Um dos dilemas que surgem entre os buscadores está o de tornar-se um iogue e se isolar na floresta ou participar do mundo com um nível de consciência mais elevado. No livro de Joseph Campbell, onde ele é entrevistado por Bill Moyers, "O poder do mito", o mais importante mitólogo de nosso tempo, nos lembra de um antigo mito hindu presente nos Upanishades, acerca do deus Indra, que nos dá uma interessante visão a esse respeito. É uma bela história!
"Aconteceu, numa certa época que um monstro gigantesco
engoliu toda a água da terra, de modo que houve uma terrível seca e o mundo se
viu em péssimas condições. Indra levou algum tempo até se dar conta de que
possuía uma caixa repleta de raios e tudo o que tinha de fazer era lançar um
deles sobre o monstro, fazendo-o explodir. Quando ele fez isso, as águas
jorraram e o mundo se refrescou. E Indra disse: "Que sujeito formidável eu
sou!"
Assim, pensando no
sujeito formidável que era, Indra se dirige à montanha cósmica, que é a
montanha do centro do mundo, e decide construir um palácio à altura do seu
valor. O melhor carpinteiro dos deuses põe-se a trabalhar e rapidamente o
palácio está erguido e em excelentes condições. Mas cada vez que vai
inspecioná-lo, Indra tem idéias mais ambiciosas a respeito de quão esplêndido e
grandioso o palácio deveria ser. Por fim o carpinteiro exclama: "Meu Deus,
ambos somos imortais, e não há limites para os desejos dele. Estou preso por
toda a eternidade!". Então decide dirigir-se a Brahma, o deus criador,
para reclamar.
Brahma está
sentado num lótus, o símbolo da divina energia e da divina graça. O lótus
cresce no umbigo de Vishnu, o deus adormecido, cujo sonho é o universo. Assim,
o carpinteiro se aproxima da borda da grande lagoa de lótus do universo e conta
sua história a Brahma. Brahma diz: "Pode ir para casa, eu darei um jeito
nisso". Brahma deixa seu lótus e se ajoelha para se dirigir ao adormecido
Vishnu. Vishnu apenas esboça um gesto e diz qualquer coisa como: "Ouça,
fuja, alguma coisa vai acontecer".
Na manhã
seguinte, no portal do palácio que estava sendo construído, aparece um belo
garoto negro-azulado, com um bando de crianças ao seu redor, admirando o
esplendor da construção. O porteiro, que estava na entrada do novo palácio,
corre até o Indra e este diz: "Bem, mande entrar o garoto". O garoto
é levado até o Indra, e o deus-rei, sentado em seu trono, diz: "Seja
bem-vindo, jovem. O que o traz ao meu palácio?"
"Bem",
diz o garoto com uma voz que soa como um trovão rolando no horizonte,
"ouvi dizer que você está construindo um palácio como nenhum Indra antes
de você jamais construiu".
E Indra diz:
"Indras antes de mim... de que você está falando?"
O garoto diz:
"Indras antes de você. Eu os tenho visto vir e desaparecer. Pense nisto,
Vishnu dorme no oceano cósmico, e o lótus do universo cresce em seu umbigo. No
lótus se assenta Brahma, o criador. Brahma abre os olhos e um mundo se cria,
governado por um Indra. Brahma fecha os olhos e um mundo desaparece. A vida de
um Brahma conta quatrocentos e trinta e dois mil anos. Quando ele morre, o
lótus se desfaz e outro lótus se forma, e outro Brahma. Agora pense nas
galáxias para além das galáxias, no espaço infinito, cada qual com um lótus,
com um Brahma sentado nele abrindo e fechando os olhos. E Indras? Deve haver
homens avisados em sua corte que se prestariam a contar as gotas de água dos
oceanos ou os grãos de areia nas praias, mas nenhum contaria aqueles Brahmas,
muito menos aqueles Indras".
Enquanto o garoto
fala, um exército de formigas desfila pelo chão. O garoto ri, ao vê-las; os
cabelos de Indra ficam arrepiads, e ele pergunta ao garoto: "Por que você ri?"
