quinta-feira, 26 de março de 2015

Como falar bem em público?


A oratória é uma das minhas artes favoritas.
Nunca a estudei de forma sistemática mas, ao longo dos anos, foi através de palestras que fui percebendo que minha alma ia sendo tocada pelas ideias e emoções que os palestrantes transmitiam. Foi através de palestrantes, e nesse contato vivo que é a palavra falada, que fui tecendo internamente meu sentido de vida, minha compreensão da vida social, das coisas do universo e do lugar da vida humana aqui no meio disso tudo.
Hoje em dia, quando ouço alguém falar em público fico atento ao jeito de falar, percebendo aquilo que toca o público, aquilo que vem de dentro dos sentimentos do orador, assim como suas manias e imperfeições, nervosismos, etc.
Acho que, mesmo sem estudar, me tornei um especialista no assunto. Ou, ao menos, um chato.

Quando criança, eu era tímido e tremia nas apresentações da escola. Se eu segurasse um papel com anotações para falar, o papel tremia e isso só piorava a situação. Se, com grande esforço, eu conseguia parar as mãos, as pernas é que começavam a tremer.
O engraçado é que quando era para ir ao quadro resolver exercícios de matemática eu adorava. E gostava de me virar para turma e dar explicações. Aliás, foi explicando matemática para uma amiga que comecei a pensar em me tornar professor.

Hoje, aos 36 anos, professor universitário, adoro dar palestras. Falo com alegria para 200 pessoas e um dos dias mais felizes da minha vida foi falar para mais de mil, num teatro municipal. Sou apaixonado por falar em público e pela possibilidade do debate de ideias. Sinto a presença do público, mais ou menos como o ator de teatro diz sentir a sua platéia, acompanho os olhares e, mesmo quando não fazem perguntas, sinto que está acontecendo um diálogo entre nós. Adoro!
Um dia desses, conversando com uma jovem amiga sobre cursos de oratória, resolvi escrever algo a respeito para ajudar as pessoas. Ajudar a quem quer se desenvolver nessa arte apaixonante: falar em público.

Foi na juventude que me deparei com a frase de Oscar Wilde que carrego comigo até hoje: "só existem duas regras para escrever: ter algo a dizer, e dizê-lo. "

Então comecei a entender que a questão principal não está na forma, mas no conteúdo.
Se eu sei o que vou dizer, basta dizer. Ou seja, a maior parte do problema na época da escola estava no fato de que a gente era colocado para apresentar seminários e falar de coisas decoradas, assuntos que a gente não entendia direito. Estávamos apenas começando a estudar e já tínhamos que apresentar. Ainda não dominávamos o assunto.

Minha mãe era sindicalista e falava muito bem em público. Era aquela retórica de comoção, agregadora. Uma vez perguntei a ela qual era o segredo. E ela me respondeu na linha de Wilde: "saber do que você está falando."

Então se um dia eu for dar aulas de oratória, a primeira prática vai ser as pessoas falarem de assuntos que dominam muito bem. Ainda que seja futebol, culinária, a história pessoal, a descrição de um lugar em que a pessoa sente prazer de estar, ou coisas do gênero.

Sei também que a grande dificuldade não está só na questão do que vai ser dito, mas na sensação estranha (apavorante para muitos!) de estar em pé na frente de um grupo de pessoas, tendo que se expor, sabendo e pensando obsessivamente no fato de que as pessoas estão olhando para você. Por que será que é tão difícil estar nessa situação? Por que, emocionalmente falando, a gente oscila entre a vontade de ser notado e a vontade de desaparecer? Qual o medo que temos? Isso é um trabalho longo para terapias e caminhos de autoconhecimento. Um dos exercícios que já fiz com meus alunos na formação de professores foi pedir que cada um andasse até o centro da roda (ou a frente da sala), parasse um tempo em silêncio, olhasse as pessoas, e depois voltasse. Um exercício simples, não precisa falar nada, mas é preciso se expor! Encarar os olhares...

Ao longo do mestrado me apaixonei pelos Sermões do Padre Antonio Vieira e com ele aprendi muito. É algo que se entranha. Por exemplo, creio que parte da técnica expositiva do padre barroco era trabalhar com afirmações em oposição às negações. Esse era, e ainda é, um bom método para enfatizar a ideia que eu quero passar em minhas palestras. Vou dar um exemplo. Eu posso dizer assim: "para falar em público é preciso coragem." Mas eu posso fazer uma construção que dê uma volta no contrário e volte com ênfase na minha afirmação. Ficaria assim: "para falar em público não se pode ter medo, é preciso coragem."

