sábado, 10 de dezembro de 2022

Namo namo...


Namo namo prabhu vakya-mana-atita


Eu te saúdo e reverencio mestre, tu que estás além da palavra e da mente (além da minha capacidade de te compreender, além da possibilidade de expressar por palavras, tua natureza e grandeza). 


Mano-vachanaika-adhar


E ao mesmo tempo és a base das palavras e da mente (é através de ti como consciência, minha natureza interior, que ouço o que ouço, que vejo o que vejo, que sinto o que sinto, é graças a ti que consigo compreender o que consigo compreender, és a fonte de todo conhecimento e entendimento em mim).


Esta canção do Arati foi composta por Swami Vivekananda para seu mestre Sri Ramakrishna Paramahamsa.


É uma música que descreve seu amor e adoração por seu mestre.


É uma expressão dos aspectos transcendentais e imanentes do Senhor!


É uma canção de amor. 


É a linguagem dos amantes:


Não consigo decifrar quem você é. Você que exerce esse imenso fascínio, é um mistério para mim. E ao mesmo tempo eu não consigo viver sem você, não consigo te esquecer, e já não vejo o mundo com os mesmos olhos de antes. Vejo o mundo com as lentes dessa nova compreensão da Realidade e agora minha vida ganhou um novo sentido. 


Esse é um trecho da canção composta por Vivekananda para ser cantada diariamente pelo movimento que então nascia, entre os discípulos de Sri Ramakrishna. Eles cantavam enquanto ofereciam ritualisticamente os cinco elementos às cinzas do mestre que havia feito a passagem. O ritual do arati usa até hoje esse hino, em todos os lugares associados a Sri Ramakrishna, na India e fora dela, composto na língua falada por eles, e não no sânscrito, de modo que todo o povo pudesse entender, cantar e se alegrar com ela.


Uma canção de amor de um jovem por seu mestre. 


Eu não consigo te conhecer por inteiro, quem é você?


E tudo que sou e sei é graças a você. 


Eu não existo sem você. Nada sei sem você. 

Tu és a fonte da minha vida, do meu amor.


Tu estás nas correntes nervosas deste corpo, tu estás no encontro entre cada neurônio, na medula espinhal, na percepção sensorial, no movimento de cada músculo, no zumbido do cérebro, estás em cada célula, no ar que me percorre, no ritmo do coração e toda a pulsação, tu és minhas águas, meu fogo, meus ossos, meus pensamentos e o intervalo entre os pensamentos. Tu és meu tudo. 


Namo… essa palavra tem um amplo significado. De curvar-se, reverenciar, saudar… namo namaha está em tantos mantras de saudação às divindades. Om Namah Shivaya por exemplo. É a mesma que aparece no famoso namastê (Eu te saúdo, eu te reverencio). Eu diria: eu te amo. Namo... Não eu, mas tu. Namo, namo, Amor, amor. 


Espiritualidade, para mim, é isso:


Buscar esse alguém que seja capaz de receber meu amor assim como Ramakrishna o recebeu de Vivekananda. 


Quando ouço essa música, sinto que a espiritualidade é sim adorar o mestre que Vivekananda reconheceu como O mestre de toda a humanidade, mas sinto ainda um algo mais. Eu penso na trajetória do próprio Vivekananda. Ele procurou e encontrou. Isso desperta em mim a vontade de procurar também. Onde Ele está? Preciso vasculhar esse planeta e encontrá-lo.


Encontrar essa pessoa, esse ser, que seja capaz de despertar em mim o amor e ser o  receptáculo de minha entrega e devoção.


Alguém em quem eu possa confiar. Inteiramente. 


Um amor por um Tu, uma relação pessoal. 