O garoto responde:
"Não pergunte, a menos que você queira ficar magoado".
Indra diz:
"Eu pergunto, ensina-me". (Esta é, aliás, uma bela idéia oriental:
não ensine, até ser instado a isso. Você não pode impor seu conhecimento goela
abaixo das pessoas.)
Então o garoto
aponta para as formigas e diz: "Todas antigos Indras. Através de muitas
vidas, eles se elevam das mais baixas condições à mais alta iluminação. Aí eles
lançam um raio sobre um monstro e pensam: 'Que sujeito formidável eu sou!' E
voltam a despencar."
Enquanto o garoto
fala um velho iogue extravagante adentra o palácio, com uma folha de bananeira
servindo como pára-sol. Ele veste apenas uma tanga, e tem no peito um chumaço
de cabelos formando um disco, no centro do qual metade dos pelos foram
arrancados.
O garoto o saúda e
pergunta-lhe exatamente o que o Indra ia perguntar: "Bom velho, qual é o
seu nome? De onde você vem? Onde está sua família? Onde está sua casa? E qual o
significado dessa curiosa constelação de cabelos em seu peito?"
"Bem",
disse o velho, "meu nome é Cabeludo. Eu não tenho casa, a vida é muito
curta para isso. Só tenho este pára-sol. Não tenho família. Apenas medito nos
pés de Vishnu e penso na eternidade, e em quão fugaz é o tempo. Você sabe, toda
vez que morre um Indra um mundo desaparece - coisas assim somem como uma
faísca. Cada vez que morre um Indra cai um fio de cabelo desse círculo em meu
peito. Até agora, metade dos cabelos já se foram. Muito breve, todos terão ido.
A vida é curta. Por que construir uma casa?"
Então os dois
desapareceram. O garoto era Vishnu, o Senhor Protetor, e o velho iogue era
Shiva, o criador e destruidor do mundo, que tinha vindo exatamente para a
instrução de Indra, que é simplesmente um deus da história que pensa que é o
espetáculo todo.
Indra continua
sentado no trono, completamente desiludido, completamente abatido. Aí chama o
carpinteiro e diz: "Estou suspendendo a construção do palácio. Você está
dispensado". Assim o carpinteiro conseguiu seu intento. É dispensado do
trabalho e não há mais nenhuma casa a construir.
Indra decide se tornar um iogue, para apenas meditar aos pés
do lótus de Vishnu. Mas ele tem uma bela rainha chamada Indrani. E quando
Indrani ouve falar no plano de Indra, dirige-se ao sacerdote dos deuses e diz:
"Agora ele pôs na cabeça essa idéia de largar tudo para se tornar um
iogue".
"Bem",
diz o sacerdote, "Venha comigo minha senhora e eu darei um jeito
nisso".
Então eles se
sentam diante do trono do rei e o sacerdote diz: "Pois bem, eu escrevi um
livro para você muitos anos atrás sobre a arte da política.Você ocupa a posição
de rei dos deuses. Você é a manifestação do mistério de Brahma na esfera do
tempo. Isso é um alto privilégio. Saiba apreciá-lo, honrá-lo e lide com a vida
como se você fosse quem realmente é. Além disso, vou agora escrever um livro
sobre a arte do amor, assim você e sua esposa saberão que, no maravilhoso mistério dos dois que são um, Brahma também está radiantemente presente".
E com estas
instruções Indra desiste da idéia de largar tudo para se tornar um iogue, e
descobre que, na vida, ele pode representar o eterno como símbolo, pode-se
dizer de Brahma.
Assim, cada um de
nós é, de certo modo, o Indra de sua própria vida. Você pode escolher, ou se
livrar de tudo e se isolar na floresta para meditar, ou permancer no mundo,
tanto na vida de sua tarefa, que é a régia tarefa da política e da realização,
quanto na vida do amor por sua mulher e família. Bem, esse é um mito muito
atraente, assim me parece..."
Muito Bonito e Atual, não há esperança no repouso ! Como disse Madre Teresa de Calcutá, quando descanso, descanso no amor !
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