Faz toda a diferença, não é verdade? Eu conduzo intencionalmente o ouvinte a duas possibilidades e mostro qual das duas é a verdadeira. É como se a minha afirmação estivesse dentro de um universo maior. "Esse texto que você está lendo não foi escrito por um amador, mas por um professor experiente no assunto."

Então é o que eu sinto nos oradores que ficam muito perdidos no que falam, não sabem dar ênfases. Na primeira frase ela é dita de uma forma direta e acaba rápido. Na segunda, você pode valorizá-la a partir de pausas, de silêncios. Aliás, o valor do silêncio é um tema muito especial que vou comentar em breve.

Voltemos a Oscar Wilde. É preciso ter algo a dizer. Dominar um assunto. E aí creio que isso tem a ver com a natureza do conhecimento, ou seja, com estruturas de compreensão. E estruturas de compreensão tem a ver com a capacidade de fazer analogias entre conhecimentos diversos. Quando a gente conhece algo novo, faz associações com o já conhecido e assim a teia do saber vai se expandindo. Então por mais que eu estude um tema específico, saber temas paralelos me ajuda a transitar entre os discursos e dar mais clareza a minha fala.
Quanto mais amplo o conhecimento em áreas diferentes, melhor a capacidade de falar sobre os temas que já sei. Quanto mais ampla a teia do saber maior o poder de síntese e a capacidade de enfatizar os pontos centrais do que eu quero transmitir ao público. Pense numa criança que vê um filme. Você pede para ela lhe contar a história e ela conta detalhe por detalhe. Ela não consegue te dar uma visão geral. Ela fica falando: "aí a princesa foi raptada, aí apareceram os monstros, aí eles tinham dentes enormes, aí..." e de aí em aí você perde o interesse no que ela está falando. Quantas palestras sonolentas você já assistiu?

Poder de síntese: a organização oral de uma pensamento é o nosso desafio. Quem leu a autobiografia de Gandhi sabe da dificuldade que ele enfrentou com a timidez. Não conseguia dizer uma palavra em público. E, ao mesmo tempo, quando ouvia o pessoal no congresso indiano, achava que as pessoas falavam em excesso. Então ele pegou um papel e começou a anotar o que ele ia dizer. E tentava fazer com o menor número de palavras. E assim foi nascendo o orador que percorreu a Índia liderando multidões. Lembremos: quem fala pouco recebe mais atenção quando fala.

Quando jovem eu participava de palestras de grandes intelectuais e queria fazer perguntas. Mas quando o microfone vinha até minha mão dava um branco. Aí eu falava coisas desencontradas e não conseguia formular o que eu realmente queria saber. Então, assim como Gandhi, comecei a escrever para ler as perguntas.

Destacar ideias centrais, encaixar o que está sendo dito num contexto mais amplo, ter uma noção do todo e das partes, da cronologia, tudo isso vai ajudar a dar clareza. Mas a pergunta continua a existir: como desenvolver tudo isso? Aqui preciso contar como isso se processou em mim.

Fiz um curso de autoconhecimento que utilizou a metodologia de Jung que fala de quatro aspectos da nossa forma de perceber o mundo: o pensamento, o sentimento, a intuição e as sensações. Em cada pessoa, um desses aspectos predominava. E ainda se avaliava se a pessoa era introvertida ou extrovertida. No meu caso, ao fazer o teste, deu pensamento introvertido. Era isso! Era minha característica! Eu pensava muito, a maneira de me relacionar com as coisas era através do pensamento, o raciocínio lógico. Mas a introversão impedia que eu expressasse esses pensamentos com clareza. Eu era aquele sujeito que falava coisas no grupo, falava cheio de certezas e críticas (porque afinal eu era um bom pensador) mas a maioria das pessoas não me entendiam, me achavam um sujeito confuso. Então, seguindo a metodologia, precisei trabalhar o pólo oposto, para ficar mais em equilíbrio. Então eu precisaria desenvolver o sentimento extrovertido. Ou seja, me relacionar através do sentimento com as pessoas. Uma das dicas práticas era ir a orfanatos e abraçar as crianças, doar afeto, etc. Foi o que eu fiz. E não é que deu certo?

Creio que minha personalidade ficou mais integrada e eu consegui, a partir de então, me expressar com mais clareza. E hoje me orgulho ao receber o elogio dos meus alunos quando dizem que sou didático. De onde vem isso? De ir abraçar crianças no orfanato.

