Fico cada vez mais impressionado
com a proximidade das concepções indígenas de vida e as que se desenvolveram ao
longo dos milênios na Índia. Cá com minhas fantasias fico imaginando onde a
cultura indígena chegaria não fossem os invasores europeus. E a comparação me
dá clareza para entender a Índia, com sua ancestralidade milenar e riquíssima diversidade.
Estou lendo Mundurukando, um
livro de Daniel Munduruku, autor de diversos livros expressando como educador a
sabedoria de vida de sua cultura. Há muito a aprender.
Especialmente a viver o momento
presente sem a mente racional controladora. Ele diz:
“A gente não filosofa a respeito
da vida. Nossos avós nos lembram sempre que a vida é para viver, e não para
filosofar. Quando você filosofa, você sofre, pois tenta amarrar o tempo. Você
tenta amarrar o seu futuro a seu presente, o que é um grande equívoco para o
pensamento indígena. Não atuamos dessa maneira, não temos intelectuais – no sentido
acadêmico – que ficam imaginando se a vida pode ser melhor se fizermos isso ou
aquilo. A gente simplesmente vive.” p. 28
O educador também desmente a
ilusão de que índio vive em harmonia porque está próximo da natureza. Não, diz
ele, há que se lidar com o sofrimento também. E para isso, desenvolveram uma
sabedoria própria, que novamente tem a tônica na busca pela vida no momento
presente, no aqui e agora:
“Desde criança aprendemos a
conviver com o sofrimento. E, apesar de não ser um sofrimento ansiado ou
procurado, somos obrigados a aprender a lidar com ele com uma forma de
afugentar uma vida triste, composta de choro e depressão. E sabemos que,
vivendo o presente, permitimo-nos viver os momentos sem nos preocupar com o que
vem depois, o que não deixa de ser uma atitude instintiva de grande sabedoria.”
p. 29
E aqui, as analogias com a
sabedoria hindu são impressionantes, pois ao lado da busca pela vida
espontânea, sem a racionalização que procura tematizar passado e futuro, surge
o ideal da possibilidade de atingir o máximo da experiência de vida, que é o
silêncio, que é a única maneira de estar por inteiro nas situações, integrando
corpo e mente:
“(...) o nosso silêncio não é o
silêncio de boca. Um silêncio em que a boca está apenas fechada é um silêncio
que as pessoas até fazem aqui na cidade. O silêncio difícil é o do pensamento,
quando a gente não permite que o pensamento crie asas e vá para lugares em que
o nosso corpo não está. O difícil na cidade, e o difícil para nós também, na
aldeia, é estar inteiro em algum lugar, ouvindo pessoas ou passeando com os
filhos, enfim, estar ali, presente.” p. 35
E ao falar da importância da oralidade,
relaciona essa tradição de memorizar as histórias com a necessidade de um povo
nômade de não acumular bens, inclusive livros nas estantes. Isso expressa um
valor fundamental, que também conecta as civilizações: o ideal do desapego.
“Um povo nômade sabe que é um
povo que está de passagem, está andando por este planeta. Não por estar mudando
de lugar, mas porque, dentro de si, ele também está de passagem, assim como
todas as pessoas (...) Estamos vivendo aqui, agora, e temos de viver com
intensidade, mas sabendo sempre que somos apenas passageiros. E passageiros não
podem acumular coisas.” p. 33-4
Viva o presente, seja inteiro e
intenso em cada situação, elimine o pensamento e desapegue-se. Sim, há muito
que aprender. Um aprendizado prático que pode enriquecer nossas vidas e
revolucionar nossa forma de viver em sociedade.
Bom trabalho a cada um!
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