Minha irmã viajou e fiquei de cuidar do meu sobrinho de onze anos, levá-lo na
escola, dormir na casa dele, etc.
Chegamos, eu e minha companheira, na casa dele ontem a noite.
Ele estava jogando video-game e era quase
meia-noite.
Muito além do horário que se espera de um
pré-adolescente estar dormindo para acordar as quinze para as seis no dia
seguinte.
Minha companheira, que é uma excelente
educadora, olhando a cena o que fez?
Sentou-se no sofá, começou a ver o jogo, um lindo cenário com personagens de lego e Harry Potter, e então ficou ali a
fazer comentários, a se divertir com o menino.
Ela dava gargalhadas com ele na sala
enquanto eu arrumei a cama, e me preparei para dormir.
Quando vi, ela já estava jogando e se dando gargalhadas com ele.
Então quando eu saí do banho ela disse:
bom, vou tomar banho, minha vez.
E então ficou tudo bem. Já era hora mesmo.
Todos fomos dormir, embalados pelo calor da empatia, amizade, sem tensões...
Quando um adulto se faz presente e adentra o mundo dos jovens e crianças, tudo
fica mais fácil.
Botamos os três celulares para despertar e acordarmos
bem cedo no dia seguinte.
No entanto, só as sete e quarenta e cinco da manhã eu olho o relógio.
Meu sobrinho ainda estava dormindo. Devia
estar no sétimo sono.
Perdemos a hora da entrada na escola.
Acordei-o e ele disse que depois de sete e dez já não deixam mais
entrar.
Deixei-o dormindo mais um pouco.
Comentando com minha companheira, juntos
começamos a nos perguntar por que uma escola que se afirma libertária é tão inflexível quanto ao horário de entrada.
Deixei meu sobrinho dormindo e fui com ela
até o metrô. Afinal estava na hora dela trabalhar também. Não deu tempo para
tomarmos café juntos e fiquei um pouco triste por isso. Mas... nós é que
acordamos tarde. Tudo bem. Aceita.
No caminho do metrô, um morador de rua
amigo meu estava bem sujo, mal-cheiroso, com uma barba gigante. Estava muito
transtornado. Xingando e pedindo comida de forma agressiva.
Ele sempre é um pouco nervoso, do tipo: dá
comida pro pobre! tô com fome! Mas hoje ele estava demais, porque estava fazendo
movimentos bruscos com os braços, gritando e falando palavrões.
Descemos as escadas, deixei-a no metrô e fiquei, ali da roleta, olhando-a ir
embora, como sempre gosto de fazer. As despedidas merecem todo o nosso tempo.
Mesmo que em dias de pressa, acho que vale ficar um minutinho vendo o meu amor
andando pelo corredor do metrô e olhar para trás e trocarmos um último adeus.
Subi do metrô e lá estava o senhor. Assim
que o vi ofereci: vamos tomar café?
Afinal, perdi a companhia da mulher, mas
meu amigo estava ali precisando comer.
Pediu-me três pães na chapa e um café com
leite. Três pães! Acho engraçado esse jeito dele pedir o que quer, sem
humildade.
Custou-me sete reais e cinquenta. Mas achei que tudo bem. Afinal,
gastaria um pouco mais do que isso com o meu amor.
Entreguei a ele. E ele me abençoou.
Fui andando até a escola do meu sobrinho. Pensei em passar
lá e perguntar se seria possível que meu sobrinho chegasse atrasado, até porque
após a aula teria uma atividade extra de teatro. E ele havia me dito que não
poderia entrar nem para isso. Perder aula tudo bem, mas eu não queria que ele perdesse
o teatro. Aí eu me sentiria realmente culpado.
Então comecei a andar em direção a escola.
Só que comecei a imaginar as pessoas da escola me dizendo
que não seria possível e dando todas as explicações burocráticas,
etc.
Fui ficando com raiva só de imaginar e foi crescendo a vontade de dizer que
meus filhos não vão estudar nessa escola que se diz muito libertária etc. E fui
sendo tomado dessa corrente de pensamentos negativos e desse emoção raivosa.
Dei-me conta que estava criando uma realidade de violência. E
comecei a pensar: espera, não quero dar vazão a essa emoção. Quero uma outra
alternativa.
Então me veio a ideia de que a gente cria a nossa realidade.
E que eu poderia começar a fazer afirmações positivas.
E assim fui andando e falando: essa escola do meu sobrinho é uma
escola libertária, é uma escola acolhedora.
E uma emoção gostosa foi tomando conta de mim. Uma leveza no
corpo, um leve arrepio, uma presença positiva. E continuei: chegando lá, serei
recebido por uma pessoa amorosa, acolhedora, que vai saber compreender a
situação, que vai encontrar uma solução.