Então estou escrevendo isso para que as pessoas entendam que o caminho mais rápido nem sempre é a linha reta. Se eu fosse para um curso de oratória, talvez demorasse mais a ganhar a desenvoltura que tenho hoje. Porque o que era preciso era um investimento na personalidade, na formação de um ser humano mais integral. E é exatamente a imagem de um ser humano mais integral que nos passam os bons oradores, não é verdade?

Estamos nos aproximando de uma compreensão do que estamos querendo incentivar aqui.

A arte da oratória, como toda arte, é uma expressão que vem de dentro. Então em primeiro lugar que a pessoa que queria falar bem, invista em conteúdos. E, como já vimos, conteúdos de diferentes campos do saber. Mas ao lado do conhecimento, que invista nos demais componentes de si, os sentimentos, a capacidade intuitiva, a relação sensorial com o mundo. Há muitos conselhos a dar aqui, mas há na verdade muitos caminhos, muitas artes que serão complementares e cada um vai escolher a sua. Uma arte do desenvolvimento de si mesmo. Talvez um bom conselho seja o caminho de terapias corporais, espiritualidade, investir em expressão dos afetos. Uma pessoa que se expressa bem, não é só pela fala, mas o corpo inteiro que fala. Então a mente pode ser muito inteligente, mas o corpo trava a expressão do seu brilho. Se algum dia eu for trabalhar com um grupo que queria desenvolver a oratória e perder a timidez, vou pelos caminhos do autoconhecimento e da expressão corporal, do silêncio e da brincadeira, que é na verdade o que já faço nos grupos de meditação que conduzo.

Bom, a essa altura da reflexão gostaria de dar algumas dicas práticas para quem vai fazer alguma apresentação oral, uma palestra, seja o que for. Creio já ter ficado claro que não há receita pronta, que a oratória vai ter uma infinidade de estilos, e que o mais importante não são os métodos, mas os conteúdos, o conteúdo do assunto, e o conteúdo da pessoa que fala. Ainda assim, ao longo da vida recebi alguns conselhos e percebi algumas coisas por conta própria. Então aí vai um pouco desses segredos.

I - Humildade e Teoria do Campo

É por onde precisamos começar sempre.
Eu não sei.
Saber que não sabe é uma grande virtude.
Então eu começo sabendo que não sei uma série de coisas.
Eu não sei tudo sobre o assunto, apesar de ter estudado bastante, ainda não esgotei o conhecimento. Aliás nem a propria ciência sabe tudo sobre o assunto. Então já fico preparado para fazer perguntas, mais do que dar respostas. O bom orador faz o público pensar, ele instiga a pesquisa, o interesse. Não há nada mais desestimulante do que assistir um orador sabe-tudo. Legal é quando ele nos faz pensar, imaginar possibilidades de respostas sobre um assunto. Adoro assistir bons oradores da área da astronomia, eles me instigam a olhar o céu e imaginar...

Aliás, um bom jeito de começar uma aula é formulando uma pergunta motivadora. Um grande mestre e professor que tive na faculdade de economia, José Ricardo Tauile, me ensinou isso uma vez. E disse que aprendeu com um professor na Inglaterra. O sujeito começava a aula fazendo uma pergunta difícil. Do tipo: "como é possível que, apesar de tanta produção de alimentos, haja tanta fome no mundo?" E então a aula seguia, percorria diversas explicações sobre a estrutura da sociedade em classes e no final... ele retomava a pergunta e a aula inteira fazia sentido.

Eu não sei... eu não sei quem é o público. Não sei nem mesmo o que as pessoas vão entender a partir do que eu vou falar. Cada um interpreta as coisas de um jeito, faz suas conexões com suas estruturas de compreensão. Eu não tenho controle sobre isso. E aqui entra a habilidade em saber ouvir. Como disse o Rubem Alves, não é oratória, é escutatória que a gente precisa. Porque a fala do outro vem de uma outra estrutura de compreensão e nem sempre preciso debater, mas agregar ideias.

Eu não sei nem mesmo o que eu vou falar.
Uma vez uma amiga psicóloga falou da "teoria do campo". A teoria diz o seguinte: num grupo, aquilo que precisa ser ouvido vai ser dito por alguém. Isso independe da sua vontade, do seu controle. Então vou para um grupo com uma postura de abertura, permito que as pessoas falem, e o tema vai transcorrer de uma forma que eu não sei exatamente qual. Tenho minhas cartas na manga, meu planejamento prévio, mas estou aberto a seguir outras linhas de raciocínio. E tenho visto que mesmas aulas, para grupos diferentes, tomam rumos completamente diferentes. Então, humildade! Não sou eu quem vou falar. É o campo. O meu trabalho é não atrapalhar a manifestação das ideias no campo. Esse é o nível mais elevado e mais difícil. Ainda estou aprendendo a silenciar mais para que as pessoas pensem mais por conta própria.

