sexta-feira, 23 de maio de 2025

Prova de amor verdadeiro

ah esse amor... 

esse seu amor que posso sentir.

e também o meu amor por você. 

já pensou numa prova de amor?

já pensou se eu resolvo te pedir uma prova desse amor?

já pensou se você me pede para provar?

aproveitei que você disse que me ama e automaticamente comecei a pensar (como a fazer uma brincadeira que os que se amam se permitem fazer)

hum... se ela ama mesmo posso pedir uma coisa que só se pede a quem ama

então pensei, pensei, e com todas as coisas que eu pensava em pensar em pedir, logo dentro de mim surgia uma voz que dizia: não, isso você não pode pedir, isso não é coisa que se possa pedir a ela. 

daí, eliminadas todas as opções, consegui chegar a uma: ah é, então você disse que me ama, então como prova de amor eu peço que você... ame, continue amando do seu jeito, não precisa fazer nada, só continue amando. 

ame e faça o que quiser. 

isso é o que o meu amor te pede.

um amor à prova de provas.


O teatro do destino

Hoje no café da manhã na varanda um menininho corria o risco de derrubar o copo de vitamina.
Ele ficou em pé e veio dando uns passinhos pra trás.
Rapidamente tirei o copo do chão por baixo das suas pernas. 
Todo orgulhoso dei o copo na mão dele. "Atenção com suas pernas. Você podia ter derrubado o copo."
Ele se sentou e antes de beber, sem querer, entornou o copo no chão.
Fiquei pensando na força do destino.

Hoje acordei de um sonho muito forte, um pesadelo em que eu ia me apresentar no teatro mas eu havia esquecido tudo: as falas do personagem, havia deixado a roupa em casa, estava sem maquiagem; tudo por fazer, a peça por começar, e ninguém estava muito disposto a me ajudar; eu não tinha nem ensaiado.

Acordei muito assustado, com essa sensação terrível do branco na mente, o esquecimento, confusão. 

Ao mesmo tempo que algumas pessoas me achavam brilhante quando me ouviam dizer uma ou outra palavra, na tentativa de ensaiar em cima da hora, eu mesmo nem sabia o que estava fazendo. 

Estava morrendo de medo do público, com vergonha da minha parceira de cena que estava pronta e sabia tudo direitinho mas estava sem nenhuma paciência para me ajudar em cima da hora.

O que representa o destino? Pensei que o menininho talvez não quisesse mais tomar o suco. E de algum jeito não conseguia falar isso diante do público, esqueceu o texto, o figurino, a maquiagem... acordei assustado.

domingo, 11 de maio de 2025

Seja feliz! - palavras do professor Goenka, cantadas nos cursos de 10 dias.

Meu professor, que você possa ser vitorioso.
Compassivo, que você possa ser vitorioso.
O senhor me deu a admirável jóia do Dharma, 
quem tem sido tão benéfica para mim. 

Permitiu que eu provasse o néctar do Dharma
e agora nenhum prazer sensual pode me seduzir.
Uma tal essência do Dharma me deu,
que a concha [da ignorância] foi abandonada.

O senhor me deu um Dharma tão poderoso,
que me auxilia e me ampara a cada passo.
Ajudou a libertar-me de todos os medos,
e tornou-me completamente destemido.

De cada poro gratidão
De cada poro jorra tamanha gratidão,
que eu não posso saldar a dívida.

Viverei a vida do Dharma
e distribuirei os seus benefícios
a todos os que sofrem
esse é o único modo [de saldar a dívida]

Ó meu professor, em seu nome,
eu compartilho a doação do Dharma.
Que todos aqueles que vierem para meditar
sejam felizes e estejam em paz.

Que haja uma chuva do 
néctar do Dharma nesta terra.
Possa ela lavar todas as impurezas mentais
e purificar a mente de todos.

Que haja uma chuva do 
néctar do Dharma nesta terra.
Possa ela lavar todas as impurezas mentais
e refrescar a mente de todos.

Que todos possam ser felizes.
Que todos possam ser felizes.

Neste mundo de padecimento,
que ninguém seja infeliz.
Que o Dharma surja no mundo,
trazendo felicidade a todos.

De ódio e má vontade
que não permaneça nenhum rastro.
Possa o amor e a boa vontade
preencher o corpo, a mente e a vida.

Possam todos os seres estar livres do medo,
livres da animosidade, livres da doença.
Possam todos os seres ser felizes, 
ser felizes, ser felizes.

Assim como o meu sofrimento terminou,
que possa ter fim o sofrimento de todos.
Assim como a minha vida melhorou,
que a vida de todos possa melhorar. 

Somos afortunados por ter o sabão
e por ter a água pura.
Agora venham! Nós mesmos temos
de lavar a roupa suja da mente. 

