sexta-feira, 17 de maio de 2013
Sobre o amor romântico - Jurandir Freire Costa
O amor romântico, portanto, como qualquer emoção humana, não é feito só de virtudes. Ele carrega um potencial de individualismo e preocupação obsessiva com o próprio bem-estar que pode nos tornar absolutamente indiferentes a tudo e a todos ao redor.
Não se trata, é óbvio, de “reprovar o amor” ou os que pretendem dedicar a vida à realização amorosa; trata-se de mostrar que esse objetivo não está além do bem e do mal. Existe uma grande diferença em afirmar que o amor romântico é um estado afetivo que pode nos fazer muito felizes e que, por isso, pode ou deve ser buscado por quem de direito e apresentar o romantismo como uma obrigação moral universal. No último caso, fazemos de uma possibilidade, necessidade e reforçamos a crença de que todos os que não conseguem amar, no código do romantismo, são pessoas fracassadas, frágeis, insensíveis, “não resolvidas”, do ponto de vista psicológico.
O amor romântico, repito, é uma emoção mundana, comprometida, entre outras coisas, com valores estéticos e morais diretamente ligados a interesses de classe social, situação econômico-cultural e preconceitos raciais, sexuais ou religiosos dos amantes. Longe de ser uma emoção pura, inocente ou “divina”, o romantismo amoroso é uma busca de satisfação sexual e sentimental nem mais nem menos legítima do que outras às quais damos as costas por que estamos empenhados, dia e noite, em amar e ser amados.
O problema, em meu entender, não é conceber “um mundo sem amor”, coisa que julgo inimaginável, mas observar como funciona “um mundo com amor”, ou melhor, um mundo hipnotizado pela obsessão amorosa. Um mundo sem amor é uma conjectura a ser explorada, no melhor dos casos, pela ficção científica; um mundo que gira em torno do amor é uma realidade palpável para os que pertencem às classes privilegiadas das sociedades ocidentalizadas. Esse mundo está muito distante do “mundo-cor-de-rosa” da publicidade hollywoodiana. É um mundo, ao contrário, muitas vezes soturno, triste, deprimido, belicoso, voltado para expectativas que redundam em ciúmes destrutivos, possessividade compulsiva, ódios, ressentimentos, violências contra os ex-parceiros, sentimentos de derrota, mesquinharias em disputas econômicas, vilanias na manipulação de familiares, menosprezo dos que são batidos nas disputas amorosas etc.
O culto irrefletido ao amor romântico é verdade, pode nos levar aos céus do êxtase apaixonado. Mas também pode nos fazer viver, de modo quase permanente, no inferno de uma vida sem alegria, dilacerada pela falta de sentido e de esperanças. Assim, não se trata de mudar o amor porque não se pode mudar o mundo; trata-se de mudar o mundo e ver como podemos mudar nossos modos de amar. Da mesma forma que, ao longo da história, fomos capazes de mudar nossas concepções de justiça, igualdade, liberdade, fraternidade, amizade, amor a Deus, responsabilidade paternal, usufruto da sexualidade, compromisso com o outro etc., podemos, igualmente, experimentar formas de amor que sejam mais satisfatórias. Nem tudo na vida depende de nosso desejo, esforço ou boa vontade, mas muitas coisas dependem da confiança que temos em nosso poder de alterar estados de coisas que podem ser mudados pela forma com que aprendemos a percebê-los, interpretá-los e vivê-los.
Jurandir Freire Costa, no livro "Razões públicas, emoções privadas" p. 133 e 134 (capítulo em que se dedica a responder questões apresentadas sobre seu outro livro: "Sem fraude, nem favor: estudos sobre o amor romântico")
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