Ainda sobre humildade quero comentar sobre o terrível medo que as pessoas sentem das perguntas e da participação do público. Isso é insegurança. E isso vem da falta de humildade.
Se surgir uma pergunta que você não sabe, você pode ser sincero. E lembre-se que o caminho do saber é infinito e não existe alguém que saiba tudo. "Vou pesquisar isso", pode ser uma resposta possível. Mas mesmo que você não saiba você pode indicar caminhos de como a gente pode chegar a saber: "vamos olhar no google", por exemplo. Outra é devolver a pergunta para o público: "o que vocês acham?"

II - Os minutos iniciais e o acolhimento dos participantes

Os minutos inciais são dedicados a apresentação pessoal. Não adianta começar o assunto de imediato, as pessoas não vão prestar atenção. Elas precisam criar uma relação de interesse, confiança, simpatia. É a hora de ganhar o público. Esse tempo pode durar mais ou menos, dependendo do público. Uma pessoa que começa a falar e não se apresenta, fica faltando algo, o público fica se perguntando quem será essa pessoa, qual seu nome, e não consegue dar tanta atenção ao tema.
E depois que você faz uma boa apresentação pessoal você vira a figura central. As pessoas estão abertas a te ouvir. Isso explica porque muitas vezes quando alguém da plateia faz uma pergunta ou fala uma coisa interessante, mesmo que seja um comentário muito inteligente, o público não dá tanta atenção e valor como quando você fala. Há uma transferência envolvida. Por isso, é importante que, quando alguém contribui com um comentário, você repita resumidamente o que a pessoa falou para valorizar sua participação. A pessoa se sente acolhida e, não só isso, o argumento que ela trouxe passa a fazer parte do campo da reflexão.

III - Respiração e presença
Antes de começar, é bom que você olhe para o público, respire e procure testar para si mesmo se você está no aqui e agora, que você se observe, sua respiração, o nervosismo, etc. Pode fazer um cumprimento inicial (boa noite, por exemplo) e aguardar a resposta, olhando, ficando um pouco em silêncio para que possa transmitir as pessoas um pouco da sua presença pessoal antes da fala. E pode, com isso, procurar sentir a presença das pessoas e ir sentindo o campo.

IV - Silêncio
Assim como a música é um conjunto de notas e pausas, a oratória é valorizada pelos silêncios. Os bons oradores fazem silêncios sensacionais! Silêncios enfatizam a última palavra que foi dita. Perguntas retóricas fazem as pessoas pensarem. O silencio entre as frases faz o público sentir que você está pensando no que fala. Faz o público pensar com você.
Para isso você precisa estar confiante. Os iniciantes falam depressa e sem pausas. Não aguentam o silêncio. Precisam acabar logo. Isso deixa transparecer o nervosismo. A pessoa segura sabe trabalhar com o silêncio.
Os poetas sabem disso, por isso escrevem em versos. Para marcar o tempo do silêncio. Adoro ouvir recitações de poesias. Sou fã da Leticia Sabatella e do Antônio Abujamra, pelos seus silêncios e suas ênfases. Há diversos poemas recitados por eles na internet.

V - Para onde olhar?
Gosto de olhar no olho das pessoas. Evitar o olhar é uma tragédia, em oratória. Sei que olhar as pessoas deixa os iniciantes ainda mais nervosos. Se você falar sem olhar para a plateia, desviando o olhar para um ponto na parede, por exemplo, isso será pior ainda. Então não tem como fugir. Precisa encarar.
Aí algumas dicas: não olhar para uma pessoa só, mas para todos. Mas você verá que não dá para olhar para todos. Então ao longo de sua exposição, você vai descobrindo pessoas, olhares apoiadores, pessoas que balançam a cabeça, que sorriem quando você fala. É para elas que você vai olhar mais.
Num público grande, procure harmonizar o tempo que você olha para o pessoal do fundo, o pessoal da frente, e de cada um dos lados. E de vez em quando dar uma olhada e falar diretamente para a pessoa da extrema esquerda e a pessoa da extrema direita da platéia. Se você está numa mesa com outros palestrantes, lembre-se de olhar para eles. Isso dá a sensação ao público de que você está falando com todos.