Que o enlevo se espalhe
pelo lago da mente.
Que cada poro emita o som:
seja feliz! seja feliz!

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Sobre me expor diante da turma


 "Como pode ser gostar de alguém / E esse alguém não ser seu?" 

Nas férias abro meu amor e minha intuição à turma que virá no próximo semestre.

Antes de saber quem serão as alunas, abro-me a um planejamento subjetivo do curso. Qual será o percurso da turma de arte? Vou lendo, vou sentindo, vou colocando umas cartas na manga.

Nesse ano me vinha um pensamento que ouvi de que, em congressos de psicanálise, há momentos de relato de percurso de análise, em que uma pessoa conta a sua história pessoal. 

Contar minha vida a partir dos meus erros, minhas fragilidades, meu processo de autoconhecimento até aqui. Coloquei essa carta na manga. Estava pronto para contar tudo e responder a toda e qualquer pergunta de minha vida pessoal. (No semestre anterior, na disciplina optativa, em que temos ênfase em yoga, recebi uma pergunta que adorei: "professor, o que você mais gosta e o que você menos gosta em você?")

Quando o ano começou eu adorei ver os rostos conhecidos das meninas. Tínhamos vivido excelentes experiências na turma de corpo do primeiro período. 2 anos e meio depois elas estavam comigo outra vez. Sabia que ia ser bom.

Um dia combinamos de fazer a vivência do autorretrato, com colagens. A turma ficou fazendo (não consegui fazer o meu porque estava providenciando materiais e apoiando na impressão de suas fotos). Os trabalhos estavam ficando lindos (um grupo realmente talentoso) e uma das meninas me segredou que era seu aniversário. Então pedi pra ela escolher um música para tocar de fundo. Ela escolheu Amado, da Vanessa da Mata. A canção começa com a frase da epígrafe desse texto. E no meio da música eu lancei a pergunta: "vocês acham que as pessoas costumam desejar justamente os amores impossíveis?"

Cada uma começou a falar, e enquanto continuavam em suas colagens de seus autorretratos a conversa foi ficando animada, a aniversariante lembrou da frase de Schopenhauer:  "A vida é uma constante oscilação entre a ânsia de ter e o tédio de possuir".

Até que surgiu a pergunta: "professor, o senhor já traiu?"

Elas não sabiam que eu estava esperando uma oportunidade para contar minha historia. Vão saber agora que estão lendo esse texto. Por sinal, no fim da aula recebi o pedido de fazer um relato deste encontro tão caloroso que tivemos. Porque foi nesse dia também que mostrei pra elas meu blog (este aqui). Todo feliz contei da minha primeira postagem que foi algo do meu nascimento como professor. E depois li a última postagem, que foi sobre a descoberta da minha filha da alegria de escrever um diário e, consequentemente, da alegria de um pai perceber a alegria de sua filha com a escrita.

Eu contei a elas um monte de coisas da minha vida pessoal. Falei: "antes de contar se traí ou não, acho que preciso que vocês saibam um pouco de como foi minha historia", contei das minha inibições na infância e adolescência, se espantaram ao saber a idade de meu primeiro beijo, contei das minhas inseguranças sexuais e tive que explicar os fantasmas do fracasso sexual que povoam a mente dos meninos, os males do machismo sobre os meninos, as expectativas de performance, etc. contei também dos primeiros ensaios de namoro e dos relacionamentos longos que tive.

Minha fala ia sendo entrecortada por comentários delas. O ambiente estava muito descontraído porque à medida que ia recebendo julgamentos, ora eu os acolhia, ora eu devolvia como uma forma de provocação. A coisa virou uma espécie de ringue: 10 mulheres contra 1 homem. Evidentemente, eu fui ao chão várias vezes.

Por um momento nos perguntamos se iríamos discutir a questão de "uma pessoa" que trai, ou de "um homem" que trai. Isso faria alguma diferença. E pode ser que todos tenhamos ao longo do bate papo refletido sobre nossas histórias e questões nos relacionamentos, e que a lição de um possa ter servido para inspirar a vida de outras. Mas o tom do momento acabou prevalecendo: todas contra um.

Ao final fiquei feliz com uma certa catarse coletiva em que aquelas mulheres puderam descarregar seus ressentimentos acumulados por uma sociedade extremamente machista. Por todas as violências concretas e sutis que sofreram e ainda sofrem. É bom que possam saber bater nos homens, eu pensei em alguns momentos. É bom que haja sororidade, concluímos ao final.

No entanto, pelas tendências em tomar partido no momento da escuta, em ter logo um julgamento, fiquei pensando no ambiente em que elas cresceram e possivelmente ainda vivem. Se as ideias de certo e errado, bom e mau, são todas muito bem definidas, deve haver algum custo para se encaixar nos padrões da moralidade de seu grupo social, como se fosse possível a um ser humano alcançar a luz sem reconhecer a existência de sombras. 