Alguém de carne e osso, de quem eu possa ver as linhas da pele. E não só adorar por imaginação. Quero ir além dos exercícios espirituais de mantra e visualização, quero esse alguém com textura e calor. Além das intelectualizações, quero achar esse alguém que eu possa olhar silenciosamente e confiar todas as conchas do colar de meus afetos. Onde eu possa ver o jogo de luz e sombra na pele de seu rosto, as marcas do tempo em suas mãos, olhar seus pés descalços enquanto minha mente viaja na imensidão do infinito.


Alguém que sorria, um sorriso solto como o das crianças.


Eu quero ver. Estar em sua companhia. Sorrir junto.


Alguém que possa estar a meu lado e segurar minha mão, caso eu esteja doente ou moribundo ou em luto pela perda de um familiar.


Alguém que, quando morrer, eu possa viver o terrível luto, e também cultuar suas cinzas, ao lado de meus companheiros. E sofrer sua ausência. Não quero esse deus sempre vivo e mudo.


Amor e morte. Amor e finitude.


Em nosso pobre coração humano o amor precisa de um senso de urgência. E a ameaça da morte é o catalizador máximo dessa urgência. Não amamos um eterno, um sempre igual. Amamos infinitamente antes que se vá. E quando se vai, amamos infinitamente, o amor sobrevive à morte. É na tensão da finitude que vive o amor.


As pessoas dizem que quando alguém morre o vínculo fica até mais forte. A pessoa amada fica até mais presente.  


Sim. Eu sei que tua linguagem é o silêncio e a escuridão. Sim. Eu sei que tu me falas através de tantas bocas e me vês através de tantos olhos. Sei que no bater das asinhas da pequena abelha, nos azuis do céu, no vermelho do amanhecer na montanha, nas estrelas, no balançar das folhagens ao vento, nas conversas com a criança… sim, eu sei que tu estás aqui. Mas eu te quero em carne. 


Enquanto não encontrar essa pessoa (e nem imagino onde ela possa estar nessa Terra imensa), minha espiritualidade é um deserto de decepção, de melancolia por querer e não ter.  


Não ter achado a pessoa certa. Minhas cartas de amor são feitas de poesia juvenil. Todas voltaram. E meu coração envelhece sem amadurecer. Sou triste.


Minha tristeza é no entanto um oceano de vida. É de lá que emerge minha força. É minha decepção que não me deixa resignado e apático. Ainda hei de ser feliz! Hei de amar de verdade! Hei de encontrar esse amor!


Não posso desistir de procurar o amado.


Um amor que liberta e não que aprisiona.

Que é fonte daquela alegria inocente e não de tormentas e apegos.


Por acaso é você? Essa minha carta que agora você lê, terá chegado ao destino? É você o mestre do amor? Se for, por favor, venha logo.


Eu venho dos caminhos do amor.

Sou filho das paixões e suas desilusões. 

Sou um amigo displicente e ingrato. 


Penso em todas as pessoas que conheci, que passaram por minha vida. Tantos amores. Minha vida tem tanto passado. Mas chegará o dia de muito presente.


Na vida de professor quantos alunos passaram por mim. Como os amei! Por onde andam? O que revelaram ser? Será que algum deles…?


Será  que meus olhos já cruzaram os teus e não te reconheci?


Minha alma tem uma sede… 


É a sede eterna da alma de se unir ao Supremo! O amor obstinado que Vivekananda tinha por Ramakrishna!


Ouvindo essas histórias de adoração e amor de Vivekananda por Ramakrishna, de Rumi por Shams de Tabriz, e imaginando as de Maria Madalena por Jesus…


E penso em tantos santos e swamis que ao longo dos séculos o amaram sem o conhecer. Alguns poucos escreveram. E são maravilhosos. Imagino ainda os incógnitos. Quanta fé! Será isso que me falta?


Amigo, você tem excesso de poesia e falta de fé. Sua mística de palavras é vazia. 


Há aqueles que o veem todos os dias.


Será que você que me lê é um desses? Por favor me ensine. 


Ainda aguardo o olhar e o chamado: "vem". 


E vou. 


Por enquanto me inquieto e choro. 


Eu choro por um Deus desconhecido.

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