VI - Quando ler?
Uma apresentação lida é uma tragédia. Mas é possível que pequenas notas ou trechos de livros possam ser lidos. Isso enriquece o conteúdo e não diminui em nada sua oratória. Então é ótimo que você interrompa e cite um autor, abra um livro, isso dá um ar de que estamos estudando e aprofundando um tema junto com você.

VII - Preparar a apresentação aberta
Para permitir improvisos, mudanças de rumo. Uma palestra fechada, engessada, sinaliza que o orador não consegue sair do tema, está inseguro. Então se você pode sair do tema, a palestra fica viva e responde aos anseios das pessoas que foram te ouvir.

VIII - Nunca confrontar o público (deixe que se confrontem entre si)
Quando surgem questionamentos, por vezes até mesmo violentos, sobre o que você está falando, nunca, nunca, nunca se confronte com a pessoa. Se é uma pessoa que te parece desequilibrada emocionalmente, que quer te confrontar na frente de todos você tem algumas opções. A melhor delas é jogar a pergunta para o público: o que vocês acham? E aí, dentre as pessoas, surgirão aqueles que vão defender sua ideia. E todos continuam com você, abertos a te ouvir. Mas se você pessoalmente se confrontar com alguém, metade do público ficará contra você. Isso é uma lei dos grupos. Não me peça para explicar como isso se processa. Mas é um fato.

IX - Numerar
Numa argumentação, a numeração é de grande força retórica. Por exemplo, quando você fala algo e diz que vai citar três motivos para determinado fenômeno, as pessoas vão ficar atentas até que você chegue na terceira causa. Numerar passa confiança de que você sabe o que está falando.

X - Letras de música
Foi a minha grande fonte de inspiração para a fluidez de minhas palestras. No meio de uma frase vinha um verso de uma letra de música. A música popular brasileira é uma grande fonte de citações possíveis. As vezes, quase sem querer, me pego citando um trecho de uma música. Essas letras ficam em nós como um repertório de palavras, de frases. Não estou dizendo para você citar, cantar (coisas que eu faço em aulas e momentos mais descontraídos) mas para que você tenha esse repertório de palavras no seu uso. É bom estar num país que tem um músico da qualidade de um Caetano Veloso por exemplo, um homem absolutamente apaixonado pela língua portuguesa (ouçam a sua canção Língua, por exemplo).

XI - Frases de efeito
Dependendo do seu estilo é bom ter de cor umas frases de alguns autores, líderes, pessoas inspiradoras. A citação é uma fonte de autoridade e reveste a sua fala e faz como que o público fique mais atento e faça conexões entre o que você está falando e outras coisas que já conhece daquela pessoa. Quem leu Michel de Montaigne sabe que ele citava uma série de autores antigos. Em sua casa, ele pendurava pequenos pedaços de papel nas paredes com esses aforismos, essas citações proverbiais inspiradoras.

XII - Contar histórias
É sempre bem vindo ilustrar a fala com pequenas histórias. Isso não é só descontração.Quando se conta uma história a pessoa se abre para te ouvir de uma outra maneira. Ouso dizer que muda a frequência cerebral. Cria-se um outro clima no campo. É um mecanismo em que você ajuda o ouvinte a se transportar para o universo do insight, onde ele vai compreender o que você diz e se lembrar mais tarde.  É possível que após uma palestra a pessoa não lembre de nada do que você falou. Mas se você conta uma narrativa, ficcional ou um caso concreto, é possível que ele lembre dessa história que você contou e, em seguida, como que puxando o fio de um novelo, a memória dele vem trazendo o restante.

Bom, essa conversa está ficando longa. Uma boa apresentação dá gostinho de quero mais. Saber terminar também é uma arte. Tem mais dicas, tem mais a ser dito. Fica para um segundo momento. Até que o livro fique pronto, fica aqui esse primeiro rascunho. Conto com a colaboração de vocês que estão me ouvindo (ou lendo). Quais as suas dicas? Quais as suas dificuldades? Escreva pra mim.

quinta-feira, 19 de março de 2015

É tudo um grande milagre mesmo...


Essa história que vou contar aconteceu agora pela manhã.
Minha irmã viajou e fiquei de cuidar do meu sobrinho de onze anos, levá-lo na escola, dormir na casa dele, etc.