E o meu plano inicial que imaginei nas férias: contar minha historia para exemplificar as complexidades da subjetividade humana, a noção de que a vida não segue uma linha reta, as ilusões e o processos demorados de amadurecimento, a dura jornada de autoconhecimento, para onde foi tudo isso?

Depois da aula encarei a questão: será que eu sou mesmo um ser humano ruim? Se estou num relacionamento e me apaixono por uma outra pessoa, isso fala do meu caráter? O que é certo e o que é errado fazer? Contar, não contar? Viver a paixão, freá-la, esquecê-la? Como contar? Por que as pessoas não contam? Esse é um tema que merece aprofundamentos.

Na aula lançamos a provocação: as pessoas questionam o caráter de quem se apaixona, mas ninguém parece questionar o modelo hegemônico da monogamia. Conversei com Marianna sobre isso e ela me escreveu: "A expectativa hegemônica, compulsória, de exclusividade sexual, não permite a espontaneidade da relação amorosa, inibe desde o princípio e constrange a possibilidade de sinceridade na comunicação. Como é que a pessoa que ouve "eu só tenho olhos para você, você é tudo para mim, tudo que um homem precisa eu tenho em casa", vai conseguir, numa boa, tranquilamente, ouvir "eu estou ficando a fim de outra pessoa, eu quero estar mais vezes com ela"? O que se ouve é "essa relação já não serve mais, vamos terminar". A monogamia não permite meios termos, nuances, confluências."

Daí ela me indicou o texto sobre a sinceridade, do filósofo Rafael Lauro. Lendo seu texto eu consegui identificar o sentimento de confusão e incertezas que permearam minha história, ainda em andamento, de (re)conhecer meus desejos: "Quem consegue responder exatamente o que é a verdade e o que é a mentira quando tratamos de coisas tão movediças quanto os nossos desejos?"

Conversar, conversar, conversar... Rafael me fez lembrar de que contar ou não contar não é tão simples porque ao longo do que vivi eu não tinha clareza  das mudanças que aconteciam no meu sentimento. Porque "a verdade não nos espera pronta, ela está por fazer. Relacionar-se com sinceridade não significa ser obrigado a dizer tudo o que pensa ou faz, mas de criar condições pelas quais possamos ser e mostrar aquilo que somos, incluindo as contradições. Então, a sinceridade não é apenas a comunicação das certezas, mas fundamentalmente a conversa cuidadosa sobre as incertezas."

O difícil foi ter me acostumado com uma relação "estável" sem perceber que ela mudava, foi não ter me acostumado com os convites do que encantava minha alma (os apaixonamentos) sem conseguir dançar seus fluxos. Não conseguimos, é verdade, manter as relações abertas o suficiente para as conversas cuidadosas sobre as incertezas. 

Quero encerrar esse relato da aula, escrito para elas, com um poema. A professora e poeta Geni Núñez (Yvoty Juky é seu nome em guarani dado por sua mãe) em suas pesquisas sobre relacionamentos, fala em descolonizar os afetos, nos inspira com a metáfora do reflorestar as relações em sua diversidade, em contraposição a lógica da monocultura. Gosto também bastante de um conceito que ela traz, para além dos rótulos e dos padrões normativos, que é o de "artesania dos afetos": ou seja, compreender as relações como algo que se vai construindo artesanalmente, cada um do seu jeito. Geni transparece bastante sinceridade no que fala, como quem fala a partir de suas buscas pessoais. Eu amei o seu livro e poema "Felizes por enquanto: escritos sobre outros mundo possíveis", mas aqui eu compartilho um poema que acho que tem muito a ver com toda essa semana que passei em busca de trazer uma compreensão para o que vivemos na aula.

Poema em linhas tortas: é pelo jeito de errar que a gente ama

Mais do que te ver acertar, acho que foi quando te vi se permitindo falhar que mais te admirei
Mais do que quando você alcançou as notas, te admirei mesmo quando você continuou cantando mesmo percebendo a própria desafinação
E mesmo tropeçando, continuou dançando
E não parou de dizer gaguejando
Quando não deu tanto mérito à vida em linha reta
E quando riu de si sendo ridículo e absurdo
Quando perdeu todas as rodadas, mas não desistiu de jogar
Há uma certa coragem que os erros têm que nenhum acerto jamais terá
E é sem atribuir tanta importância à possibilidade de falhar
Sem atribuir tanta magnitude ao que os outros irão pensar se a gente tentar e não conseguir é que encontramos alguma autenticidade
Farta de deuses e semideuses,

eu me apaixono é por gente.


Foto: poema de Sérgio Vaz, no livro Flores da Batalha