistema dominante tem matriz global com sedes de controle espalhadas por todas as localidades. Poderes locais que funcionam às custas do dinheiro global, ou seja, um sistema pervertido em sua essência, uma corrupção sistêmica, onde o cinismo e o egoísmo são a moeda política corrente. Democracia é só o disfarce ideológico da verdadeira aristocracia do dinheiro.

Todavia, a contra-corrente, a contra-cultura, não morreu (nunca morreria porque é do humano a poesia, a bondade, o sonho, a inocência). Filha do amor, a contra-cultura clama por justiça e cria, nos espaços, uma rede de relações cuja centralidade se opõe ao sistema perverso. São as redes de solidariedade, as criativas formas de convívio e cultivo da amizade, da cultura, da saúde, da espiritualidade... que preconizam o amor como resistência do humano enquanto humano, se confrontando a perversidade do sistema.

Nos séculos XVIII e XIX, as revoluções burguesas derrubaram o feudalismo.
No século XX foram as revoluções socialistas que fizeram frente ao capitalismo.
No século XXI... há uma revolução espiritual em curso. São valores espirituais básicos que deixam o humano mais humano. Mais amoroso, tolerante, paciente, compassivo, alegre... são bens infinitos da vida, a eterna busca por liberdade, que independem em absoluto do sistema político vigente. Nesse paradigma espiritual, mesmo na prisão posso ser livre, pois a verdadeira prisão é a da mente. Ou seja, uma revolução espiritual que está despertando o potencial humano para a sua inteireza e, assim, para a amorização das relações.

O confronto com o sistema dominante pode ser adiado, mas será inevitável.

Quem acende a luz do amor dentro de si não pode se deixar guiar por um sistema tão sombrio e tão pouco compassivo diante da dor do ser humano. O sistema centrado no lucro não tem medidas quando, por exemplo, faz testes químicos em pessoas pobres. Isso vai se tornando inaceitável para as novas gerações. Os braços de poder da economia global, os governos corruptos das localidades, e a mídia local, começarão a ser derrubados pelas novas gerações que vão aprendendo a importância de ser intolerante com o que é intolerável.

A nova sociedade, a nova ordem, já vem sendo ensaiada nos contextos locais. O paradigma da inclusão, do convívio com as diferenças, vai sendo gestado em periferias, ecovilas, escolas... há um aprendizado do viver que vai expandindo a consciência humana e dando clareza do cinzento sistema global... um sistema velho e feio ante a beleza do colorido da existência humana, da vontade de amar.

Pessoalmente me dá gosto quando os movimentos de protesto são ensaios do que virá, movimentos pacíficos, alegres, criativos... pois acho que depois de Gandhi já se provou a força da não violência e depois dos hippies já se pode conciliar protestos com prazer... afinal, os meios levam aos fins...

O momento revolucionário, seja quando for, trará o caos, mas a ordem que se implantará depois, será essa que se ensaia... tenho motivos para ser otimista. Não será uma vida fácil. No novo paradigma, a interioridade é a terra principal de cultivo da nova riqueza. E depois de removidas tantas sombras cá fora, novas sombras de dentro ainda hão de ser enfrentadas. Será o fim do capitalismo, mas não o fim da aventura humana, que criará novas estruturas e surgirão certamente novos desafios aos nossos filhos. Mas algo misterioso e místico me sopra aos ouvidos que valerá a pena enfrentar esse desconhecido.

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