Chegamos, eu e minha companheira, na casa dele ontem a noite.
Ele estava jogando video-game e era quase meia-noite.
Muito além do horário que se espera de um pré-adolescente estar dormindo para acordar as quinze para as seis no dia seguinte.
Minha companheira, que é uma excelente educadora, olhando a cena o que fez?
Sentou-se no sofá, começou a ver o jogo, um lindo cenário com personagens de lego e Harry Potter, e então ficou ali a fazer comentários, a se divertir com o menino.
Ela dava gargalhadas com ele na sala enquanto eu arrumei a cama, e me preparei para dormir.
Quando vi, ela já estava jogando e se dando gargalhadas com ele.
Então quando eu saí do banho ela disse: bom, vou tomar banho, minha vez.
E então ficou tudo bem. Já era hora mesmo. Todos fomos dormir, embalados pelo calor da empatia, amizade, sem tensões... Quando um adulto se faz presente e adentra o mundo dos jovens e crianças, tudo fica mais fácil.
Botamos os três celulares para despertar e acordarmos bem cedo no dia seguinte.

No entanto, só as sete e quarenta e cinco da manhã eu olho o relógio.
Meu sobrinho ainda estava dormindo. Devia estar no sétimo sono.
Perdemos a hora da entrada na escola.

Acordei-o e ele disse que depois de sete e dez já não deixam mais entrar.
Deixei-o dormindo mais um pouco.

Comentando com minha companheira, juntos começamos a nos perguntar por que uma escola que se afirma libertária é tão inflexível quanto ao horário de entrada.

Deixei meu sobrinho dormindo e fui com ela até o metrô. Afinal estava na hora dela trabalhar também. Não deu tempo para tomarmos café juntos e fiquei um pouco triste por isso. Mas... nós é que acordamos tarde. Tudo bem. Aceita.

No caminho do metrô, um morador de rua amigo meu estava bem sujo, mal-cheiroso, com uma barba gigante. Estava muito transtornado. Xingando e pedindo comida de forma agressiva.
Ele sempre é um pouco nervoso, do tipo: dá comida pro pobre! tô com fome! Mas hoje ele estava demais, porque estava fazendo movimentos bruscos com os braços, gritando e falando palavrões.

Descemos as escadas, deixei-a no metrô e fiquei, ali da roleta, olhando-a ir embora, como sempre gosto de fazer. As despedidas merecem todo o nosso tempo. Mesmo que em dias de pressa, acho que vale ficar um minutinho vendo o meu amor andando pelo corredor do metrô e olhar para trás e trocarmos um último adeus.

Subi do metrô e lá estava o senhor. Assim que o vi ofereci: vamos tomar café?
Afinal, perdi a companhia da mulher, mas meu amigo estava ali precisando comer.

Pediu-me três pães na chapa e um café com leite. Três pães! Acho engraçado esse jeito dele pedir o que quer, sem humildade.
Custou-me sete reais e cinquenta. Mas achei que tudo bem. Afinal, gastaria um pouco mais do que isso com o meu amor.

Entreguei a ele. E ele me abençoou.

Fui andando até a escola do meu sobrinho. Pensei em passar lá e perguntar se seria possível que meu sobrinho chegasse atrasado, até porque após a aula teria uma atividade extra de teatro. E ele havia me dito que não poderia entrar nem para isso. Perder aula tudo bem, mas eu não queria que ele perdesse o teatro. Aí eu me sentiria realmente culpado.

Então comecei a andar em direção a escola.
Só que comecei a imaginar as pessoas da escola me dizendo que não seria possível e dando todas as explicações burocráticas, etc.
Fui ficando com raiva só de imaginar e foi crescendo a vontade de dizer que meus filhos não vão estudar nessa escola que se diz muito libertária etc. E fui sendo tomado dessa corrente de pensamentos negativos e desse emoção raivosa.

Dei-me conta que estava criando uma realidade de violência. E comecei a pensar: espera, não quero dar vazão a essa emoção. Quero uma outra alternativa.

Então me veio a ideia de que a gente cria a nossa realidade.

E que eu poderia começar a fazer afirmações positivas.
E assim fui andando e falando: essa escola do meu sobrinho é uma escola libertária, é uma escola acolhedora.
E uma emoção gostosa foi tomando conta de mim. Uma leveza no corpo, um leve arrepio, uma presença positiva. E continuei: chegando lá, serei recebido por uma pessoa amorosa, acolhedora, que vai saber compreender a situação, que vai encontrar uma solução.

Nesse instante eu consegui reverter minha mente. Mudando o paradigma. Da competição para o amor. E comecei a silenciar e a caminhar em paz, sentindo confiança. E assim fui andando.

Em minha mente surgiu a imagem do senhor que fica na portaria. E mesmo que ele seja simpático, percebo que seria importante passar por ele, pois ele não conseguiria resolver a situação. De algum jeito, mesmo sem agendar, eu precisava ir até a secretaria. Entendi que essa intuição era importante ser seguida, como uma instrução estratégica para a coisa dar certo.

