segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Mais uma vez o peregrino russo

 Para onde vamos em nossa vida de oração?

Eis o diálogo de um professor e um monge.


O professor: Admito e aceito que durante as ocupações materiais seja possível, até mesmo fácil, rezar frequentemente, rezar continuamente, porque o trabalho do corpo não exige aplicação mental profunda, nem muita reflexão. Assim sendo, enquanto a mente o executa, pode mergulhar na oração contínua e os lábios a acompanham. Mas, se devo entreter-me com algo puramente intelectual, uma leitura atenta por exemplo, uma reflexão sobre algum problema grave, ou uma composição literária, como poderei nesse caso rezar com o espírito e os lábios? E já que a oração é antes de tudo uma ação mental, como poderei, ao mesmo tempo, concentrar-me, com um único e só espírito, em duas tarefas tão diferentes?


O monge: A solução de vosso problema não constitui dificuldade alguma se consideramos que as pessoas que rezam continuamente dividem-se em três categorias: em primeiro lugar, os principiantes; em segundo lugar, os já iniciados; em terceiro lugar, os muito habilitados.

Os principiantes conseguem, de tempos em tempos, elevar o pensamento e o coração a Deus e repetir curtas orações com os lábios, mesmo durante um trabalho mental.

Os que já fizeram progresso e atingiram certa estabilidade mental podem exercitar-se em meditar ou escrever na presença ininterrupta de Deus. Eis uma imagem que vos esclarecerá:

Suponhamos que um monarca severo e exigente vos ordene escrever um tratado a respeito de um assunto abstrato, em sua presença, diante de seu trono. Embora possais estar todo entregue a vosso trabalho, a presença do rei, que exerce poderio sobre vós, e que tem a vossa vida entre as mãos, não vos deixará esquecer um só instante que pensais, refletis e escreveis não na solidão, mas num local que exige de vós uma atenção e um respeito particulares.  Essa consciência de proximidade do rei exprime muito claramente ser possível aplicar-se à oração interior permanente, até mesmo durante um trabalho intelectual.

Quanto àqueles que um antigo hábito ou a graça de Deus fez progredirem da oração mental à do coração, esses não interrompem sua oração contínua, durante os exercícios intelectuais mais frequentes, nem mesmo durante o sono. Conforme nos disse o sábio: "Eu durmo, mas meu coração vela" (Ct  5,2).

Aqueles que alcançaram essa espontaneidade do coração adquirem tal aptidão para invocar o nome divino que a própria oração vela e o espírito é inteiramente levado num fluxo de oração incessante, não importa em que condição ele reze e por abstratas e intelectuais que sejam suas ocupações naquele momento.


 "O peregrino russo - três relatos ineditos" p. 96-98.

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