Nesse instante eu consegui reverter minha mente. Mudando o
paradigma. Da competição para o amor. E comecei a silenciar e a caminhar em
paz, sentindo confiança. E assim fui andando.
Em minha mente surgiu a imagem do senhor que fica na portaria. E
mesmo que ele seja simpático, percebo que seria importante passar por ele, pois
ele não conseguiria resolver a situação. De algum jeito, mesmo sem agendar, eu
precisava ir até a secretaria. Entendi que essa intuição era importante ser seguida, como uma instrução estratégica para a coisa dar certo.
Chegando na escola, o moço do portão, mesmo tentando saber de tudo
ali e me impedir de ir adiante, acabou deixando que eu fosse até a secretaria.
Na secretaria, elas disseram que normalmente a entrada é sete e
dez e que só em casos médicos abrem exceções. Perguntei se elas não poderiam
abrir uma exceção hoje. Elas disseram que elas não podem, que só quem faz isso é
a coordenação. Pedi para falar com a coordenação e elas, dali mesmo, ligaram. E
então...
A coordenadora... pelo telefone... liberou que eu levasse o menino às dez, na hora em que começam as aulas após o recreio.
Ela liberou! Sinto que todos na secretaria respiraram um ar de
surpresa...
Que alegria! Voltei correndo pra casa.
Agora o próximo desafio. Acordar o tourinho que dormiria facilmente
até a hora do almoço.
Entrei novamente no paradigma negativo. Ele pode querer me xingar, dizer
que tá com sono, que não quer ir, vai inventar uma doença etc.
E de novo usei o método: reverter o estado mental. Afirmações
positivas: ele vai acordar, vai ter um dia feliz, vai acordar bem disposto,
etc.
Cheguei ao lado da cama. E a primeira coisa que me veio a mente: a
oração do pai nosso. E assim comecei: pai nosso que estais no céu... e agradeci por um novo dia de vida.
Ao fim da oração ele se espreguiçou. Uau! Funciona.
Esperei ele sentar-se e fui falando que tinha uma notícia
maravilhosa, que ele nem ia acreditar de tão boa...
Tomou banho e se animou a estar com os amigos, ir para a escola,
etc.
No caminho paramos para um café na lanchonete.
E aí, só para completar a prova de que... (nossa!!!) quando o dia é
lindamente abençoado é como um bolo com recheio e cobertura! Então a cobertura
aconteceu ali. Perguntei se o suco de fruta do conde era da fruta ou polpa. Era
da fruta, foi a resposta, mas pedi sem gelo, aí ele me disse que era gelado
porque era da fruta que eles mesmos congelavam. Puxa, pensei, mas isso é polpa,
né?
Antes mesmo que eu pedisse um outro suco, tipo laranja e
tal, o suqueiro veio lá de dentro sorrindo e falou: mas se você quiser um feito
na hora eu faço. E pegou as frutas que estavam ali e me fez um gostoso suco da
fruta, batido na hora.
Então comecei a me maravilhar mais e mais dessa verdade linda da
vida, de que a gente cria a nossa realidade. E compartilhando isso com o meu sobrinho fomos para a escola.
E junto a esse sentimento de alegria e confiança em mim mesmo e na
vida, comecei também a ter a certeza de que tudo isso não provinha só de mim.
Há um sopro... uma presença...
Chame como quiser: anjos, espíritos, deuses...
O fato é que o Amor esteve comigo essa manhã.
Seja através da minha irmã que viajou e está feliz à distância
vibrando por seu filho e por todos nós.
Seja pela presença da minha companheira que me cerca de amor todo
o tempo, que foi uma presença incrível junto a nós e que ao andar na rua comigo
olhou o céu e disse: que dia lindo!
Seja pela presença misteriosa do mendigo sujo que me abençoou após
os palavrões.
Seja pela presença desse algo que me fez instantaneamente oferecer café-da-manhã a esse homem que mal conheço.
Onde está esse mistério?
Não sei.
Como explicar esse dia?
Não sei.
De quantas fontes me vem esse amor que me cerca e cuida dos meus
passos?
Não sei.
Quem é, na verdade, esse mendigo?
Não sei.
Mas para mim isso tudo é um grande milagre.
E fiquei feliz com tudo isso.
E amo a possibilidade de ser um escritor.
E poder contar essas histórias e me comunicar com
você que agora está lendo tudo isso.
Fico maravilhado com o milagre da escrita...
É tudo um grande milagre mesmo...
Simplesmente Divino
ResponderExcluirLindo texto! E me veio em hora muito oportuna. É tudo um grande milagre mesmo!
ResponderExcluirQue lindo!!! Saudades de ti querido...
ResponderExcluirBeijos beijos!
Adorei as considerações sobre a despedida!
ResponderExcluirAdorei as considerações sobre a despedida!
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