Chegando na escola, o moço do portão, mesmo tentando saber de tudo ali e me impedir de ir adiante, acabou deixando que eu fosse até a secretaria.

Na secretaria, elas disseram que normalmente a entrada é sete e dez e que só em casos médicos abrem exceções. Perguntei se elas não poderiam abrir uma exceção hoje. Elas disseram que elas não podem, que só quem faz isso é a coordenação. Pedi para falar com a coordenação e elas, dali mesmo, ligaram. E então...

A coordenadora... pelo telefone... liberou que eu levasse o menino às dez, na hora em que começam as aulas após o recreio.

Ela liberou! Sinto que todos na secretaria respiraram um ar de surpresa...

Que alegria! Voltei correndo pra casa.
Agora o próximo desafio. Acordar o tourinho que dormiria facilmente até a hora do almoço.
Entrei novamente no paradigma negativo. Ele pode querer me xingar, dizer que tá com sono, que não quer ir, vai inventar uma doença etc.
E de novo usei o método: reverter o estado mental. Afirmações positivas: ele vai acordar, vai ter um dia feliz, vai acordar bem disposto, etc.

Cheguei ao lado da cama. E a primeira coisa que me veio a mente: a oração do pai nosso. E assim comecei: pai nosso que estais no céu... e agradeci por um novo dia de vida.

Ao fim da oração ele se espreguiçou. Uau! Funciona.

Esperei ele sentar-se e fui falando que tinha uma notícia maravilhosa, que ele nem ia acreditar de tão boa...

Tomou banho e se animou a estar com os amigos, ir para a escola, etc.

No caminho paramos para um café na lanchonete.
E aí, só para completar a prova de que... (nossa!!!) quando o dia é lindamente abençoado é como um bolo com recheio e cobertura! Então a cobertura aconteceu ali. Perguntei se o suco de fruta do conde era da fruta ou polpa. Era da fruta, foi a resposta, mas pedi sem gelo, aí ele me disse que era gelado porque era da fruta que eles mesmos congelavam. Puxa, pensei, mas isso é polpa, né?

Antes mesmo que eu pedisse um outro suco, tipo laranja e tal, o suqueiro veio lá de dentro sorrindo e falou: mas se você quiser um feito na hora eu faço. E pegou as frutas que estavam ali e me fez um gostoso suco da fruta, batido na hora.

Então comecei a me maravilhar mais e mais dessa verdade linda da vida, de que a gente cria a nossa realidade. E compartilhando isso com o meu sobrinho fomos para a escola. 

E junto a esse sentimento de alegria e confiança em mim mesmo e na vida, comecei também a ter a certeza de que tudo isso não provinha só de mim.

Há um sopro... uma presença...
Chame como quiser: anjos, espíritos, deuses...
O fato é que o Amor esteve comigo essa manhã.
Seja através da minha irmã que viajou e está feliz à distância vibrando por seu filho e por todos nós.
Seja pela presença da minha companheira que me cerca de amor todo o tempo, que foi uma presença incrível junto a nós e que ao andar na rua comigo olhou o céu e disse: que dia lindo!
Seja pela presença misteriosa do mendigo sujo que me abençoou após os palavrões.
Seja pela presença desse algo que me fez instantaneamente oferecer café-da-manhã a esse homem que mal conheço.

Onde está esse mistério?
Não sei.
Como explicar esse dia?
Não sei.
De quantas fontes me vem esse amor que me cerca e cuida dos meus passos?
Não sei.
Quem é, na verdade, esse mendigo?
Não sei.

Mas para mim isso tudo é um grande milagre.
E fiquei feliz com tudo isso.
E amo a possibilidade de ser um escritor. 
E poder contar essas histórias e me comunicar com você que agora está lendo tudo isso.
Fico maravilhado com o milagre da escrita...
É tudo um grande milagre mesmo...

quarta-feira, 4 de março de 2015

Cansei do sistema


Cansei do sistema
Sempre a mesma violência silenciosa
O conflito permanente
disfarçado de rostinhos felizes
A exclusão
o egoísmo,
a insensibilidade
o outro se tornando invisível
A competição, o orgulho
aquele sentimento de superioridade, a empáfia
aquele sentimento de inferioridade, a raiva invejosa e competitiva
Cansei, cansei do sistema
Tanta desigualdade, tanta guerra barulhenta ou silenciosa
tanta opressão
onde o amor?
o sentimento de unidade?
o companheirismo?
onde a escuta atenta?
o olhar sereno sem julgamentos?
Cansei
Cansei do sistema
de sofrimento atrás de sofrimento
num ciclo que parece não ter fim
Dores de tristezas de águas passadas
Mágoas que não cicatrizam, perdões da boca pra fora
Angústias de futuros antecipados em ansiedade sem fim
de possibilidades que não se concretizam
sonhos que nunca chegam
Cansei desse sistema cruel
cansei dessa roubalheira toda
de tempo, verdade e vida
essa falta de justiça, primeiro o meu, depois os outros
meu ponto de vista é sempre o melhor
Cansei
Cansado continuo remando nessas águas viciadas
Cansado continuo percorrendo essa estrada monótona
Cansado prossigo me sentindo preso ao sistema
Onde o sentimento?
Onde o senso de religiosidade?
de pertença a uma ordem cósmica mais sábia e boa?
Onde a presença de Deus?
Cansei desse sistema
o sistema
o sistema
o sistema mente.
O sistema mente.
Sistematicamente minto na mente que se mete em tudo e me mete nessa mentira sem fim de culpar o sistema fora e não ver o sistema dentro desse sistema-mente-egoicamente-infeliz.
Hasta la victoria
Viva la jihad
do Espírito!

terça-feira, 3 de março de 2015

Essência do Serviço


"O serviço é um caminho de profunda compaixão, não há condições nem expectativas, há apenas uma doação que vem da presença e do sentir do seu coração."

O serviço é um caminho...
Não é o fim de um caminho, mas é ele mesmo um caminho.
Portanto você não precisa adquirir esta ou aquela habilidade específica para começar a servir.
Ao começar a servir, aí sim, você entra num caminho.
Caminho é símbolo de transformação, de evolução.
O lugar de chegada é diferente do lugar de partida.
E a riqueza do símbolo é maior quando o lugar de chegada é desconhecido.
Caminho é símbolo do mistério.
Serviço é caminho rumo ao mistério.

... profunda compaixão.
Compaixão é uma forma de entrar em relação com o outro.
Como você vê o outro? Como você o escuta? Como você sente o outro?
Compaixão é ver, ouvir, sentir, sem nenhuma expectativa.
Ver o outro como ele é.
Aceitação da realidade tal como ela é.
Sem julgamentos.
Se há julgamento, não é compaixão.
Você pode não dizer nada, mas o outro pode sentir quando o seu olhar tem um julgamento, seja de aprovação ou de reprovação.
O que será olhar sem aprovar ou reprovar? O que será esse simples olhar, puro, sem julgamentos?

É presença...
Estar presente em corpo e espírito.
Você consegue estar totalmente presente no aqui e agora?
Quais são os tipos de pensamento que te levam para outros lugares? Quais as situações em que é difícil estar no presente e você costuma lembrar do passado ou ansiar o futuro?
Presença é estar inteiro.
É um estado de observador.
Uma observação atenta.
Presença é, portanto, um estado de receptividade.
Estar aberto a sentir a novidade do outro.
Estar aberto ao novo.
Ainda que pareça velho, conhecido, o outro é um mistério.
Então você está constantemente atento, desvendando um mistério.
Você não tira conclusões apressadas.
Mas está aberto a se surpreender ao que o outro revela de novo a cada momento.
Aí a doação da sua presença é a maior doação.
É compaixão e serviço, sem precisar fazer nada, só estando disponível e receptivo ao outro.
É o famoso "nada fazer".
Mas, quando é que surge o fazer?

Sentir do seu coração...
é quando a ação não nasce da mente
é quando a ação não brota das raízes do acúmulo de experiências que sua mente consegue trazer na memória, comparar com a situação atual, analisar e oferecer uma solução lógica, perfeitamente racional.
O sentir do coração é uma forma de intuição
é uma resposta que vem...
é uma vontade que surge com emoção
é uma espécie de fé
Surge quando você está com os pés fincados no presente.
Presença. Não julgamento. Compaixão.
Surge uma natural empatia.
Somos um, somos o todo, mergulhados no amor incondicional
Amor compassivo e abundante à nossa volta, como a água para os peixes no mar.
Então a ação é naturalmente amorosa.
Mesmo um "não faça isso!" dito a uma pessoa pode soar autoritário ou amoroso.
Depende se nasce do coração de uma pessoa empática, presente, disponível.
Então é a ação pela não-ação. Pois é a ação onde você é um instrumento de um amor maior que nos perpassa a todos. Você é um instrumento. Você serve.

Essa é a essência do serviço.

Gratidão ao "Oráculo da Iluminação", produzido por Piracanga e seus anjos.